sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Perspectivas



Neste ultimo dia do ano, as abertas alternavam com aguaceiros fortes, de fazer todos os que caminhavam na rua protegerem-se nos beirais e portadas dos prédios. Mas quando as nuvens abriam e o sol brilhava os transeuntes regressavam. E um fotógrafo, pelo menos, alegrava-se. No entanto não era isto que chamava a atenção de um cidadão em particular.

Preparava-me eu para entrar neste centro comercial, onde a minha marca favorita de cigarros está à venda, e apercebo-me de um homem, aí dos seus trintas e poucos, cego e com bengala, que parecia confundido bem junto às portas de vidro.
Aproximei-me e perguntei-lhe se podia ajudar. Que sim, respondeu-me, que queria ir para as paragens de autocarro, distantes uns bons 200 metros e com ruas para atravessar, mas que estava com dificuldades.
Claro que lhe ofereci o braço para ele segurar e o levei lá.
P’lo caminho fomos conversando um pouco: trabalha ele ali perto há pouco tempo, pelo que a sua orientação ainda não está afinada. E o que mais o estava a baralhar era… os cheiros.
Um forte cheiro a carne assada, talvez frangos, era o que ele mais notava, sem lhe saber a origem, que mesmo o vento, porque inconstante, não ajudava.
Deixei-o junto da paragem que ele procurava, e regressei pelos cigarros. E, p’lo caminho, fui tentando “ver” o que ele via: o sol na cara, as poças de água sob os pés, o apito do comboio, o vento que me apagava o isqueiro… e levei tempo a dar com uma “barraca” de cachorros quentes e carne assada, no subsolo e a descoberto.
Nem sempre os cegos são os que não vêem!

Texto e imagem: by me

Desejos



São frases ou slogans que não têm tempo ou lugar!
Cada geração que surge redescobre-as e usa-as, como se de verdades universais se tratassem. Que são!
Pena é que essas mesmas gerações, à medida que os tempos passam, invertam o sentido do sentir e passem elas mesmo a serem quem proíbe a proibição de proibir. E inventem as leis e os tribunais, as prisões e os advogados, as polícias e os ladrões. Aqueles mesmos que serviram de tema a brincadeiras ao mesmo tempo que gritavam: “É proibido proibir!”
A compensação é que atrás de uma geração vem outra que continua a clamar que “É proibido proibir!” Na clandestinidade dos graffitis, nos projectos-sonho da juventude, na alegria de quem acredita no futuro.
No caso, num caixote de lixo ferroviário!


Texto e imagem: by me

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Detalhes



O homem identificou-me pelo nome. Pelo menos por metade dele, que me sabia o apelido. E, enquanto trocávamos umas frases sobre a origem deste conhecimento, o filho continuava por ali a circular na sua pequena bicicleta.
Por mim, admito, não me recordava dele, já que não é fácil fixar uma cara que vai a conduzir um táxi chamado de noite, quando vamos sentados no banco de trás. Mas ele não esquecia a barba, o chapéu, a circunstância em que me tinha conduzido… umas três semanas antes.
Por fim, lá conseguiu convencer o filhote a fazer-se fotografar, bicla e capacete incluídos. E quando, depois de impressa, a foto estava a ser analisada pelo pai babado, disse:

“Nem sabe como esta fotografia vai ser importante. Ele esteve de férias, na terra, durante um mês, voltou hoje e a mãe ainda não o viu. E enquanto esteve com os avós, caíram-lhe os dois dentes da frente. É a primeira fotografia que ele tem assim, com aqueles dois buraquinhos ali na frente da boca.”

Se a fotografia é para mais tarde recordar, espero que os corantes jorrados sobre papel durem tanto quanto as memórias.
É que o primeiro dente que cai é um marco na vida. Do próprio e dos pais.

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Não foi difícil de convencer, que queria mesmo fazer a fotografia.
Na verdade, o difícil foi fazê-lo aceitar as condições do negócio. Dizia ele que nada na vida é grátis, que tudo é por dinheiro e que o custo zero não existe.
Quando lhe disse que assim não era, que o ver aqueles periquitos que por ali vão passando, que o sentir o ameno da tarde estival, que o ouvir a criançada a rir lá no parque infantil era bom e era de borla, achou graça mas não ficou convencido.
E quando lhe contei que naquele negócio o lucro das partes era discutível, já que ele levaria a fotografia mas que eu ficaria com o seu sorriso e que, ponderadas as coisas, não saberia dizer quem ficava a ganhar, riu-se um pouco mais, chamou-me de “poeta” e ficou convencido.
Quando preenchia o formulário entendi todas as suas reticências: Profissão Economista! A sua imagem? Tenho-a mas não a publico. Que a privacidade é um direito e um bem e esse ele não negoceia!


Texto e imagem: by me

Equilibrios



Não me importo que digam por aí que o solstício de Inverno foi a semana passada!
Não ligo a mínima que esteja a chover a cântaros lá fora!
É-me indiferente que os relâmpagos risquem na noite!
Em voltando o dia e uns raiozinhos de sol, reais ou figurados, as flores desabrocham, os ânimos alegram-se e a vida sorri, reequilibrada.

By me

Just for the fun



By me

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Vida



Assente em pedras agreste e cortantes, compassadamente intervaladas por dormentes sólidos e monótonos, fica o trilho por onde vamos escorregando, de algures para nenhures.
O outro, o paralelo? Nem sempre o é e nem sempre é no infinito que se tocam.


Texto e imagem: by me

Um pequeno exercício



Façamos um pequeno exercício que, pela sua impossibilidade, não passa disso mesmo - um exercício de imaginação:

Supúnhamos que, por um qualquer motivo, durante cinquenta anos apenas uma meia centena de pessoas frequentava por ano o ensino superior ou profissional em Portugal. E imaginemos também, para reforçar o exercício, que todos tinham excelente aproveitamento.
Passado este meio século, teríamos uma sociedade de “incultos”, de gente que não saberia trabalhar com os equipamentos que hoje existem que não fosse pelo hábito, teríamos médicos, engenheiros de diversas áreas, especialistas de tudo em final de vida.
Teríamos também umas duzentos cinquenta pessoas altamente qualificadas que, por serem tão poucas e considerando o sistema de procura e oferta, se fariam pagar a peso de ouro, aplicando os seus saberes às elites endinheiradas, ficando todos os restantes sem canos, medicamentos, diagnósticos, motores, sistemas eléctricos, casas, trigo, bifes e tudo o mais que hoje usamos e de que queremos mais e melhor.

