terça-feira, 30 de junho de 2020

Equidades



Sabemos que o futebol profissional não é um desporto: é uma indústria.

Movimenta muitos milhões (a liga milionária, por exemplo) os salários e as transferências envolvem quantias que nem imaginamos poder ver, e o luxo e mordomias que principais intervenientes usufruem é quase obsceno.

Apesar disso, o governo português decidiu isentar de impostos (irs e irc, bem como iva parcial) o que acontecer com a “Champions” em Portugal este ano. Incluindo as transmissões televisivas. À semelhança do que aconteceu com o “euro” e outros eventos do mesmo calibre.

Mas o anónimo desgraçado que não pagar o irs ou não apresentar a respectiva declaração de rendimentos está condenado. Mesmo que o faça para conseguir pagar a renda ou ter comida na mesa.

Há algo de muito errado em tudo isto!


Imagem: edit by me from the web

segunda-feira, 29 de junho de 2020

Pandemias e jogos de bola

Parece que o Benfica perdeu com o Marítimo, depois de ter perdido com o Santa Clara.

Faz sentido.

Se pensarmos bem, as equipas insulares estão habituadas a viver confinadas nas suas ilhas e os continentais têm por horizonte todo um continente e não lidaram bem com o confinamento.


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domingo, 28 de junho de 2020

Cadeira



“Evite viajar nas horas de ponta”, dizem eles.

Por mim, tudo bem. Às quatro da manhã não há gente no metro e até há espaço e levar a minha cadeira para esperar pelas nove e meia, que é a hora a que abre a loja em que trabalho.

Só é pena é não haver metro às quatro da manhã.

Tal como é pena que todas as lojas abram às nove e meia.


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sexta-feira, 26 de junho de 2020

Bolhas



Estávamos na Páscoa de ’75. Os tempos eram confusos e a certeza de ter o futuro nas nossas mãos suplantava, de longe, os escolhos que íamos encontrando.
Este primeiro ano lectivo do pós-revolução foi confuso. Muito. Programas e conteúdos, métodos e abordagens, relações hierárquicas e sociais… acima de tudo o não haver ensino segregado por género. Ensino oficial com escolas mistas era também novidade.
Para todos, incluindo alunos e alunas, que não estávamos habituados a lidar no quotidiano com o sexo oposto. Não era fácil aquilo, e tivemos que descobrir, de súbito, como o encarar e viver.
No meio de tudo isto, o material escolar foi-se degradando. Por material escolar incluo mobiliário: mesas, cadeiras, carteiras… A dado passo, havia que dividir um assento por dois rabos, que não havia que chegasse para todos.
Pois uns quantos de nós, enquadrados por um continuo solícito, voluntarizamo-nos e passámos metade das férias da Páscoa no sótão do liceu, reparando mesas e cadeiras.
Não imaginam, decerto, o quão rija é aquela madeira. Rija de desaparafusar. Rija de aparafusar. Rija de serrar. Rija de martelar. Rija de moldar.
No fim daquela semana havia muitas mais mesas, cadeiras e carteiras para distribuir pelas salas de aula do que pensávamos que fosse possível. E havia muitas mãos cheias de bolhas. Daquelas bem altas, cheias de líquido, que secávamos com uma linha atravessada nela com a ajuda de uma agulha.
Bolhas dolorosas e alegres.
Bolhas que provocavam queixumes entre gargalhadas e que se aguentavam firmes com o receber de novo no dia seguinte o cabo da chave de fendas ou do serrote.
Bolhas que nos enrijeceram as palmas das mãos e da alma, que aprendemos com elas que o futuro é nosso e que temos que o construir.
Bolhas que se aguentaram firmes quando batemos palmas ao distribuir o recuperado pelas salas de aula, tornando-as compostinhas e apetecíveis.
Bolhas que se têm reproduzido ao longo dos anos, sempre com a mesma alegria de saber que o mundo pula e avança como bola colorida entre as mãos de uma criança.

Bolhas de fazer um mundo melhor sabem a mel e fazem-nos cócegas na alma.

