quarta-feira, 30 de junho de 2010

Hair - I Got Life

I got my camera



Difícil mesmo é fazer com que as pessoas entendam que há coisas na vida que se fazem pelo prazer de as fazer. Tão só e apenas pelo prazer!
Que todo o resto que lhe possa estar associado pode ser secundário. E que não tem que ser, obrigatoriamente, por dinheiro.
No Jardim da Estrela perguntam-me porque ofereço as fotografias.
Encenando um pouco, acabo por dizer que se trata de um estudo sobre fotografia e, se insistirem muito, atiro-lhes com um ou dois nomes pomposos, acabados em –gia. E acrescento que não vivo daquilo, quando não já teria morrido de fome.
Houve mesmo quem me perguntasse em que universidade estava a fazer o mestrado ou doutoramento, para ali estar, assim, a fazer aquilo para estudar.
Há quem não entenda que o “saber” pode ser um prazer e que a aprendizagem também. E que se juntarmos a isso um outro prazer, no caso a fotografia, então as coisas acontecem pelo prazer, tão só e apenas pelo prazer.


Texto e imagem: by me in “Estórias do Oldfashion”

Foi há uns dias



Foi há uns dias, mesmo junto à Gare do Oriente, em Lisboa.
Este carro de instrução parou onde se vê, logo a seguir à passagem de peões semoforizada. Desligou o motor e, do lado do condutor saiu uma jovem (ou um jovem, já não recordo com exactidão).
O que recordo muito bem é que quem estava no lugar da frente, do lado direito, se deixou ficar, tendo aberto a porta, suponho que por causa do calor, a remexer nuns papeis. Ali mesmo, em segunda fila, obrigando o restante trânsito a desviar-se.
Ainda que eu mesmo não seja condutor, entendi que não estava certo. Mais para mais, tratando-se de um carro de instrução. E meti-me ao barulho!
Aproximei-me do lado do passageiro, dei-lhe a saudação, fiz continência regulamentar e, dando um passo atrás, perguntei-lhe se era instrutor, o que confirmou. No mesmo tom, inquiri-lhe se não teria vergonha de, nessa condição, ter o carro ali estacionado, em segunda fila, ao arrepio do código da estrada. A resposta estarreceu-me: “Não, não tenho!”, foi o que ouvi.
Mais nada havia a dizer. Após um novo “boa-tarde” e de uma continência, afastei-me sobre o passeio e fiz o registo da situação. Furioso de não ver, em redor, um agente da PSP a quem apresentar formalmente queixa.
Ainda veio o tal instrutor ter comigo, dizendo-me que não estava “estacionado” mas sim “parado”, esquecendo-se que, naquelas circunstâncias, aberto, de chave no interior e na faixa de rodagem, se classificava como abandonado. Disse-lho e afastei-me.
Mas não me afastei muito. Sempre queria ver até que ponto a situação se arrastava. Arrastou-se por mais um quarto de hora, que foi quando entrou a bordo uma instruenda e seguiram para a aula prática.

Pergunto-me, face a este e muitos outros exemplos semelhantes por parte de quem instrui, como nos espantamos de ver tantas infracções ao código, nomeadamente, os estacionamentos indevidos em segunda fila na faixa de rodagem e nos passeios.
Tal como me pergunto como será possível um instrutor de condução ter autorização legal para dar aulas tendo este comportamento.
Se, um dia, decidir aprender a conduzir, pela certa que não será nesta escola de condução!

Texto e imagem: by me

Uma questão de perspectiva



O meu horário de trabalho desta semana, como assalariado, faz com que tenha que sair da cama pelas 3.30 da madrugada.
Poderia ser, digamos, hora e meia depois: Uma corrida para o duche, seguida de uma passagem fugaz pela cozinha, fariam a festa.
Mas gosto de enfrentar a vida, nas suas obrigações diárias, tendo antes feito algo que me dê prazer, como a escrita ou o tratar fotografias. Desta forma, ao sair para a rua, levo o papo cheio de satisfação e vou gastando essa reserva de bom-humor nos aborrecimentos do quotidiano. E deito-me ao fim do dia com o depósito de estar de bem com a vida a zeros. Isto ao invés da maioria, que enfrenta o dia com o depósito vazio e chega a casa com a necessidade de o encher para obter algum equilíbrio.
Mas este horário obriga-me a recolher à cama cedo: algures entre as 19 e as 20, se quiser dormir alguma coisa de jeito. E assim o fiz ontem, com o sério receio de vir a ser acordado com buzinas, sopradelas em vuvuzelas, gritarias e afins: era noite do tal malfadado “jogo ibérico”, como alguns comentadores desportivos intitularam.
A meio do meu sono despertei, como receava. Uma buzina, potente, fazia-se ouvir na rua, quase por baixo da minha janela. No meu estremunhar terei dito (ou pensado) alguns palavrões pouco abonatórios contra o autor da brincadeira, e fui espreitar para o conhecer. Mas, ainda no acto de me levantar, olhei um dos relógios que teria por função acordar-me, com intervalos de poucos minutos, aquando do toque de alvorada: ainda não batiam as vinte e quatro.
Por isso, enquanto chegava e não chegava à janela, já sabia o que se passava e passara: o que me acordara não fora uma qualquer celebração mas tão só o protesto de quem conduzia o camião de recolha do lixo por haver carros estacionados impedindo-lhe a tarefa.
Quando voltei para a cama, minutos depois, vinha com um sorriso, amarelo, nos lábios e com algumas certezas:
Era, de facto, o camião do lixo;
Iria encontrar, quando me apresentasse ao serviço, uma mão-cheia de colegas de péssimo humor matinal e amaldiçoando jogadores, treinadores, bolas e balizas, bem como repetindo o velho adágio “de Espanha, nem bom vento nem bom casamento”;
A certeza de que, até ao próximo evento desportivo supra-nacional, não mais terei de enfrentar vuvuzelas, gritarias ou histerias colectivas.
Mas a cereja to topo do bolo é o eu saber que, excepção feita a alguma incivilidade habitual de algum vizinho automobilista, poderei continuar a dormir descansado. E a esperança, talvez ingénua, que este nacionalismo exacerbado que temos vivido fique reservado para, por exemplo, o próximo acto eleitoral.