Deste exercício de imaginação se pode concluir com facilidade que o sistema ensino-aprendizagem é vital para a sociedade. E que, como tal, deveria ser realmente gratuito, fosse qual fosse o grau de qualificação que se considerasse. E não o mero “tendencial” que a lei prescreve! Dando oportunidade a que quem tenha capacidades para ir longe no saber e no fazer o possa sem que isso seja um exercício de economia familiar. Trata-se de um investimento que a sociedade faz hoje para colher no futuro. Não tão distante quanto isso!

E, já agora também, considere-se que o que a imagem ilustra não pode ser a realidade. Nem o seu inverso! Nem os alunos são burros e os professores déspotas, nem os jovens os reis e senhores e os mestres os elos mais fracos.
Neste jogo de “aprender e ajudar a aprender”, cada qual tem o seu lugar e igual importância. E se ambas as partes de tal estiverem cientes e não se tratarem como adversários numa arena de mesas e cadeiras, todo o trabalho acontece com muito mais facilidade e resultados positivos.
Que é o que ambos querem e a sociedade deseja!


Texto e imagem: by me

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Up there



Estávamos em ’75.
Para além das confusões generalizadas que o país vivia, alguns tentavam ultrapassar as questões políticas e sociais e criar algo de diferente. Um deles foi o Maestro José Atalaya.
Percorrendo os liceus de então com um pequeno grupo de musica de câmara, foi explicando à gente nova o que era a música clássica, hoje conhecida por erudita (como odeio este termo!)
Quando passou pelo Liceu Rainha D. Leonor, onde então eu estudava, para além da sessão ofereceu a quem quisesse bilhetes para um espectáculo de ópera no Coliseu de Lisboa. Claro que aceitei, ainda que não soubesse muito bem ao que ía.
Sentados no “pontapé nas costas”, eu, namorada e amigos, que havia eu conseguido convencer a irem também, deparámo-nos com “As Valquírias” de Wagner.
Caramba! Para uma primeira experiência com ópera, Wagner foi coisa pesada. Bem pesada, até porque a encenação e cenário, se bem me recordo, era minimalista, sendo a companhia estrangeira e em tournée.
Sei que alguns dos que foram ficaram traumatizados com a experiência. Por mim, não posso dizer que tenha ficado maravilhado, mas foi uma relação de amor/ódio bem equilibrada.
E, ainda hoje, quando oiço trechos dessa obra, a memória me salta no tempo e recua umas dezenas de anos. Para uma época de crenças e construção, em que únicos obstáculos, para além dos conjunturais, éramos nós próprios, se o quiséssemos.
Em chegando a casa, hoje, não vinha de grande maré. Tem dias assim, em que nos deixamos levar por aquele pedacinho de nós que é mais permeável.
E, ao mesmo tempo que me preparava para as ver imagens feitas para e durante o trabalho, liguei o televisor, sintonizado que está no canal Mezzo. Para meu espanto, e alegria, era exactamente essa a ópera que transmitiam (transmitem, para ser rigoroso).
Dirão alguns que não se trata de uma obra de amimar os ânimos. Mas, no meu caso particular, tem esse efeito, tal como o “Aprendiz de feiticeiro” de Durkas ou o “I got plenty o’nothing” de Gershwin. Manias, que querem.
Isso e um “Canadian Club”, 12 anos, certamente me farão reconciliar com Morfeu esta noite.

Para os que não conhecem, aqui ficam uns links, apanhados à pressa:
http://www.youtube.com/watch?v=1aKAH_t0aXA
http://www.youtube.com/watch?v=1Nlrib90dFM
http://www.youtube.com/watch?v=BwmyJAEnz4s

Imagine-se



Uma mão quentinha e a outra, a direita, bem fria!
Agora imagine-se o destino que será dado à que aqui falta.
Um destes dias encontrá-la-ei, na rua, junto a um qualquer caixote de lixo, aqui no bairro.

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segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Uma prenda inestimável



Faça-se uma experiência engraçada:
Em vendo alguém a consultar um relógio, espere-se até que este seja guardado ou ocultado e pergunte-se as horas a quem ele olhou. As mais das vezes terá que haver nova consulta, que o inquirido não saberá responder de cor.
Acontece isto porque se olha para um contador de tempo, não para saber o seu valor absoluto, mas antes para saber quanto tempo falta ou passou para ou sobre um dado momento. Se estamos atrasados, se demora muito, há quanto tempo se faz determinada tarefa…
Dizer ou memorizar que são tantas horas, tantos minutos e tantos segundos mais não é que assinalar um instante e relativizá-lo com o passado ou futuro.
E o tempo, o que foi e o que será, é algo que me interessa. Até porque, e para usar uma frase de um amigo, um fotógrafo é um taxidermista do tempo.
Seja como for, tenho diversos aparelhos de medir o tempo. Variadíssimos mesmo, e creio que para a colecção ficar completa em géneros, me faltam apenas um relógio de cucu e uma clepsidra. O primeiro é uma questão de encontrar um que me agrade e que se enquadre no meu orçamento. O segundo é bem mais difícil, já que nunca vi nenhum à venda.
Mas de entre os que tenho, alguns são realmente incomuns: um relógio, de mesa, triangular; uma ampulheta tripla; um relógio, de parede, com cinco indicadores horários… Este último, e em estando calibrado para tal, é particularmente útil caso queiramos saber que horas são, por exemplo, em Timbuctu, o que acaba por ser prático caso queiramos mandar para lá alguém, pelo seu pé ou encaixotado em madeira.
Igualmente incomum é este relógio de sol de bolso. Claro que de pouca serventia terá de noite e, em dias encobertos como o de hoje, torna-se frustrante saber se já serão horas de almoço. Para isso, tenho que recorrer ao meu relógio biológico e consultar o meu estômago.
Mas a peça mais rara é um calendário de mesa.
“Rara?? – dirão alguns – Mas isso é banal!”
Pois será, mas trata-se de uma oferta de quem o desenhou e concebeu, o que já de si o transforma num objecto de afectos.
Fala-me ele, na sua organização do tempo, do ano que aí vem: 2011. Doze meses, 365 dias, 52 semanas… o normal. Indo mais longe, e querendo  ajudar na previsão sincopada do futuro, mostra-nos os primeiros dois meses do ano seguinte. Prático e habitual.
O que já não será tão prático nem habitual é ter sido previsto que o mês de Fevereiro de 2012 terá 30 dias. Incomum e à margem de todas as regras e convenções. O mais que se lhe atribui são 29 dias, e só de quando em vez.
Disse-me quem mo ofertou e concebeu que se tratou de um erro. Tal como será a opinião de todos quantos o manuseiem. Mas não a minha!
Tenho para mim que se trata de um acto de rebeldia e de criatividade. De generosidade mesmo, como é apanágio de artistas. Uma oferta de um dia extra para todos nós é, sem sombra de dúvida, uma prenda original e inestimável. Creio que nem mesmo o velho Nicolau se lembraria disso.
Obrigado por tal lembrança e espero goza-lo lembrando-me de quem mo deu.