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quarta-feira, 24 de junho de 2020

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O distanciamento social é apenas para quem é sociável.

Os anti-sociais (e basta ver a cara de toda esta gente logo de manhã) não se preocupam com a sociabilidade.

Aliás, nem sequer são socialities: são os anónimos que permitem que a sociedade se mantenha lubrificada para alguns.

A sociedade é só para alguns. O resto é rebanho.



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O altar



O mês de Junho é o mês dos santos populares.
Confesso que nunca percebi lá muito bem isso, porque me leva a concluir que todos os outros santos não são populares. E no entanto, atente-se, há mais santos no calendário que deputados no parlamento, o que é obra.
Em qualquer dos casos, e para não destoar da época, montei um altar ao santinho da minha devoção.

Só não está montado todo o ano porque, mais que adorar, prefiro praticar. Fotografia e tudo o mais na vida.

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terça-feira, 23 de junho de 2020

Fotografia ou retrato



Por vezes temos destas surpresas e curiosidades!
Veio parar-me às mãos um livro interessante, do ponto de vista histórico. Intitulado “Tirée par… A rainha D. Amélia e a fotografia”, é uma colectânea de fotografias da rainha e feitas pela rainha, no final do séc. XIX e inícios do séc. XX.
Fotografias formais, descontraídas, de cerimónias, de passeios, de visitas oficiais, no país e no estrangeiro… interessante.
A preciosidade, do meu ponto de vista, é esta fotografia da rainha.
Feita por Vidal & Fonseca, em Lisboa e algures entre 1890 e 1899, trata-se de uma fotografia de estúdio, como tantas outras.
A retratada de pé, provavelmente com algo atrás, ainda que oculto, onde se encostar para evitar imagens tremidas, uma luz suave, um fundo pintado e esfumado… uma fotografia normal para a época não fora o facto de a perspectiva ser demasiado baixa para a época.
Se observarmos bem, o eixo da objectiva encontra-se a, talvez, um metro do chão e não perto da altura do rosto ou olhos como era e é habitual.
Esta questão, que não é certamente uma limitação técnica, não é de somenos importância. Se atentarmos ao olhar da retratada, constatamos que ela olha para além a acima de nós (e da câmara) numa atitude de quem vê mais do que apenas o que a cerca. Quase como que se a câmara (ou o espectador) ali não estivesse.
É esta perspectiva contra-picada (de baixo para cima) que faz desta fotografia algo de especial, que transforma uma fotografia num retrato, que justifica o livro e que me fará ir em busca demais trabalhos do estúdio onde foi feita, para tentar saber se terá sido uma opção pontual neste trabalho ou uma abordagem usual dos seus fotógrafos.

Nesta pesquisa tenho para procurar, e para além da obra referida no livro, o arquivo fotográfico municipal de Lisboa, duas bibliotecas específicas na matéria, a minha própria biblioteca e algumas pessoas a quem farei algumas perguntas.

Mas não me peçam prazos, por favor.

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segunda-feira, 22 de junho de 2020

Dádivas e partilhas



Aconteceu há uns anos.
A empresa onde trabalho entrou em greve por três dias. Segunda, terça e quarta.
Sendo que temos horários díspares, os tais que alguns entendem por privilégios, alguns de nós não estariam em horários de trabalho em alguns desses dias. Ou porque de folga, ou porque de férias.
Porque a essas pessoas, nessas circunstâncias, não seriam descontados esses dias de greve, propus eu o seguinte:
Por sectores de trabalho, essas pessoas contribuiriam, com o valor do que lhes seria descontado se estivessem de greve, para um saco comum, a dividir por todos. Assim, o sacrifício seria igual ou proporcional para todos e o auxílio também, que três dias de descontos é obra.
Da boca de um colega de trabalho ouvi o seguinte: “Oh JC! Se estás com problemas de dinheiro, faz como eu: pede ao banco.”
De pouco adiantou dizer que eu estaria de folga em dois desses três dias e que estaria a contribuir bem mais que a receber.
Nada aconteceu.

Entre o partilhar e o dar há uma fronteira. Ténue, mas existe.