Texto e imagem: by me

terça-feira, 29 de junho de 2010

The last one



Most of the times, we do know when we are doing our first picture. A person, an object, a situation. And also we use to remember it, since the first time is always important.
But, do we remember the last one? Do we ever know, when shooting, if it is the last one? Generally, we don’t! We may realize, latter, that it was the last one, but, knowing it when pressing the shutter release, is seldom.
Through the years I had the chance of being there when the last photo was done. And when the one in front of the camera not just knew it, but also make everything so that the picture was done.
The first time happened some 40 years ago and I was an eyewitness. It was, probably, one of the most important photographs of my life.
Another one took place last year. This one!
One day, in June, these two came to me, at the Jardim da Estrela, where I play the role of an old fashion photographer, with my fake old camera.
They wanted to know if I have two pictures, one of each one, but both of them with a friend. He died some time before, but they want to have that souvenir. I did, but at home, so I promise them that I would bring it with me next time.
A week or so later we meet again and they received their photos. But she wanted some more: a photograph of both of them. And, of course, I did it. But they look so in love that I also took this one, with my reflex camera. Some time after we meet again, he and I, and I give him the photograph.Since then, we meet several times. He only. I never saw her again, walking around the park as she use to.

This week he came by once more and we chat a little. At some point, I ask him about her.
“She died last November”, he told me. And, shrugging his shoulders, he added: “Women problems, you know!”
I was speechless. What can we say on those moments?
But he added, smiling as always:
“I guess she knew it was her last picture, that one you make of us. You know, I still have it at home.”

We said some more non important things and he went away, with his swinging walk and his long lasting smile.
And I stood there, thinking on how the meaning or importance of a photograph can change. A trophy to some, a memory to others or even a farewell from those who left.
Is not easy to know we did the last one!


Texto e imagem: by me in “Estórias do Oldfashion”

Detalhes



By me

Catadores



Somos ambos catadores de lixo, ele e eu.
Enquanto ele vai virando sacos e latas em busca de um petisco, eu vou olhando o que me vai cercando, catando com a minha câmara pedaços abandonados do género Humano.
Não passa ele fome, já que vive com uma família aqui, na minha rua. Vem para a rua de manhã, quando eles saem para trabalhar, e recolhe à noite, quando voltam. O que ele vai recolhendo e trincando é mais para a gulodice que para matar a fome, que, acredito, alguns dos cheiros em sacos e caixotes serão apetitosos.
Quanto a mim, que também não me falta de comer ou com que alimentar a minha fome de fotografar, é igualmente uma questão de oportunidade, que curioso mesmo é o que se vai deitando fora nesta sociedade consumista e de desperdício. Em particular sapatos, mas isso já é uma mania minha: imaginar o que já foram vividos e por onde já andaram os protectores dos membros inferiores.
Lamentavelmente, nem o revirar dele nem o meu fotografar se comparam aos catadores de lixo profissionais que deambulam com regularidade no meu bairro (e em tantos outros). Dependem eles do lixo dos outros, não para satisfazerem um apetite ocasional ou um olhar mais sarcástico ou imaginativo mas, antes sim, para responderem aos apelos do estômago, à fraqueza do corpo, à fome mesmo!
E vou-os vendo, em trajectos regulares, uns mais lentos, que a idade já não permite mais, outros mais rápidos, tentando que o dia “renda”, abrindo contentores e sacos, arrastando consigo sacolas com rodas ou a tiracolo, que vão tentando encher com as sobras dos demais e que, sabe-se lá como, transformarão nas suas riquezas do dia.
Dos catadores de lixo do meu bairro, este é o único que, despudoradamente e sem escrúpulos, consigo fotografar.

Texto e imagem: by me

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Au revoir



Nunca vos aconteceu? Acordarem de manhã com uma música no ouvido? Pois a mim acontece-me volta e meia.
Nunca percebi muito bem o motivo de tal e muito menos os critérios para que seja essa e não qualquer outra. Por vezes é uma mais popular e simples, outras uma mais pesada e “rocalhada”, por vezes ainda uma qualquer outra menos comum e insuspeita.
Pois nesta manhã de domingo, que tinha previsto ir passar no Jardim da Estrela, dei comigo a sair da cama com a Marselhesa no ouvido. O “Allons enfans de la patrie” não havia meio de querer parar de sair pela boca, ecoando na cabeça, materializado mais por assobio que cantado, que só sei a primeira linha. E nada o justificava, que não o tinha ouvido recentemente, não tinha visto nenhum filme desta língua, nem mesmo ouvido qualquer música com esta origem nos últimos tempos.
Não prestei muita atenção ao facto. Até porque o conceito que à época, o acompanhou – Liberdade, Igualdade, Fraternidade – fazem parte da minha maneira de estar na vida.
E eis que dou comigo, em pleno Jardim da Estrela, com concerto musical por fundo, a fotografar desesperadamente. Foi uma tarde altamente proveitosa, sob diversos pontos de vista, incluindo o número de imagens efectuadas. Felizmente levava reservas de energia e matéria-prima, ou teria ficado apeado.
Com o que eu não contava foi o ter que usar dos meus parcos conhecimentos da língua francesa com transeuntes, fotografados ou não. Em regra o inglês sobrepõe-se, sendo que é o actual “esperanto”. Mas esta foi uma tarde francesa.
E, dos diversos contactos que tive nesta língua, evidencio com particular ênfase esta mocinha que aqui vedes. Depois de uma troca de fotografias, fiquei sabendo que, para além de marselhesa de origem, é estudante de fotografia. E, mesmo estando de férias, não dispensa a sua câmara e o seu uso. Recomenda-se!
O que também se recomenda é reparar com atenção no que tem nas mãos: uma Bronica 6x45. Película formato 120, doze fotografias por rolo, nada de zooms ou artifícios electrónicos. É com esta ferramenta que aprende o ofício, suponho que também com qualquer outra digital que possua. Mas esta foi a que escolheu para trazer nas férias.
Digam lá o que disserem os pedantes da fotografia contemporânea, a fotografia faz-se pensando, mesmo a reportagem. E esta câmara é uma das que obriga a tal exercício. Pela forma como é manuseada, pelo custo de cada imagem, pela sobriedade das opções. Há que saber o que se faz antes de o fazer. Ou, por outras palavras, há que saber o porquê antes de se encontrar o como.
Fica daqui o meu aplauso à Lola, assim se chama ela, bem como à escola onde estuda que a incentivou a tal.
Au revoir!

Texto e imagem: by me, in “Estórias do Oldfashion”

O poeta



Enquanto o poeta lê o seu trabalho, um pouco épico, sobre amor e amantes solitários, os mais novos... Bem, eles ainda têm que aprender o que é solidão antes de poderem apreciar as suas palavras.


By me

domingo, 27 de junho de 2010

Chavalo



E o “Chavalo”, cão abandonado mas recolhido por uma família de “ocupas”, manso e ternurento, amante de patos em lagos, não podia ter faltado à festa “Okupas no Coreto”, em pleno Jardim da Estrela.
Não estava isso previsto para mim, mas tão só um almoço na esplanada, seguido de Jazz noutro Jardim de Lisboa.
Mas deixei-me levar pelo entusiasmo da audiência, diversificada nas idades e estratos sociais, e pelo programa ali apresentado, de um musical infantil a declamação de poemas, de baladas e cantigas e declamações de intervenção actuais, passando pelo rock (ou semelhante)…
E quem disser que o Jardim da Estrela não é um mundo só por si, está enganado até ao tutano!