Texto e imagem: by me

Atrás de um olhar



Quem é?
Eu sei-o, ele sabe-o, mas será não muito importante que os que por aqui o vêem o saibam.
Basta que se saiba que foi alfaiate de ofício, filósofo de coração, retórico convicto.
Não sei se seria dois terços do que é se não fosse mais um dos que, por esse país fora, arrastam o que lhes sobra na memória e afecta a vida sobre o que passaram em África. Um daqueles que por lá estiveram, que voltaram com a pele toda, que fizeram o que fizeram, que viram o que viram e que, ainda hoje, em sonhos ou acordados, não o conseguiram guardar numa gaveta da memória.
É assustador constatar quantos por aí andam, deambulando, desejosos de encontrar algo ou alguém que lhes restitua uma noite que seja de tranquilidade.
No meu para-ofício de fotógrafo de jardim, ali estando com alguma bonomia ouvindo e retorquindo, acabo por ser, também, ouvinte do que me vão contando. E, à medida que os contactos se vão repetindo e as confianças aumentando, as memórias vêm à tona, uns desabafos tímidos, um lançar a bisca a ver se poderão continuar ou se serão tratados como loucos, que é a tónica dominante nos tempos que correm.
Dos detalhes ainda não ouvi. Apenas dos sintomas e das consequências. E das idas às consultas, das longas noites insones, dos receios de perda de auto-controlo, dos medos nas ruas, do pavor de regressar a casa… destes e de outros detalhes vou ouvindo, sem saber bem que responder que não seja com os ouvidos, escutando-os e tentando que ali, junto a uma câmara de outros tempos, sem estranhos de volta, possam contar voluntariamente o que os assusta de outros tempos e de hoje, sem peias ou recriminações.
Dos idosos que por ali andam, no Jardim da Estrela, são pelo menos quatro com estas atitudes que de mim vão fazendo confidente. E eu, em escutando-os e vendo-lhes as mudanças de humor e, ocasionalmente, uma lágrima escondida, recordo-me dos nossos políticos que tentam, a todo o custo, esconder estas misérias humanas de que somos todos, de uma forma ou outra, responsáveis. E possuidores do dever de para com eles ter uma atitude mais condigna na sua condição de ex-combatentes, fosse ou não válida a guerra em estiveram envolvidos.
Porque o conceito de pátria ou de nação, seja isso lá o que for, não se prende apenas aos momentos de glória e de êxtase.
Para estes olhos, e para os outros que vagueiam por todos os “jardins da estrela”, os meus pedidos de desculpa em nome dos portugueses, pelo abandono a que são votados!


Texto e imagem: by me

domingo, 26 de dezembro de 2010

Natal dos simples.avi

Black & white



And red & green & grey

Vontade ou falta dela



Se o Bicho-Homem fosse de aprender alguma coisa, estaria bem mais sábio este Inverno.
É sabido que a Europa tem andado numa fona com os transportes aéreos. Primeiro foram os fumos do vulcão Eyjafjallajökull, na Islândia. Depois, a greve dos controladores aéreos de Espanha. Agora a onda de frio e neve. De uma forma ou de outra, estes episódios serviram para demonstrar o quanto estamos dependentes dos aviões e do que eles transportam – gente e carga, quantas vezes gente feito carga.
Mas, no meio de tudo isto, serviu também para demonstrar até que forma a sociedade em que vivemos é impessoal: pouco ou nada presta atenção aos que estão ao lado.
As pessoas acumularam-se nos aeroportos, algumas talvez já sem dinheiro para comer, a dormir onde calhava, na esperança que o tempo melhorasse, que o glicol chegasse para descongelar as asas e que o seu caso, certamente mais urgente que o do lado, fosse atendido prioritariamente.
Do que fui vendo e lendo sobre a situação, apenas num dos aeroportos encerrados foram disponibilizadas camas de campanha - militares, é certo – para dar o conforto possível a quem assim ficou preso. Noutro, foram as pessoas levadas para outro local, não por uma questão de apoio a quem lá estava, mas tão só por precaução contra a eventual queda do telhado devido ao peso da neve acumulada.
Mas não soube de nenhuma atitude por parte de cidadãos comuns para minorar esta questão.
Mais: sendo certo que houve quem ficasse em terra nesta data que se apregoa de solidariedade, não soube de quem se dispusesse a ir a um aeroporto e oferecesse a sua casa e refeição a quem assim ficou retido longe dos seus.

É Natal quando um homem quiser. Mas, em regra, não quer!


