Tal como há histórias
que não esquecemos, há caras que não olvidamos.
Esta, vi-a durante
alguns minutos e não bem de frente, algures em 1997 ou 1998. No decurso daquele
episódio. Nunca mais a vi até hoje e, de imediato, a reconheci, bem como me
relembrei uma vez mais da história, que já a tenho contado.
Esta sentado no
comboio, a caminho de Lisboa. Na estação do Cacém, apercebo-me de uma troca de
palavras entre o revisor e um passageiro. Era quase que uma conversa de surdos,
que o passageiro só falava francês. Mas o tema era conhecido de muitos dos que
ali estavam, aliás, conversa estafada: não tinha bilhete, afirmava o revisor.
A dado passo, o
funcionário da CP, que já tinha levantado e bem o tom de voz e passado a
vocabulário pouco cortês, agarrou por um braço o seu interlocutor e saiu com
ele da composição. Percebia-se que o levava para o chefe da estação, que
chamaria a polícia, etc. etc..
Os detalhes da
conversa não os percebi, que o passageiro, negro retinto, quase azul, falava
baixo e pausadamente, mas o certo era não haver por perto quem falasse francês,
pelo que desci e segui o par, não gostando nem um pouco do que ia ouvindo da
boca do revisor nem da forma como tratava aquele em que agarrava firmemente.
Quando entrei na
estação já eles estavam lá dentro, na zona do chefe. A porta estava aberta e
deixei-me ficar ali, na soleira, quase sendo atropelado pelo revisor quando
saiu de volta para o comboio que o esperava.
Entrei e servi de
intérprete.
O que se passava
era um conjunto de mal entendidos, que até tinha passe válido, mas não de
acordo com as regras em vigor. Mas, como o auto já tinha sido levantado, por
muito boa-vontade que o chefe da estação tivesse, nada podia fazer. E também
ele estava incomodado com o tratamento dado pelo revisor ao pacífico
passageiro.
Acabei por ir com
este ao gabinete de atendimento do utente, no Rossio, em Lisboa, para que a
situação se resolvesse e não fosse ele alvo de multa.
Pelo caminho,
soube que ele estava cá a trabalhar na construção do tabuleiro ferroviário da
ponte 25 de Abril e que, com toda aquela história, já tinha perdido meio dia de
trabalho, pelo menos.
Em chegados a
Lisboa, e já no tal gabinete, soubemos que o chefe da estação já para lá havia
telefonado a contar a situação. Quem nos atendeu falava fluentemente francês,
pelo que a minha presença deixava de ser necessária. Excepto…
Excepto que decidi
apresentar queixa do revisor, pela forma violenta como tinha tratado o
passageiro. E a minha reclamação, escrita, fora corroborada pelo telefonema do
chefe de estação, que havia dito que enviaria um relatório sobre o mesmo
assunto.
Vim a saber, algum
tempo depois, que o passageiro não fora multado. Da minha reclamação, nunca
obtive resposta. Mas também não mais vi o agressivo revisor a trabalhar na
linha de Sintra, que frequento diariamente. Até hoje.
Vi-o na estação do
Oriente, em Lisboa, embarcando num outro comboio. De imediato o reconheci,
mesmo passados todos estes anos e a brevidade do meu olhar sobre ele então.
Pela forma como o seu olhar agora passou por mim, não me reconheceu.
Espero,
sinceramente, que os passageiros das linhas onde tem trabalhado, não sofressem
o que aquele coitado passou.
Creio que nunca
nos esquecemos por completo das coisas. Apenas as temos arrumadas algures num
cantinho a que não acedemos até que um qualquer estímulo nos faz abrir a porta
do armário respectivo.
By me
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