Texto e imagem: by me

É p'ró menino e pr'á menina



“Olha! Esta fotografia foi tirada em Sintra! E esta aqui no jardim. E esta também, lá do outro lado!”
“Ora então se sabe estas, talvez me saiba dizer onde foram feitas as outras, do outro lado da câmara.”
“Fácil! Então esta foi em Belém e estas foram aqui!”
“Boa! Pois por ter acertado em todas tem direito, completamente grátis, a fazer e levar uma fotografia feita aqui mesmo e agora!”
“Então e se não tivesse acertado?”
“Também fazia, e também de borla. Mas isso é outra conversa.”

Com estas e outras larachas, entre algumas risadas e outras conversas sérias, tive a tarde bem ocupada a fotografar.
O jardim estava cheio por via do concerto promovido por umas bebidas ditas “refrescantes”. Não gosto delas, mas a música sabe bem e ver a relva e os bancos assim compostinhos, com gente de todas as idades e estratos sociais, é uma alegria.
À conta da banca que montaram para ofertar as garrafinhas e que atrai uma multidão famélica de borlas e brindes, tive que improvisar e optar por outro poiso. E aquele que uso como alternativa estava ocupado com viaturas da produção do evento, pelo que tive mesmo que escolher outro local. Optei por uma meia distancia, entre a multidão e o quiosque-esplanada, onde agora vou tomando o meu cafezinho da ordem (bem bom, por sinal!)
Pois quando cheguei do almoço, perto desta nova localização, estava este “palhaço”, a tentar fazer pela vida. O seu negócio era vender estes balões de feitios. E, apesar do seu traje, o limitado do seu artesanato não aumentava com o seu sotaque de terras de vera cruz.
Mas como já lá estava aquando da minha chegada e a nossa proximidade seria alguma, fui ter com ele para lhe perguntar se não se importaria que montasse a minha banca por perto. É que, ainda que com negócios e clientela diferentes, acabaríamos por fazer alguma concorrência recíproca. Por mim, não me importava, mas ele estava a ganhar a vida.
Pois não levantou obstáculos, que em sendo um “sem licença”, tal como eu, ser-lhe-ia difícil de o fazer. E ainda acabou por me pedir, caso me fosse possível, o fazer-lhe umas fotos dele em acção, para um eventual portfolio que queria fazer.
Mas eu mesmo estive por demais ocupado para poder fazer muito mais que isto. E que a luz também não ajudava, que os “contra-luz”, em reportagem, implicam um cuidado que não pude ter.
Aliás, estive tão ocupado que, perante o calor que se fazia sentir, fui salvo por um velho conhecido ali do jardim, que me levou uma daquelas garrafinhas plásticas. Gostasse ou não, líquidos são líquidos e eu estava sedento. E, antes de se afastar, ainda me soube dizer:
“Com essas barbas, estás cada vez mais oldfashion!”
Bem, eu uso a pelagem, o colete e a barriga, este aqui usa a maquiagem, o colorido e o sotaque. E se ele cobra umas moedas, eu cobro um sorriso.
Em qualquer dos casos, tanto no negócio dele como no meu,

“É p’ró menino e p’rá menina, dos 8 aos 80, bem medidos para um lado e para o outro”.

Texto e imagem: by me, in “Estórias do Oldfashion”

sábado, 26 de junho de 2010

Nomenclaturas



Foi há uns dias, num supermercado. Ao passar por um corredor, oiço uma voz infantil exclamar:
“Olha Mãe! Um Socrates!”
E ainda eu mal tinha tido tempo para ver de onde vinha a voz, oiço a tal Mãe ripostar:
“Chiu! Cala-te! Não digas disparates! E não se aponta, que é feio! Vamos embora.”
Quando consegui ver a cena, ainda fui a tempo de constatar o petiz com um dedo estendido para um dos expositores, enquanto que o outro braço era sem cerimonia puxado pela que assumia o papel de Mãe.
Fiquei curioso, tanto com a observação do catraio como com a reacção da Mãe, e fui ver. E o objecto apontado e nomeado era este. No meio de outros, iguais ou semelhantes, de outras cores, era este mesmo o referido.
Mas que raio! Toda a minha vida o conheci como Salazar, numa analogia bem mais que evidente entre nome e função. Que os mais velhos, ou mesmo os não tanto, reconhecerão ou recordarão. Agora mudarem-lhe o nome assim, do pé para a mão, ensinarem coisas destas a crianças pequenas, adulterando nomenclaturas e história… não é bonito! Nada mesmo!
Mas, depois, parei para pensar. Na forma, na função, nas cores, nos tempos que correm… E acabei por ter que dar razão àquela Mãe, extremosa, que tão bem vai ensinando o seu rebento no vocabulário, nas oportunidades e nos receios. Nos públicos e nos privados.
Que a História repete-se, queiramo-lo ou não. E somos suficientemente tolos, por cá, para não irmos notando os indícios.


Texto e imagem: by me

Dentro e fora da caixa



By me

Sem atacadores



By me

Aguaceiros? Pois sim!



E, se ao sairdes da cama num inicio de fim-de-semana, constardes que será de aguaceiros, não pondereis seriamente se ficareis em casa ou se saíreis para fotografar. Saí!

Tereis assim oportunidade de retratar:
gente dos oito aos noventa e dois anos,
solitários,
aos pares
ou em grupo,
pais e filhos,
namorados,
primos,
gémeos,
colegas
ou irmanados na mesma limitação,
faladores que nem gralhas
ou surdos-mudos de nascença.

Canalizadores,
esteticistas,
psicólogos,
arquitectos,
diplomatas,
armadores de ferro,
serventes,
estudantes,
reformados,
donas-de-casa,
professores,
operadores de lavandaria,
empregados de escritório,
técnicos de informática,
carpinteiros,
técnicos de elevadores
ou serralheiros mecânicos.

Podereis ainda:
rir e fazer rir,
sonhar e fazer sonhar,
fotografar e serdes fotografado.

Cobrir três dos cinco continentes sem sair do lugar,
escrever, soletrar ou copiar nomes arrevesados,
ter gente a não acreditar na oferta insólita
e outros a querer aproveita-la até à última gota.

Ver passar:
a polícia,
o vendedor de flores,
o de castanhas assadas,
o guarda-jardim,
os que passeiam o cão,
e por eles ser cumprimentado com um da casa.

Ser confidente de uma metade de um arrufo de namorados de longa data e prometer-lhe uma compensação por uma fotografia roubada.
Ver alguém triste e arrancar-lhe um sorriso porque, afinal, não é exactamente como se vê ao espelho.