Texto e imagem: by me

A afirmação



O desejo: que os “@” e os “:$” se mantenham assim por muitos e largos anos.

sábado, 25 de dezembro de 2010

Cigarros 9 - Fotografia 0



Daquilo que muito se fala sobre o Natal e a festa da família, deixa muito de fora.
A consoada prolongada, com ou sem missa, faz sair da cama já tarde, a menos que haja petizes em casa. E mesmo que se saia da cama, o sair de casa já é mais difícil. Mesmo com algum almoço familiar na mira, atrasa-se sempre o enfrentar o frio e húmido amanhecer.
Mas há quem, logo cedo, esteja na rua. Para além de cívicos, soldados da paz, motoristas escalados, diferentes são os que fazem de 25 de Dezembro um dia mais ou menos normal. Ou completamente diferente.
Tem sido nesse sentido que madrugo nesta data e vou ao seu encontro no centro da cidade capital. Rossio, Restauradores, Praça da Figueira, Martim Moniz, Ruas Áurea, Augusta, Prata e intermédias, Praça do Comércio… O que acontece aqui bem cedo de manhã neste dia?
Pelo terceiro ano consecutivo lá vou. Este, confesso, foi o mais penoso. De sair da cama, de enfrentar a chuva miudinha mas molhante até aos ossos, o frio…
Foi já tarde que lá cheguei mas, ainda assim, a tempo de ver abrir o comércio. Qual? O “para turista gastar” mas gerido por orientais, Indianos em regra. Tal como eram eles que me propunham a compra de guarda-chuva, já que caminhava apenas com o boné enfiado até aos olhos.
Café? Só os conhecedores dão com ele, já que nem a Suiça ou na estação do Rossio estão abertas! Um na rua das Portas de Santo Antão, um tasco que, além de café tem sandes de tudo e álcool com várias cores e graduações. Um outro, salvo erro na rua de São Nicolau, abre mais tarde, aí pelas dez e meia, e também tem café e galão quente. Mas recomendo paciência a quem lá for, já que a língua dominante é o indiano e o português não é muito bem percebido, por estranho que pareça.
Um outro negócio ao invés de prosperar, definha: os pedintes. São cada vez mais, entre os que abordam os transeuntes e os que se limitam a estar encolhidos por sob um qualquer beiral, contando que a generosidade forneça a refeição ou dose do dia. Alguns e algumas conheço de vista, uma delas de outras paragens mais altas, ali do Jardim da Estrela. Portugueses, romenos, búlgaros, de África, indefinidos, há um pouco de tudo.
Quem também conheço, de ali encontrar dia sim, dia sim, são os vendedores de relógios de ouro, óculos de sol e outros produtos menos lícitos. Alguns reconhecem-me, do meu deambular, de umas trocas de palavras e de alguma fotografia feita a pedido. Um olhar cúmplice, um ligeiro aceno e nada mais, que sabem que daqui não levarão nada.
Claro que a baixa de Lisboa, neste dia, tem mais gente que esta: turistas. Alguns, raros, solitários, casais bastantes e de todas as idades, famílias com crianças ou adolescentes também se vêem. Este ano dominavam os orientais, ao contrário de anos anteriores. Com o guia e a câmara na mão, vão passando pelas pedras e gentes com vagar, que pouco há que fazer nesta data, mas numa abordagem superficial: os seus olhares pouco se detêm onde quer que seja. E quem vai estando, como eu, de saco às costas e câmara no ombro, vai apreciando a variedade de linguajar que ouve, das latinas às saxónicas, das eslavas às orientais. Mais ou menos o costume.
O que este ano não vi, para grande pena minha, foi tantas mãos dadas. Talvez por via do frio e da chuva, as mãos ou estavam embrulhadas em luvas ou enfiadas fundas nos bolsos. Ocasionalmente um “braço dado” ou um abraçar pelo ombro, mas poucos, que um guarda-chuva só protege uma pessoa. Mesmo aqueles que percebemos serem namorados recentes ou de decénios, mesmo esses preferem a protecção da sombrinha ao aconchego da companhia.
E em que mais é que esta manhã de 25 de Dezembro foi diferente das outras, na baixa Lisboeta? Pela quantidade de vezes que fui abordado por um cigarro. Nove, no total e em perto de três horas. Por nove vezes alguém se me dirigiu pedindo um cigarro, alguns lume também. Sempre homens, que as mulheres solitárias primavam pela ausência. Uns mais novos, outros já não tanto, todos com um ar que em tempos se chamou de “modesto”. Apenas dois eram assumidamente sem-abrigo. Os restantes talvez o fossem, mas não ousavam mostrá-lo, por medo ou vergonha. Destes nove, com dois fiquei um pouco mais à conversa que não apenas o aceder e dar: conhecemo-nos por causa da minha câmara de madeira, no Jardim da Estrela, e de ambos tenho o retrato e os olhos. Que agora e aqui não mostrarei, naturalmente.
Que fotografias trago? Quase nada. A chuva, o ambiente mais deprimente que o habitual e, talvez o factor principal, o meu próprio estado de espírito, não me deixaram “ver” com a objectiva.
Fica esta, de um dos raros momentos em que a luz do sol pareceu querer dar um ar da sua graça. Um arco que, sendo de volta perfeita, me pareceu muito abatido.
Quem sabe se, para o ano, trarei mais fotografias e cigarros para casa?


Texto e imagem: by me

Bota de Natal



Suspeito que a dona desta bota, assim jogada fora em dia de Natal e no meio de brinquedos, não tenha ficado muito satisfeita com os que terá recebido.