Mas aqueles que nem sequer entram em território de partilha pouca consideração merecem da minha parte.

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E na semiotica da imagem?



Alguém pensa nisso ou é só no resto?

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domingo, 21 de junho de 2020

Uma fotografia



Eu sei que muitos não pensarão assim. Mas se eu agisse em função do que os outros pensam, não seria eu: Seria qualquer outra pessoa.

Uma boa fotografia não tem que ser técnica e esteticamente correcta, e não tem que ser original ou seguir cânones clássicos.
Uma boa fotografia tem que me satisfazer enquanto autor. Tenho que olhar para o resultado final e saber que correspondeu ao que vi com os olhos da alma e ao que imaginei que ela viria a ser.
Se, por mero acaso, ela agradar e contar algo a quem mais a vir, tanto melhor. De algum modo ela cumpriu uma das finalidades da fotografia: comunicar.
Mas, acima de tudo, ela tem que me agradar, que a fotografia é uma forma de expressão.
Se esta fotografia me agrada? Se satisfaz aquilo que imaginei? Será problema meu, ainda que se o não fizer de algum modo não fará sentido exibi-la.
Se ela agrada a quem a vê? Claro que gostaria que sim, mas não é, de forma alguma, uma prioridade minha.



(Nota extra: esta imagem foi feita faz tempo, pensando no que acima está dito, depois de ler um artigo sobre iluminação para fotografia e considerando um projecto que tenho em mãos.)

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sábado, 20 de junho de 2020

Feriados



Eu sei que me vou repetir. São quatro vezes por ano, desde há vários anos.

Mas é o que penso, é o que sinto.

 

Hoje é o solstício de verão. As mais das pessoas dizem que é hoje que começa o verão. Pelo menos no hemisfério norte, que no sul dizem que começa o inverno.

Quer isto dizer, na prática do dia a dia, que não apenas começa a estação mais quente do ano por cá como, também por cá, hoje é o dia mais longo do ano, em termos de quantidade de tempo de luz solar.

Para que conste, e de acordo com as tabelas, o dia hoje tem mais três segundos de luz que ontem e menos um segundo que amanhã. Nem daremos pela diferença.

Mas o que tem de interessante neste dia é que se repete todos os anos, invariavelmente. Desde sempre. Pelo menos desde que o planeta terra orbita o sol. E dias interessantes como este, ao longo doa ano, acontecem mais três: o solstício de inverno, o equinócio da primavera e o equinócio do outono. Sempre!

Os mais atentos poderão dar pela coisa. Ou consultarem almanaques ou páginas web. Talvez que os noticiários falem no assunto.

Mas o certo é que o ser humano desde há milénios que sabe disso. Bem antes de haver almanaques ou mesmo escrita. Quando o mais que havia eram uma cavernas com desenhos e uns penedos erguidos em locais estratégicos e de acordo com as crenças. Ou com o que observavam. E eles observavam o céu e constatavam os equinócios e os solstícios.

Mesmo sem saberem o que os provocava, consideravam estes dias importantes. Dias de mudança. E essa mudança justificava ser assinalada de algum modo. E juntavam-se, muitos, e erguiam monumentos em pedras, grandes pedras, para assinalar o dia, orientando-as em função do sol e das sombras provocadas.

Foi isto verdade um pouco por todo o globo, transversal a todas as civilizações, à medida que elas permitiam a observação e a construção.

E tudo isto antes da escrita como a conhecemos, quando o conhecimento era transmitido por via oral e com, presume-se, vocábulos limitados. E sem engenharia que facilitasse a obra.

 

São este quatro acontecimentos anuais, em que o ser humano mais nada pode fazer que não constatar a sua existência e celebra-la, que fazem com que eu nesses dias celebre a vida e o universo, tal como há milhares de anos. Sem teorias teológicas nem conceitos complicados.

Quatro dias especiais, desde sempre celebrados, e que deveriam, na minha opinião, serem feriados mundiais.

Quanto mais não seja para que nos lembremos nestes dias da nossa condição insignificante. E que, por mais que façamos, o universo será muito maior e potente do que conseguimos imaginar ou dominar.