Não!
Se o fim-de-semana prometer aguaceiros, saí e fotografai!
Não há duas nuvens iguais, tal como não há pessoas iguais nem fotografias iguais.
Mas os sorrisos, esses, provocam sempre o mesmo: outro sorriso.

Texto e imagem: by me, in “Estórias do Oldfashion”

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Lua-cheia em noite de núvens



By me

Foi ali



Foi ali. Ali ao fundo desta avenida, há já quase 20 anos.
Quando comecei a trabalhar e a ganhar a vida, abri conta num banco. Não escolhi este ou aquele em particular, mas cingi-me ao que trabalhava com a minha empresa e que me garantia que o salário era pago na data aprazada. E mantive-me com ele uns quanto de anos de seguida.
Acontece, porém, que eu fazia parte daquele grande número de clientes que usam o banco apenas para movimentar o ordenado. Nem conta poupança, nem aplicações, nada que lhes desse muito lucro mas, seguramente, lhes dava trabalho. Vai daí que, ao fim de algum tempo, clientes como eu passaram a ter tratamento de segunda classe, notório em quase todos os balcões da instituição bancária.
E eu não gostei. Nem um pouco. A ponto de fechar a conta que ali tinha e migrar para um outro, aberto havia pouco tempo e que, por sinal, até ficava mais perto do trabalho.
Ao fim de algum tempo, talvez uns dois anos, começaram a surgir uns rumores. Primeiro de boca em boca, depois nos media e nas organizações de direitos laborais. Como não gosto de rumores não constatados, e até dizia respeito ao banco com que trabalhava, fui saber em primeira mão. Não inquiri directamente, mas fui observar a situação em variados balcões. Era verdade!
E não gostei. Nem um pingo mesmo. Gostei mesmo tão pouco, ainda que situação não me afectasse directamente, que decidi fechar a conta e abrir outra noutro banco.
Desta feita, fizeram questão que eu preenchesse um impresso com os motivos do meu desagrado e de de lá sair. E eu não me fiz rogado!
Tentando que a minha caligrafia fosse bem legível para qualquer olho que naquele papel pousasse, deixei bem claro:
“Não faço negócio com entidades que se recusam a aceitar mulheres para os seus quadros, com o pretexto de serem mais absentistas”!

Os anos passaram e, pelo que li hoje em jornais, a instituição bancária celebrou agora o 25º aniversário. A casa mãe mantém-se e com o mesmo nome, ainda que o atendimento ao público tenha mudado de designação e de aspecto. Soube eu, entretanto, que a política de admissão de funcionários mudou. E atrás dos balcões já se vêem caras femininas.
E, tal como o banco continua ali ao fundo, na esquina desta avenida, eu continuo a não ter vontade alguma de dar dinheiro a ganhar a um banqueiro que teve uma ideia e decisão deste calibre.

Texto e imagem: by me

À fé de quem sou!


Negra! Daquele tom africano que quase nos faz pensar em algo levemente azulado. E que, pela minha falta de hábito em registar este tipo de tez, me deixa quase à-toa em o reproduzir com exactidão.
Bonita! Francamente bonita. Pelo menos naquilo que lhe podia ver, ou seja, as mãos, metade dos pés e a cara. Que todo o resto estava integralmente coberto. Num sinal inequívoco da sua fé ou crença.

Quando passou para cima, acompanhada pela pequenada, olhou mas sem muito interesse, que a canalha miúda absorvia-lhe a atenção. Mas no regresso, com mais calma, ficou a olhar à distância para o meu artefacto. Sentindo-lhe interesse, sorri-lhe e gesticulei-lhe que se aproximasse, o que fez.

A comunicação começou por ser difícil e a medo, que pouco sabia de português. Mas em sabendo-me a falar, ainda que mal, o francês, tudo se tornou mais fácil e quis fazer uma fotografia.

Enquanto a impressão acontecia, fui inquirindo a anotando as respostas, como de costume. E foi aí que a coisa aconteceu!

Não tinha a senhora entendido que não apenas iria haver uma eventual publicação na web como, menos ainda, que eu ficaria com uma cópia do que lhe entregasse. E isso quase que a ofendeu. Acredito que entrasse violentamente em confronto com a sua religião que, ao que sei no seu país de origem – Senegal – é seguida com muito rigor.

Desfiz-me em desculpas pelo meu erro ou engano na informação e prometi-lhe solenemente que, em chegando a casa destruiria a cópia que possuía. Que ficasse tranquila que tal sucederia pela certa.

E tantas vezes o assegurei que ela acabou por se descontrair um pouco e passamos a uma pequena mas amena conversa. Estava há cerca de um ano em Portugal, a língua escrita entendia-a mas a falada era uma dificuldade. E que um dos objectivos em aqui estar era o continuar os estudos iniciados na terra natal, nomeadamente em filosofia.
Em chegando a casa e em tratando as imagens e dados recolhidos, confesso que me passou pela cabeça ficar com a imagem. Afinal, ninguém saberia da coisa, ninguém a veria, nem mesmo a retratada e a sua prole, pelo que nenhum mal daí adviria. Excepto…

Excepto a minha própria consciência! Que palavra dada é palavra a cumprir, mesmo que mais ninguém saiba que o fiz. Que o meu pior juiz sou eu mesmo!
E foi destruída!
E se a retratada, cujo nome eu tenho mas que aqui não referirei como é óbvio, por aqui passar, que esteja descansada:
Daquela fotografia, feita numa destas tardes de 2008 no Jardim da Estrela, não existe nenhum outro registo que não seja aquele pedaço de papel com que ficou.

Porque, afinal, seja qual for a fé que nos move (monoteísta, animista ou ateísmo) a honra é comum a todas!


Texto e imagem: by me, in “Estórias do Oldfashion”