Dia de Natal



Confesso que não dou grande importância ao Natal. Na verdade, até me chateia um pouco.
Por um lado, essa coisa de o calendário impor as datas em que devemos estar contentes, satisfeitos com a vida, solidários e fraternos, em alegre sintonia e convívio com os consanguíneos.
Na prática, algumas dessas reuniões familiares acabam por ser uma espécie de trégua ténue, onde as convenções tentam manter mal tapadas as quezílias e desavenças entre parentes, servindo muitas das vezes mais para as alimentar que as minorar.
Além do mais, nesta época gasta-se à tripa forra, até porque “imposto”, a reserva de fraternidade. Em acabando as festas, regressa-se ao egoísmo exacerbado que conhecemos todos do dia-dia.
Como se isso não bastasse, gosto de ser eu a decidir quando devo estar de bem com a vida e comigo mesmo, preferencialmente todos os dias, e não quando uma data, que ao que parece nem sequer é exacta, nos impõe.
Em seguida, sendo o Natal uma tradição antiga, contém um detalhe “chato com’á potassa” igualmente antigo: a dificuldade de encontrar um café aberto de manhã onde tomar uma mísera bica! Claro que, sabendo eu da coisa, me precavenho com a minha dose matinal de cafeína em casa, de saco como tanto gosto. E, em saindo para a rua, vou direito a um café aqui no bairro, bem fora dos meus trajectos habituais, que sei ser o único aberto nesta data de manhã. Nem na rua, nem na estação, nem no centro comercial, nada! Mas sendo este café pertença de um casal de velhotes já adiantados na idade, nunca sei se, em lá chegando, a porta estará aberta.
Mas há uma outra tradição natalícia que me aborrece solenemente: o lixo nas ruas!
Ainda o café não abriu na manhã de Natal e o sol mal rompeu por entre as nuvens, e já aqueles que saíram de casa para os seus destinos ou foram passear os seus lulus se encarregaram de colorir os passeios e asfalto em torno dos contentores do lixo. Caixas, embalagens, latas, papeis, plásticos… uma enormidade de lixo, 99% não degradavel, que bem poderia esperar em casa até que houvesse recolha por parte dos serviços municipais. Que todos sabem não acontecer neste dia. E muito menos de manhã.
Esta falta de civismo por parte dos meus concidadãos deixa-me “piurso”, furibundo, quase perdendo as estribeiras.
Um ano houve em que, de conversa com vizinhos que, como eu, de tal não gostam, se alvitrou criarmos uma espécie de brigada aqui na rua, para devolvermos às portas das respectivas habitações os sacos assim largados. Mas o quente aconchego do lar e as discussões que daqui adviriam fez recuar as vontades.

Paz na terra aos Homens de boa-vontade. E à vizinhança com salutares hábitos de higiene também!


Texto e imagem: by me

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Pecados



Do rol dos pecados mortais, sou culpado de todos.
Uns mais frequentemente, outros notórios pela sua raridade, mas de todos sou culpado.
Mas um há que, e me desculpem pela franqueza, muito gozo me dá: a gula!
Quando chega a esta época não resisto e atiro-me aos doces.
No entanto, e apesar disso, sou selecto: só mesmo os muito tradicionais, aqueles que vêem de antanho, de tão longe que já a minha avó os chamava de muito antigos.
Mas, talvez por isso mesmo, pela sua idade e consequente simplicidade, são os melhores: broas de milho e figos secos com amêndoas.
As primeiras pecam por serem difíceis de encontrar. Talvez que por serem feitas de produtos considerados “pobres” (farinha de milho, mel e ervas aromáticas).
Os segundos são também menos nobres, já que os preferem com nozes. Mas por mim são mesmo assim, com amêndoas, se possível torrados e no mesmo forno em que são feitas as broas.
Se puder, também tenho por esta época fatias paridas. Mas, e desculpar-me-ão, comi-as antes de as poder fotografar.
Eu disse que este era um dos meus pecados preferidos!

Texto e imagem: by me

Sinais dos tempos



Por vezes ficamos de boca aberta.
Bem, num restaurante, mesmo que de Fast food, dá jeito abrir e fechar, abrir e fechar a boca, ou será mesmo difícil comer. Ainda que seja comida meio plastificada.
Mas, neste caso, fiquei de boca aberta de espanto mesmo!
Dezembro, 24, 2010. Véspera de Natal.
Os dois supermercados em redor deste MacDonalds registam a super afluência normal deste dia. Por toda a parte quem se cruza deseja “Boas Festas”, crentes e não crentes. Nas mãos, os sacos com o que faltava para o repasto natalício ou aquela prenda esquecida e à última hora comprada. Nas montras das lojas de bairro e do centro comercial, as alusões à quadra e ao consumo, necessário ou nem por isso. A criançada mais minorca, ao passar por mim, de olhar aberto e alternado para com os pais, que sorriem cúmplices.
Mas neste restaurante, nesta data a meio da tarde, nem uma só referência ao dia, à celebração, ao Pai Natal, ao Jesus, ou ao que quer que seja.
Inócuo, asséptico, impessoal, neutro.
Tão celebrante como se fosse o Yom Kippur, o Eid al-Kebi, o Diwali, o Vesak ou o Equinócio.
Talvez porque aqui no bairro a multiculturiedade impere e não se queira ofender ninguém.
Ou talvez porque a crise já chegou aqui e não haja verba nem para uns gorros vermelhos ou umas bolinhas coloridas.
Num dos templos da sociedade de consumo globalizada, a festa maior do consumismo é ignorada. Deixa qualquer um de boca aberta!

Texto e imagem: by me

A figura que faltava



Para os mais distraídos, que não se prepararam a tempo, aqui deixo a Malhadinha, a ovelhinha que talvez falte no vosso presépio.
Ao vivo e a cores, directamente de um dormitório suburbano. Faz tempo que não via disto por aqui.
Suponho que, tal como acontece nas montanhas, no inverno, também este pastor e o seu rebanho vieram em busca de ambientes mais tépidos, junto das habitações.

Texto e imagem: by me

Faz-me espécie!