E, já agora, que se soubermos tirar bom partido de tudo o que ele é, podemos ir muito mais longe do que conseguimos sonhar.


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sexta-feira, 19 de junho de 2020

O rei vai nu



A verdade tem várias facetas, dependendo dos pressupostos.

É assim que uma mentira, repetida inúmeras vezes, acaba por ser verdade.

A menos que não deixemos que os nossos pressupostos se corrompam, que a nossa integridade se perca, que cedamos dos nossos direitos de pensar e agir em prol da opinião comum.

São muitos os que nos alertaram para tal, com discursos, livros, cinema, poesia, pintura... Alguns com armas.

São demasiados os exemplos na história recente da humanidade. Em todos os continentes, com base em diversos tipos de pressupostos.

A pandemia que nos assola pode ser um desses pressupostos.

Limita-nos a liberdade, confina-nos ao mínimo indispensável, encharca-nos de informação controlada.

“Não há motivos para duvidar”, dizemos. “São os nossos líderes, são os nossos pares, são os cientistas de renome, são fontes fidedignas.”

Claro que as vozes discordantes, venham de que quadrante vierem, são liminarmente descreditadas ou eliminadas. Ou com a frieza dos números (que dizem que não mentem), ou com os argumentos em chorrilho, ou simplesmente caladas.

Porque a verdade, à luz dos pressupostos socialmente correctos, é só uma.

Até que venha uma criança dizer na praça “O rei vai nu!”

 

 

Imagem roubada da net

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quinta-feira, 11 de junho de 2020

Fascina-me



Encontrei esta imagem na net e roubei-a. Fascina-me!
Esqueçamos a mensagem de per si, com toda a carga ético-moral positiva ou negativa que lhe está inerente.
Vejamos antes a forma como essa mensagem aqui está expressa.
A escolha da cor - qual, onde e como se manifesta, em contraste com a ausência de cor. Com tudo o que ambas a condições implicam em códigos e estereótipos.
Em seguida o anonimato do modelo. Que não importa quem faz o "serviço", desde que seja feito. O ser humano objecto e nunca fulanizado.
Some-se a displicente mão, tombada, abandonada quase, à espera do óbvio.
Por fim o cigarro. Longo e fino, quase de elite, e apagado. Que só se acenderá no depois.
Em complemento a tudo isto, as pernas como tela do texto, obrigando-nos a para elas olhar, queiramos ou não.
A cereja no topo do bolo é, apesar do tema promovido e de nele termos que pensar, nada há de pecaminoso ou obsceno naquilo que vemos.
Fascina-me, esta imagem.

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quarta-feira, 3 de junho de 2020

Que os deuses nos perdoem!



Ver noticiários a dedicar tanto tempo ou espaço com o recomeço do futebol…

Que os deuses nos perdoem!


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segunda-feira, 1 de junho de 2020

Imagem



Os etimologistas perguntam-se porque é que o termo “leiche” acabou por assumir o significado de cadáver que é o sentido que a palavra tem hoje em Alemão. Também aqui a evolução semântica é, na verdade, perfeitamente compreensível: o cadáver é por excelência aquilo que tem a mesma figura. Isto é tão verdade que para os romanos o morto se identifica com a imagem, é a “imago” por excelência e, vice-versa, a “imago” é antes a imagem do morto (as “imagines” eram as mascaras de cera dos antepassados que os patrícios romanos guardavam nos átrios das suas casas). De acordo com um sistema de crenças que caracterizas os rituais fúnebres de muitos povos, o primeiro efeito da morte é o de transformar o morto num fantasma (a “larva” dos latinos, o “eidõlon” e o “phasma” dos gregos), ou seja, num ser vago e ameaçador que continua no mundo dos vivos e regressa aos lugares frequentados pelo defunto. O intuito dos ritos fúnebres é precisamente transformar este ser incómodo e ameaçador, que obsessivamente retorna, num antepassado, ou seja ainda numa imagem, mas benévola e separa do mundo dos vivos.
Ensaio by: Giorgio Agamben, in “Lighten up” by João Onofre
Imagem: by me