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Quando eu morrer



Quando eu morrer não ficarei conhecido, certamente, como um tipo de bom feitio. Ainda que procure ser afável quando tudo corre bem, se me incomodam ou se me sinto atingido, reajo nem sempre da forma mais previsível ou agradável.
Foi no Jardim da Estrela. A tarde corria bem, o dia estava bonito, toda a gente parecia estar de bem com a vida. A única excepção fora uma das idosas, habituées do espaço, a queixar-se de todos os bancos estarem ocupados, para ouvirem aquela “porcaria de música clássica”. Tratava-se, entenda-se, de um concerto de Jazz, ali, ao vivo e de borla, como as minhas fotografias. Mas, pondo este comentário de parte, tudo estava a correr pelo melhor.
A certa altura surgem estas duas mocinhas. Vieram direitas a mim, sabendo do preço que cobro, e quiseram fazer uma foto. Vinham com a boa disposição própria da sua adolescência, de ser final de férias, de estarem de regresso de uma temporada de praia e novos amigos e estarem, de volta a casa, a reencontrarem os velhos amigos. Típico de um domingo, inicio de Setembro, com óptimo tempo.
No final, ao verem-se no papel, reagiram como de costume nestas idades, variando apenas nos apodos com que se mimosearam. No caso, um “Que nojo!”, normal para quem ainda não encontrou o equilíbrio consigo mesmo. Mas, quando lhes disse que se não gostassem da fotografia, não a levavam, riram-se a bom rir e fugiram com ela.
Tudo pelo melhor! Para todos os intervenientes!
Passado um pedaço, uma hora talvez, hei-las de volta. Desta feita com uma amiga, com quem queriam repetir a função. Mas, enquanto trocávamos umas graçolas, uma delas, qual Luky Luke da Estrela, saca do telemóvel, interrompe a conversa comigo e saúda o seu interlocutor. E, sem mais explicações, zarpam as três para longe. Suponho que ao encontro de quem quer que estivesse do outro lado da antena.
Não gostei! Não gostei nem um pouco! Esta mania de que quando o telefone toca tudo pára, tudo se interrompe, incomoda-me de sobremaneira. Quase que me transforma num louco furioso! É que, afinal, a vida é bem mais que os telemóveis, as fotografias, os computadores, as músicas ou o que quer que seja. O mais importante nela é mesmo aquele ou aqueles com quem estamos e desrespeitá-los assim é bem pior que um insulto ou agressão. Pelo menos eu não gosto!
Uns vinte minutos depois, bem medidos, regressam. Acompanhadas as três por dois amigos, vieram interromper a conversa que eu mesmo estava a ter com uma já conhecida daquelas paragens, ainda que oriunda do outro lado do globo. E se eu não tinha gostado que a conversa anterior tivesse sido interrompida por um telemóvel, também não gostei de ser interrompido em directo, aquando de uma conversa ao vivo. Não gostei mesmo nada!
Tal como ela não gostou de ouvir, na sequência do seu “Quero agora fazer a fotografia!” o meu “Não!”, seguido de “”Não gostei que tivesses interrompido a conversa por causa do telemóvel; não gostei que tivesses interrompido a minha conversa com esta senhora só porque chegaste. Não faço a fotografia!”
Estranhou, insistiu e eu insisti: “As fotografias aqui são grátis porque eu quero. E esta fotografia eu não faço! Talvez que assim aprendas qualquer coisa de boa educação!”
Fez beicinho, bateu o pé em tom de birra, deu meia volta que nem um recruta na parada e, agarrando na mão de uma das amigas, afastou-se a trotar. Com o resto do bando a olhar para mim e para ela e a seguir-lhe os passos.
A senhora que comigo falava, do alto do seu metro e meio, sorriu, acenou que sim e traduziu para a amiga a conversa. Suponho que tenha sido factual, que eu de indiano nada sei. Sei, isso sim, que a companheira sorriu também e acenou que sim igualmente. E, após mais umas banalidades sobre o assunto, o tempo e a música que se iria ali escutar, afastaram-se para usufruir, prazenteiramente, o resto daquele domingo saboroso.
Quando morrer certamente que ninguém dirá: “Aqui jaz um tipo de bom feitio.” Mas, caramba, nessa altura também não estarei por cá para ouvir e retorquir. Espero, no entanto, que esta mocinha, agora mal-educada, continue por cá por muito tempo e com melhores atitudes para com os outros. Se assim for, valerá a pena o que de mim disserem!

Texto e imagem: by me, in “Estórias do Oldfashion”

terça-feira, 22 de junho de 2010

Um vizinho


Eu tenho um vizinho! Em boa verdade, eu tenho muitos vizinhos. Tantos e tão díspares que, em os ouvindo falar e vendo vestir, se poderia pensar estar numa delegação das Nações Unidas.
Mas, este em particular, é Português. Tal como o irmão, mais novo, é Lusitano. A mãe, ao que sei, também nasceu por cá. O pai, esse, nem nos deixa enganar: Luso dos quatro costados. Todos eles partilham a nacionalidade, mas só entre eles, que para além da língua e do que consta nos documentos de identificação, pouco mais possuem em comum como os restantes nascidos neste jardim à beira mar plantado (e mal amanhado!).
A sua rudeza, a sua má educação, a sua sobranceira, a sua falta de respeito para com os demais, contrasta veementemente com o que conheço dos meus concidadãos!
Quase que se poderia dizer que os ofícios que têm - distribuidores de periódicos de madrugada o casal, mecânicos pai e filho mais velho o resto do dia – os coloca num patamar bem sobranceiro aos restantes mortais que por aqui vivem e co-existem.
Pois este meu vizinho, na casa dos vinte e poucos, além do que dele já descrevi, é fã de carros “tunning”, ou antes “chunning” como lhes chama um conhecido meu. Suspensão rebaixada, jantes especiais, ponteira de escape 5 estrelas, volante desportivo que, de tão pequeno, se assemelha a uma torneira… E, claro, uma potente instalação sonora que, aliada ao rugido do motor, faz dispensar qualquer buzina que possa ter no carro.
E faz questão que todos saibam quando tem a viatura em andamento (ou quando apenas está a aquecer o motor), sozinho ou com a namorada lá dentro. Tal como faz questão de pintar o asfalto com a borracha queimada dos pneus, largada em curvas improváveis e sonoras, pouco consentâneas com qualquer versão do código da estrada ou mesmo com a condescendência de qualquer agente policial em fim de dia e véspera de férias.
Pois este meu vizinho tem algo mais em comum comigo que tão só o partilhar a rua: também gosta de usar o MacDonalds cá do bairro.
Não que eu goste em particular da comida que ali fornecem. Acontece que é a única esplanada simpática que por aqui existe, o que me permite que, depois de comer, ali fique fumando um ou mais cigarros sem me levantar e, se para tal estiver virado, rapar do portátil ou do caderno e entreter-me a escrevinhar umas linhas.
Este meu vizinho, cujo nome ignoro e que não faço tenções de vir a saber, deve gostar deste local por outro motivo: aqui no bairro, e para além do centro comercial e do supermercado, é o único local que possui estacionamento reservado para deficientes. Que ele faz questão de ocupar com a sua ruidosa carripana, hajam ou não outros desocupados. Suspeito que este uso se deve a uma qualquer deficiência não visível, já que qualquer sargento de recrutamento militar obrigatório lhe daria o “apto” sem olhar segunda vez.
Espero bem que não o vejamos, num futuro próximo ou não, a usar estes mesmos lugares, desta feita de crista rebaixada e em carro adaptado, na sequência de um qualquer percalço com a viatura que hoje conduz.
Não sou de vinganças, mas se eu mesmo tiver carro nessa altura, terei toda a satisfação em deixar estes espaços livres para ele.