Que o Pai Natal só trabalhe uma noite por ano, até que nem estranho. No fim de contas, conhecemos todos alguns passarões da política e da gestão de empresas que estarão quase a atingir esse estádio. E bem pagos!
Que o mesmo Pai Natal, numa só noite, cubra o mundo inteiro, é uma questão tecnológica. Afinal a luz, que também existe, viaja a velocidades igualmente incríveis.
Que o motor do seu veículo sejam renas será algo de politicamente incorrecto, contra o qual algumas associações ambientalistas e de protecção dos animais já se levantaram. Cedo ou tarde vê-lo-emos com um motor híbrido ou eléctrico, por via das emissões de gases.
Agora aquilo que me faz confusão, mas confusão mesmo, é como o bom do velhote consegue passar pelas ventarolas e exautores. Eu nem me atreveria, ou ficaria transformado em fatias de fiambre, para gáudio de algum mestre groumet, mas tristeza de muitas crianças.
Imagine-se: uma bola de futebol em fatias, uma boneca em fatias, uma bicicleta em fatias… a única coisa que escapa serão os jogos em DVD, já de si fatiados.
Como é que ele fará a coisa!?

Texto e imagem: by me

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Dúvida materializada sobre o trilho que percorremos.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Carne p'ra canhão!



O governo decidiu, com o beneplácito das organizações empresariais, aumentar em dez euros, em vez de vinte e cinco, o salário mínimo nacional.
Feitas contas muito simples, e pensando em alguém que resida na minha zona e trabalhe onde eu trabalho, fica-se a saber que desses dez euros, 2,25 serão consumidos imediatamente com o aumento dos transportes.
Se lhes acrescentarmos o aumento do IVA sobre todos os produtos, bem como os óbvios aumentos com a habitação (e deixemos todos os outros aumentos de preços de parte) constataremos que esses dez euros tão penosamente concedidos serão consumidos de imediato, não chegando para cobrir aquilo que será cobrado.
Tenho para mim que a palavra dada em compromissos, formais ou outros, é inestimável. E merece-me muito pouco crédito, se algum, quem não honra a sua palavra ou compromisso. Seja ele o meu vizinho, alguém com quem comercialize ou alguém eleito para o governo deste país.
E se for alguém com quem me cruze sempre posso não lhe dirigir a palavra (ou largar algum insulto se me apetecer), se for algum comerciante sempre posso levantar-lhe algum processo, alertar outras possíveis vítimas e deixar de ali consumir.
Mas se forem governantes, com quem temos contratos a longo prazo, além daquilo que poderemos fazer aquando do exercício da democracia, começa a ser tempo de impor a vontade do povo que não apenas pelo voto.
E nunca nos esqueçamos que um dos símbolos nacionais, o hino, tem na sua letra:

Às armas, às armas!
Sobre a terra, sobre o mar,
Às armas, às armas!
Pela Pátria lutar
Contra os canhões marchar, marchar!

Que nestas guerras económicas, intra ou supra nacionais, somos nós a carne para canhão!


Texto e imagem: by me

Em luta



Pelo que me pareceu, a rapaziada que por ali andava tinha deitado para o chão aquele meio pastel de carne. Não sei se por não gostarem dele se porque carga de água. Mas ali ficou, com um comentário mental meu, que mais valia terem-no deitado no caixote, que disso por ali não falta.
Seja como for, os pombos acabaram por o ver e vieram por ele. Primeiro um, depois outro, depois aos pares e aos trios, acabaram por ali se juntar mais de uma vintena de pombos. Todos atraídos pelo meio pastel de carne, suculento e apetitoso.
Mas se eram muitos, poucos puderam descobrir a que sabia. Que desde cedo veio um pombo maior, corpulento e de penas rebrilhantes, que entendeu que aquilo lhe pertencia. E sua convicção era tal que mal conseguia dele comer, tal era a sanha com que corria à bicada e assanhado com todos os outros que se aproximavam.
Estes, grandes e pequenos, machos e fêmeas, usavam de todas as artimanhas, desde chegarem-se em grupos até esperarem que ele se afastasse um nico, correndo com alguns, para virem pelas costas. Mas de nada servia, que ele a todos topava e a todos corria.
Incomodou-me! Afinal, ainda que fosse só meio pastel de carne, os seus sete a oito centímetros de comprido eram bastante mais do que caberia no seu papo e daria, pela certa, para partilhar com os restantes.
Avancei, de navalha aberta e, para espanto da garotada que por ali convivia, baixei-me e cortei o pastel em quatro, afastando as partes um pouco umas das outras. Daria para todos, pensei.
Como me enganava! No regresso de lavar a lâmina no chafariz do parque, dou com o tal matulão, bem no meio das partes no chão, a reclamar a sua posse em luta com os que se aproximavam. Tinha muito mais trabalho, que a área a cobrir era francamente maior, mas bicava a torto e a direito, sobre todos os que quisessem uma nica.
Fiquei francamente furioso. Afinal aquilo dava para todos! Em duas valentes passadas aproximei-me, enxotei todos em redor e, a pontapé, afastei francamente os restos mortais do pastel. Sempre queria ver como é que o valentão iria defender aquela área enorme. Não o fez!
Depois de ter andado de um para outro, apropriou-se do maior e defendeu-o com a mesma energia de sempre. Aos restantes acercaram-se os menos afoitos, mas ficaram confrontados com outros proprietários, de menor porte mas suficiente para defender aqueles pedaços menores. No lugar de um grande ditador, criaram-se quatro ditadores, cada um à medida do pedaço que defendia. Os mais pequenos, esses, acabaram por conseguir bicar apenas nas migalhas que saltavam para longe dos pedaços grandes. Até que tudo ficou consumido e limpinho, como se nunca ali tivesse estado. E partiram para outras paragens!

Para que não haja confusões nem erros de interpretação, deixo aqui uma imagem ilustrativa. Ficar-se-á assim com a certeza de que estou a falar de pombos num jardim e não de homens em torno de um lugar na política ou de um posto de chefia numa empresa.


Texto e imagem: by me

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Traveling 28



Estava eu pacatamente encostado ao balcão do café da minha rua, à espera da “banheira e hambúrguer”, (código privado para café cheio e pão-de-deus com queijo e manteiga), quando chega o carteiro.
Aqui na rua são habitualmente três que fazem a distribuição de correspondência, sendo que os conheço de vista e de dois dedos de conversa, para verificar se tenho correio, para falar do tempo ou de fotografia com um deles. Confesso que não sei o nome de nenhum deles, que nunca o perguntei, mas primam todos pela simpatia e afabilidade.
Pois este, assim que entrou e depositou as cartas para o café, exclamou para mim:
Ainda bem que o vejo, que andava a pensar em si. Tenho aqui uma coisa que acho que lhe é destinada.”
E, metendo a mão no pesado saco que carregava, retirou uma caixa, cúbica, aí com uns 20cm de lado.
“Vem do estrangeiro, parece-me.”
Fixe! Ganda pinta! Baril! Afinal também o tipo das barbas brancas recebe encomendas do Pólo Norte.
Bem… Não veio exactamente do Pólo Norte, mas tão só do norte, da Grã-Bretanha, para ser mais exacto. Mas é lá de cima, do norte e do frio, prontos!
E explicou-me ele que tudo na morada estava correcto e legível, excepto a letra correspondente ao meu apartamento, que poderia ter várias interpretações. Tinha ele comentado a coisa com colega de giro e ele alvitrara que seria eu, o das barbas e da fotografia.
Já uma pessoa não pode andar por aí, conversando e fotografando, que até os carteiros nos conhecem pelo nome, num bairro dormitório suburbano e num megatério de 96 apartamentos.
Pois dentro da tal caixa estava, muito bem acondicionada contra choques e humidades, o que aqui se vê na imagem: uma objectiva fotográfica.
A sua alcunha é ”traveling 28”, e trata-se de uma objectiva Pentax, de 28mm, já com alguns anitos valentes e pertencente a um companheiro norte-americano que conheço de um fórum em que participo.
A ideia é esta óptica andar de membro em membro, através do mundo, e cada um de nós mostrar o que é capaz ou quer fotografar com ela.
Tenho um projecto específico para ela e, apesar de ter um igual ou quase, tenho-a esperado para tal. No fim de contas não teria graça subverter o projecto colectivo.
Resta-me, para além de a usar, saber quem é o seguinte na lista. Por qualquer motivo, tenho na ideia que será um Australiano, mas também não descarto a ideia de ser um Islandês, o único desta nacionalidade neste fórum.
Seja como for, este ano o Pai Natal, disfarçado de carteiro, chegou uns dias antes do prazo. Mas sendo verdade que “é Natal quando um Homem quiser”, já abri esta minha prenda.


Texto e imagem: by me

Calçada de Carriche



Luísa sobe,
sobe a calçada,
sobe e não pode
que vai cansada.
Sobe, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe
sobe a calçada.
Saiu de casa
de madrugada;
regressa a casa
é já noite fechada.
Na mão grosseira,
de pele queimada,
leva a lancheira
desengonçada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Luísa é nova,
desenxovalhada,
tem perna gorda,
bem torneada.
Ferve-lhe o sangue
de afogueada;
saltam-lhe os peitos
na caminhada.
Anda, Luísa.
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Passam magalas,
rapaziada,
palpam-lhe as coxas
não dá por nada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Chegou a casa
não disse nada.
Pegou na filha,
deu-lhe a mamada;
bebeu a sopa
numa golada;
lavou a loiça,
varreu a escada;
deu jeito à casa
desarranjada;
coseu a roupa
já remendada;
despiu-se à pressa,
desinteressada;
caiu na cama
de uma assentada;
chegou o homem,
viu-a deitada;
serviu-se dela,
não deu por nada.
Anda, Luísa.
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Na manhã débil,
sem alvorada,
salta da cama,
desembestada;
puxa da filha,
dá-lhe a mamada;
veste-se à pressa,
desengonçada;
anda, ciranda,
desaustinada;
range o soalho
a cada passada,
salta para a rua,
corre açodada,
galga o passeio,
desce o passeio,
desce a calçada,
chega à oficina
à hora marcada,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga;
toca a sineta
na hora aprazada,
corre à cantina,
volta à toada,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga.
Regressa a casa
é já noite fechada.
Luísa arqueja
pela calçada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada,
sobe que sobe,
sobe a calçada,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.


António Gedeão

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Não tem muito que saber



Se ‘tá de chuva é porque chove; se o calor aperta, é por causa do aquecimento global; se esfria, nem se pode andar com ele de fora; se seca, o governo não faz nada;…
É que nem tem nada que saber: nunca os lusos estarão satisfeitos e sempre protestarão contra o tempo.
E com estes protestos inúteis de café ou elevador, gastam as suas energias contra aquilo que é imutável, ficando demasiado cansados para contestar ou mudar aquilo que realmente podem e devem: as suas vidas.

Texto e imagem: by me

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Sete cartas



IV

Meu caro Amigo:
Do que você precisa, acima de tudo, é de se não lembrar do que eu lhe disse; nunca pense por mim, pense sempre por você; fique certo de que mais valem todos os erros se forem cometidos segundo o que pensou e decidiu do que todos os acertos, se eles foram meus, não seus. Se o criador o tivesse querido juntar muito a mim não teríamos talvez dois corpos distintos ou duas cabeças também distintas. Os meus conselhos devem servir para que você se lhes oponha. É possível que depois da oposição venha a pensar o mesmo que eu; mas nessa altura já o pensamento lhe pertence. São meus discípulos, se alguns tenho, os que estão contra mim; porque esses guardaram no fundo da alma a força que verdadeiramente me anima e que mais desejaria transmitir-lhes: a de se não conformarem.

A réplica, como você já está vendo, também é fácil; se o meu desejo é sempre de que se não conformem, se quero neles a mesma força que existe ou desejaria que existisse em mim, sou tão inquisitorial como qualquer outro. Todo o mestre (deixe-me pôr o caso como que impessoalmente e sem de modo algum me pretender mestre), todo o mestre quer seus discípulos iguais a ele, mesmo quando parece dar-lhes a maior liberdade. Dirá o Luís que seria talvez o modelo de mestre o que, por exemplo, não sendo do tipo conformado os reconhecesse e quisesse a todos, de qualquer tipo que eles fossem; agora ponho eu objecções: querer tudo, tudo aceitar, mas de dentro, sinceramente, não apenas em palavras ou em atitudes de superfície é não ser nem conformado nem o contrário. Não é não ser nada: é ser tudo, como Deus. Claro está que Deus é o grande mestre: chove sobre o justo e o injusto. Mas nos mestres da terra, se os não alargarmos às proporções divinas, isto é, se os não fazemos desaparecer, há sempre uma semente de tirania. Se sou mestre, não posso fugir à fatalidade.