Texto e imagem: by me

Eram três


Ouvi-os lá longe. Bem lá longe. Mesmo lá ao fundo, onde se vê aquele edifício tipo armazém.
Não tinha eu o que fazer que não fosse gozar a calidez da tarde, pelo que me deixei ficar por ali, na secreta esperança que viessem para os meus lados. Vieram!
Em passando por mim, e como não poderia deixar de ser, fizeram uns comentários brincalhões sobre a minha barba. Caramba! Os portugueses começam a manifestar alguma falta de imaginação, já que as bocas ou comentários se repetem sem originalidade. Já não me conseguem surpreender.
Mas surpresos mesmo ficaram estes três, bem como o amigo que os acompanhava, quando lhes propus fotografá-los fazendo aquilo que aparentavam saber fazer: tocar Vuvuzela.
Claro que aceitaram e fizeram-se à fotografia. Devem ignorar, estou certo, que a fotografia não regista som, pois que além da pose fizeram questão de soprar com força no maldito tubo.
Acabado que foi o audiovisual, sobrou o texto: uma “lição de moral” sobre os incómodos que provocam na vizinhança, sobre o que eles mesmos sentiriam se alguém o fizesse, digamos que às 7 da manhã, sob as suas janelas, e as consequências que aquele maldito som poderá ter sobre crianças pequenas, que, supostamente, dormem a sesta de tarde. Nem de propósito, saiu do meu prédio, que estávamos junto a ele, uma vizinha com uma criança de mama no carrinho. E a expressão daquela mãe, a olhar para os três malditos tubos, não dava azo a mal-entendidos.
Não sei se o meu discurso sobre a diferença entre uma comemoração, seja lá do que for, e causar incómodos nos outros, terá ficado gravado nestas juvenis cabeças.
O que sei é que me deixei ficar por ali, na rua, um bom pedaço mais depois deles partirem, e não os ouvi mais.
Fica o relato e o retrato!

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C'est etait un rendez-vous.avi

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Cavaleiro de vigia



Ou - D. Sebastião a pensar se vale a pena regressar.
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Uma data especial


E o que teve este dia de especial?
Parece que houve por aí uns quaisquer jogos, com umas vitórias e umas derrotas mas que, felizmente, me passaram ao lado. Fugi para almoçar onde não havia televisão e foi um descanso. Aliás, até a loja de electrónica de consumo do super cá do bairro tinha, muito estrategicamente, os televisores desligados. Não havia magotes de mirones pespegados na sua frente, nem vuvuzelas, nem gritos, nem urros… O café foi tomado com toda a tranquilidade!
O que aconteceu, de facto, foi uma celebração que escapou à maioria dos humanos, ainda que tenha cuidado de a divulgar: o dia mais longo do ano ou, se quiserem um nome pomposo, o Solstício de Verão.
Na outra metade do planeta terá sido o de Inverno, com o dia mais curto.
Claro que ninguém já liga o que quer que seja a esta data: são as mesmas 24 horas de sempre, os mega ou giga bites mantêm-se e quem tem fome continua a tê-la. A vida continua! Tal como tem continuado nos últimos milhões de anos, e continuará nos próximos.
O que será importante, nesta data astronómica, é que para além das alterações cíclicas do clima, é uma das quatro datas há mais tempo celebradas pela humanidade. Junto com o dia e a noite e os ciclos lunares, o ciclo solar tem marcado os calendários, Judaicos, Astecas, Chineses ou quaisquer outros.
De pouca importância acabam por ter aqueles definidos pelo Homem, celebrando batalhas, nascimentos ou mortes: A Terra continuará a rodar em torno do Sol, queiramo-lo ou não!

Texto e imagem: by me

sábado, 19 de junho de 2010

A tirania do zapping



Entrou no café pouco passava das onze da manhã. Ia em busca do café que o despertaria, bem como do bolo que lhe adoçaria a boca para o resto do dia. Ser a hora que era não seria por demais estranho, se se souber que tinha recolhido à cama passava das três e meia da madrugada.
Cliente habituée que era do lugar, nem teve que pedir, que à entrada já lhe estavam a prepara a receita do costume. E, com ela colocada no balcão, e enquanto ia bebericando o líquido quente e mordiscando o bolito, ia olhando em redor.
Domingo que era, não havia muito movimento. Que os madrugadores já tinham ido e os tardios, para café ou pão, primavam ainda pela ausência.
Ao fundo, o televisor dava um ar da sua graça, animando com imagens e sons baixos a pacatez do local. Tratava-se de um aparelho moderno, de aquisição recente, bem como a mudança de servidor de TV. Que apenas aquele tinha nos seus catálogos o canal do clube de futebol.
Na altura ia mostrando um programa infantil, num canal temático para crianças. A mocinha, tentando parecer mais nova do que realmente era, animava um magote de pimpolhos, de olhos arregalados com a maquinaria e luzes que se adivinhavam nos bastidores.
E ele, o cliente, ia observando como aqueles profissionais iam resolvendo as dificuldades de captar crianças e a sua atenção na pantalha. Dificuldades que ele conhecia razoavelmente bem, que havia passado uns anos com quase aquela especialidade, que não havia esquecido.
De súbito, a empregada que há pouco ali trabalhava afasta-se de uma mesa onde tinha sido chamada. Regressa logo de seguida, trazendo na sua peugada o patrão, vindo lá de dentro, da zona de fabrico de pão e bolos onde passava o seu dia de trabalho. A farinha que o cobria estava disfarçada nas roupas brancas que exibia, mas no cabelo e no aparelho que trazia na mão contrastava. E foi com ele que, aproximando-se da caixa descodificadora de Tv que mudou de canal, fazendo zapping até encontrar o que procurava: um canal de desporto onde acontecia a transmissão de um jogo de futebol.
O cliente do balcão ia mudando de cor à medida que os canais iam mudando no TV. Para além do R, do G e do B, passou pelo Y, pelo, M, pelo C e não ficou K porque estava branco de raiva!
É que mudar de canal de televisão sem avisar ou mesmo perguntar a quem está a ver se se pode ou se incomoda não, em boa verdade, um sinal de boa educação ou de respeito por quem está presente.
A vontade de protestar, barafustar, peixeirar, era grande e premente. Mas, perante o futebol não adianta fazer o que quer que seja. Tudo pára e se ajusta em função do pontapé na bola.
Assim, encolheu os ombros para dentro, deu as costas ao aparelho da parede e tratou de terminar o que ali o tinha levado, sem que mais lhe vissem os dentes que não fosse ao trincar o que restava do bolo. Pagou e saiu para o sol que esse não lho tirariam, com ou sem a sua anuência.
O regresso ao café acontecerá no dia seguinte, que é ali que se abastece de pão. E, em havendo oportunidade e de cabeça fria, fará questão de apresentar o seu desagrado pelo comportamento do patrão. Que as empregadas, essas, não têm culpa do que o dono do café fez. Não irá servir de muito, acredita, mas sempre será um marcar de posição.
Que de joelhos perante a tirania, mesmo que seja a do comando remoto, não obrigado!


Texto e imagem: by me


sexta-feira, 18 de junho de 2010

Passeio Livre


Este é o único tipo de carro que gosto de ver, parado ou em andamento, neste local.
Tristemente, só tenho esse prazer quando acontece, como foi o caso do passado dia 15 de Junho, uma greve de comboios e os moradores do meu bairro suburbano, no lugar de entupirem os passeios junto à estação de caminho de ferro, levam o popó para Lisboa.
Nem quero, entretanto, saber, como ficaram os passeios de Lisboa!
A bem dos passeios livres do meu bairro, vivam as greves da CP!

Texto e imagem: by me

Um olhar - Quase anónimo


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Pequenos deuses caseiros



Pequenos deuses caseiros
que brincais aos temporais,
passam-se os dias, semanas,
os meses e os anos
e vós jogais, jogais
o jogo dos tiranos.
o jogo dos tiranos.
o jogo dos tiranos.

Pequenos deuses caseiros
cantai cantigas macias
tomai vossa morfina,
perdulai vossos dinheiros
derramai a vossa raiva
gozai vossas tiranias,
pequenos deuses caseiros.
pequenos deuses caseiros.

Erguei vossos castelos
elegei vossos senhores
espancai vossos criados,
violai vossas criadas,
e bebei,
o vinho dos traidores
servido em taças roubadas
servido em taças roubadas

Dormi em colchões de pena,
dançai dias inteiros,
comprai os que se vendem,
alteai vossas janelas,
e trancai as vossas portas,
pequenos deuses caseiros,
e reforçai, reforçai as sentinelas.
e reforçai, reforçai as sentinelas.
e reforçai, reforçai as sentinelas.
e reforçai, reforçai as sentinelas.


Texto: by Sidónio Muralha
Cantado por Manuel Freire
Imagem: by me

quinta-feira, 17 de junho de 2010

A internet das coisas


O Parlamento Europeu quer assegurar a privacidade na designada “Internet das coisas”, uma etapa futura em que a rede, através de um sistema de identificação por radiofrequência (RFID), pode criar ligações entre artigos do quotidiano equipados comchips.
Com vista a assegurar a privacidade e a protecção dos dados pessoais, Estrasburgo defende o direito dos cidadãos a “silenciarem” os chips dos objectos incluídos em coisas como bilhetes de transporte, peças de roupa, telemóveis e automóveis, entre outros artigos de uso comum.
Perante esta nova etapa, a eurodeputada socialista espanhola Maria Badia avançou com um texto em que alerta para a necessidade de se estabelecer um enquadramento jurídico europeu, com a legislação actual a adaptar-se aos novos contornos da era digital, noticia hoje o site do diário “El País”.
Para o Parlamento Europeu, “todas as pessoas devem ter controlo sobre os seus dados pessoais”, assim como devem poder, a qualquer momento, “interromper a ligação do chip dos produtos à Internet”.
Os eurodeputados reclamam ainda mais estudos acerca do “impacto das ondas de rádio na saúde”, do “impacto dos chips e da sua reciclagem no meio ambiente” e sobre “o risco acrescido de ciberperseguições”.
O texto de Maria Badia foi aprovado com 606 votos a favor, 18 contra e 17 abstenções, na mesma sessão em que outro deputado espanhol, Francisco Sosa Wagner, apresentou um documento sobre a “governação” da rede.
O documento defende uma estratégia europeia que faça frente ao que considera serem os principais desafios da Internet: “a defesa das liberdades fundamentais, a redução da vulnerabilidade aos ciberataques, a protecção dos menores face à pornografia infantil e o acesso dos cidadãos à Net”.
Em Novembro de 2005, a União Internacional das Telecomunicações, uma agência da ONU, apresentou um relatório sobre a “Internet das coisas”, enumerando quatro tecnologias que a tornariam possível. São elas as etiquetas de identificação por radiofrequência (RFID), os sensores inalâmbricos, a inteligência embebida e a nanotecnologia.

Texto: in http://www.publico.pt/
Imagem: by me

Um olhar - Denise


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Coerências


Se eu gosto de andar de avião? Por acaso até gosto!
Reduz as distâncias de forma significativa, é confortável e, ao contrário do que muitos afirmam, até é o meio de transporte mais seguro. Além do mais, a sensação de força e de vencermos as leis da gravidade é incomparável!
No entanto, recuso-me a andar de avião!
E de comboio? Bem, o comboio é único como forma de viajar!
Além de cómodo, os traçados das linhas permitem-nos ver paisagens que dificilmente poderíamos desfrutar de outra forma. Acrescente-se que permite desentorpecer as pernas, com algumas caminhadas pelas coxias ou entre carruagens, sem motivo algum ou em direcção a algum vagão-restaurante. Como motivo último, e para quem queira tirar proveito da diversidade dos passageiros, é sempre possível conhecer gente diferente e interessante, seja qual for o ponto de vista que se considere.
Apesar de tudo isto, não serei utilizador do TGV Francês, do AVE Espanhol e, muito provavelmente, também não me farei transportar pelo TGV Português.
No lugar de avião ou super-expresso ferroviário, prefiro o rodoviário: camioneta, à moda antiga.

Porquê? Bem, porque a minha dignidade é algo que prezo muito e me recuso a ser mal tratado nos TGVs e aviões!
É que para poder embarcar somos obrigados a identificarmo-nos, a exibir, obviamente ou por via de scanners, o conteúdo das nossas bagagens de porão ou de mão, e mesmo o conteúdo do bolsos ou mesmo da roupa interior é objecto de escrutínio.
Em nome de uma tal “Segurança”, somos considerados suspeitos até prova em contrário. Aos olhos das autoridades e de quem redige as leis e normas de transporte, todo e qualquer cidadão é passível de provocar danos nos meios de transporte e demais passageiros. A vá de os revistar para além do limite do aceitável. Supondo que existe algum.
Acontece que a justiça se baseia no princípio de “Inocente até prova em contrário”. E, ao embarcar num comboio de alta velocidade ou avião, não tenho, não devo, ter que afirmar que não pretendo fazer mal a quem quer que seja, nem demonstrar que não sou um criminoso ou terrorista.
Esta suspeita generalizada e indiscriminada, que me abrange também, tenho-a como um atentado à minha dignidade de cidadão, um equiparar-me, sem que nada o justifique, a um criminoso. Não o aceito!
Assim, não podendo evitar, nesses modernos meios de transporte, que as revistas, os inquéritos e as indignidades aconteçam, opto por não os usar.
Ainda que o preço possam ser muitas mais as horas da viagem, tudo farei para que a minha caminhada seja livre, coerente e digna. Como eu mesmo me considero!

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quarta-feira, 16 de junho de 2010

Cada um com a sua prisão


E você? Sabe qual é a sua?


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Conceito


E adianta dizer algo mais?
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Por vezes...


... em lugares insuspeitos.

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À espera

... de um comboio que não virá - em greve.

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terça-feira, 15 de junho de 2010

Um olhar - Thuane


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De joelhos não!


A história começou em meados de Maio do ano passado!
Estava no Jardim da Estrela, com o meu artefacto, e sou abordado por uma senhorinha, de microfone em punho, e um cavalheiro, de câmara de Tv ao ombro. Identificaram-se como sendo de uma nova estação de televisão on-line, a “tvlisboa.net” e queriam a minha opinião sobre os jardins de Lisboa.
Claro está que acedi, disse de minha justiça e seguiram a sua vida.
O que eu não esperava era constatar, mais tarde ao ir ver a tal estação de Tv, que esta mais não era que uma página de apoio à candidatura de Pedro Santana Lopes à Câmara Municipal de Lisboa.
Não gostei nem um pouco! Não sou munícipe nesta cidade, não gosto do candidato. Recuso-me a colaborar em campanhas políticas e, acima de tudo não me tinham dito o efectivo uso das minhas declarações.
Francamente chateado, pus-me em campo e apresentei queixa, por via electrónica, junto de quatro instituições: ERC, Comissão Nacional de Eleições, Comissão para a Carteira de Jornalista e Comissão Nacional de Protecção de Dados.
Desta última recebi um e-mail, passados tempos, informando-me que a questão tinha sido analisada e que havia sido considerada crime, de acordo com a lei vigente. E mandá-la-iam seguir para o DIAP (Departamento de Investigação e Acção Penal).
Há um mês recebo uma notificação para comparecer, na qualidade de testemunha, na esquadra de polícia da minha zona. Lá, hoje, fiquei ciente que a minha queixa não tinha caído em saco roto e que o tribunal tinha pedido para que eu confirmasse a minha queixa, acrescentando algo mais, se fosse esse o caso. Não era.
O processo seguirá os seus trâmites, tendo eu ficado ainda a saber que a queixa-crime terá sido apresentada contra o então candidato Pedro Santana Lopes.
Goste-se ou não, mais lenta ou mais rápida, a justiça por cá ainda vai funcionando, mesmo que pedida por um pequeno contra um grande.
Até porque, esses grandes só o parecem ser porque estamos de joelhos!

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Para alguns


Para alguns o que aqui se vê mais não é que lixo, acumulado ao longo de um Domingo e que os serviços camarários tardam em limpar.
Para outros, são as cores da Natureza, demonstrando-nos que, por mais que nos esforcemos no pessimismo, ela conseguirá sempre alegrar um fim de tarde.
Tal como uma colega hoje, bendita seja, que me conseguiu calar (o que não é fácil).
Queixava-me eu do desperdício que era estar um dia tão bonito e nós estarmos enfiados naquele buraco, ao que me respondeu:
“Pois, mas repara que nada disso impede que continue a estar um dia bonito!”

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segunda-feira, 14 de junho de 2010

Perversões


E pronto! Aí estão as velhas SCUT que o deixarão de ser.
Não que me incomode em demasia o passarem a ser pagas por quem quer que por lá passe. No fim de contas, estradas e outros serviços públicos não acontecem de borla e o seu uso ser pago por quem dele tira proveito ou do erário público é uma questão de conceito de sociedade que, ao longo dos tempos tem vindo a evoluir. Tal como as promessas de quem assume a gestão da coisa pública, que evoluem sempre no mesmo sentido: o não cumprimento!
Mas o que me leva a vir aqui falar das novas velhas SCUT é a forma como o actual governo consegue por em prática um velho anseio anarquista:
A extinção do dinheiro!

É sabido que, se por um lado o dinheiro esteve na génese de grandes evoluções das civilizações, permitindo um intercambio e entendimento equilibrado, também é verdade que o dinheiro está também na génese dos grandes desequilíbrios sociais que temos vivido ao longo da humanidade, servindo ele para aquilatar do valor de cada ser humano, definindo com a sua posse quem pode ou não comer ou fazer o que quer que seja. Estou em crer que o próximo grande passo da humanidade será bani-lo de vez!
Mas este governo está faze-lo de uma forma perversa! Nas novas velhas SCUTs deixará de ser usado dinheiro, o primeiro local deste país onde tal sucederá. Mas, em contrapartida, será obrigatório possuir um contrato com uma instituição bancária, através da qual se efectuará o pagamento. O que significa que, para além de ter que existir um pagamento, estaremos (os utilizadores dessas vias) vinculados a uma entidade que nada tem a ver com o serviço prestado. Uso uma auto-estrada e tenho que ter conta num banco.
O que me leva a perguntar se, tendo que haver algum tipo de pagamento, porque não será válido o meio de pagamento emitido pelo estado: moedas e notas. Será que um cidadão, para existir e usufruir daquilo que o estado produz, tem que estar registado numa entidade particular? É que, para todos os efeitos, os bancos são entidades particulares, cujo objectivo é o lucro. Donde, ao usar uma auto-estrada – bem público – e de a pagar a quem a mantém, teremos que dar lucro a uma outra organização, que nada tem a ver com o serviço prestado.
Que o dinheiro é uma mal social, sei-o. Que a sua extinção seria um benefício geral, acredito-o. O que não aceito é que, para tal, nos tornemos escravos assumidos de uns quantos banqueiros, que engordam à custa do esforço dos demais.
Esta perversão de boas ideias recorda-me muito seriamente os bons princípios definidos em muitas teologias e algumas práticas atrozes seguidas por alguns dos respectivos sacerdotes.

Claro está que esta situação não me afecta directamente: não tenho carro nem mesmo carta de condução.
Mas quando nos deixarmos de preocupar com a sociedade e viermos a precisar que esta se preocupe connosco, bem, aí será tarde!

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Pro versus amateur

I guess the main difference between a professional and an amateur is quite simple:
The professional do what ever he has to do in order to satisfy his client, using his experience and known formulas so that its work became as good as possible;
The amateur (from Latin “amore”, love) do what ever he does with his feelings, loving what he is doing, trying to find new ways to satisfy himself.

Today I went to a Jazz concert, in a park. I know this park for as long as I know my self. I do like Jazz, at least most of it. The weather was good, not too hot, not too windy. The light was also good, good levels, not too contrasted. The audience was good.
If I were a professional, I would came up with a bunch of pictures, each one of them able to be published into some magazine or so.
But I’m a lousy amateur and I wasn’t in the mood, for some reason still to be known. From all of some 200 pictures I done, those are the best I could do. I suppose they are technically correct, I suppose they show the event, but I wasn’t feeling the music, the audience, the light, the park. Maybe next time, I guess.








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