Simplesmente, a tirania do contra agrada-me mais do que a tirania do seguir. Oponha-se sempre que possa. Dar-lhe-ei o conselho de se opor, mesmo quando lhe parece que eu tenho razão? Não me parece mau como exercício. Mas as melhores ginásticas deformam se são um vício ao contrário. Não andar pouco, não andar muito. Toda a vida bem vivida, harmoniosamente vivida, vivida sem faltas, sem manchas, com felicidade, com serenidade, é uma vida medíocre. Tudo o que passe do medíocre tem em si o excesso e o erro.

Feche, pois, os ouvidos ao que lhe ensino, se alguma coisa lhe ensino; faça a viagem por sua conta e risco, você mesmo ao leme; se tivermos naufrágio, far-lhe-emos uma Elegia marítima: duas páginas de versos todos cheios do ritmo das vagas e desse estranho soluçar do vento nos altos mastros dos navios.
..............................................

in: “Sete cartas a um jovem filosofo”, de Agostinho da Silva


Imagem: by me

Uma questão de princípios



Em Espanha, um professor de geografia foi denunciado à polícia por ter defendido que o clima seco e frio de Trevèlez era bom para a cura de presunto.
A denuncia foi feita pela família de um aluno que, sendo Islâmicos, se sentiram ofendidos nos seus princípios religiosos.
Seguindo a mesma linha de raciocínio, solicito que os media se abstenham de falar sobre, citar ou mesmo mostrar algumas figuras publicas deste país, que pelos seus actos e palavras ofendem os meus princípios de cidadania e honestidade.


texto e imagem: by me

Tretas!



O governo anunciou, domingo, que os transportes irão sofrer um aumento de 3,5% nos passes sociais e de 4,5% no tarifário geral.
A ANTROP (Associação Nacional dos Transportadores Rodoviários Pesados de Passageiros) vem a terreiro dizer que este aumento fica aquém daquilo que era esperado.
Claro que quem paga acha muito e quem cobra acha pouco!
Mas numa altura em que todos propalam a crise, em que os arautos da desgraça ficam roucos de tanto gritarem, em que se cobram taxas de energia que não é consumida e taxas de utilização do subsolo sem que se saiba o que lá esta, em que os impostos sobem, os subsídios descem ou desaparecem, até que acho pouco este aumento dos transportes.
Um aumento de 200% ou mesmo 300% deveria deixar satisfeitos os industriais dos transportes.
Até porque, para ir trabalhar, o cidadão comum tem que se transportar. É um bem ou serviço essencial. Portanto, nada como chupar até ao tutano.
Claro que quando não houver como pagar os transportes e estes ficarem parados (para benefício de sapatarias e sapateiros remendões), nessa altura a ANTROP pensará em baixar os preços, com ou sem regulação governamental. Mas talvez seja tarde, já que o principal transporte usado nessa altura será carreta funerária.
Ora batatas para os que procuram os lucros fáceis e rápidos à custa das necessidades básicas dos portugueses!


Texto e imagem: by me

Horripilante visão



Ou bem que há um grande desespero por prendas aqui, ou é um mostruário do que tem invadido as nossas janelas e afins nos últimos tempos.
Ou então é um exercício dos comandos natalícios, tentando salvar uma pobre criancinha das prendas do consumismo desenfreado.
Em qualquer dos casos, lamento que seja no meu prédio.

Tédio



E quando o tédio nos enche, quando o aborrecimento mortal nos assola, quando a sensação de total inutilidade de um dia de trabalho não nos larga, que fazer?
Por mim, bem, fotografo qualquer coisa, o que esteja mais à mão, sejam quais forem as condições de luz. E quando guardo a câmara, mesmo que seja uma de bolso, pelo menos fico com a certeza que não perdi tudo nesse dia.

Texto e imagem: byme

domingo, 19 de dezembro de 2010

A janela



Ao descer para o meu posto de trabalho, onde o contacto com a vida real se faz pelo brilho dos televisores e a sua veracidade é atestada por jornalistas (o que quer que isso signifique) ainda me apercebo de um resto de sol, como que a despedir-se de mim e a desejar-me boa sorte.
São estes pequenos detalhes que vão mantendo à tona a minha sanidade mental!

Texto e imagem: by me

Ao acordar



Acordo e dou uma olhada nas parangonas dos jornais on-line.
Um, outro, outro e outro ainda. Dentro e fora de fronteiras.
E fico a acreditar que um qualquer ET que aqui viesse de férias, se suicidaria de seguida, incapaz de co-existir com tanta desgraça propagandeada.
Porque, de acordo com os jornais e TVs, nada de bom acontece por cá!
E porque “Paz na Terra aos Homens de boa-vontade” será uma frase criada por Tomas More, no seu “Utopia”!

Texto e imagem: by me

Tradições



Com a quadra que vivemos, cheia de tradições, aqui fica mais uma, um conto de Natal. Este com pouco mais de quarenta anos:

As panelas de Natal
A tradição familiar dizia que o Menino Jesus descia pela chaminé para pôr prendas no sapatinho.
Assim, depois do jantar, a cozinha era imaculadamente arranjada, o fogão forrado com papeis “bonitos” e os sapatos colocados em cima deles.
Na manhã de Natal os pequenos, depois de toda a família acordada, eram autorizados a entrar na cozinha onde, para deslumbre total, lá estavam os presentes. Poucos, que os sapatos eram muitos, mas apetecidos e apreciados.
O mais velho dos quatro foi, naturalmente, o primeiro a ser informado da verdadeira história e a ser incluído na cerimónia da colocação das prendas.
Depois do fogão decorado e dos mais pequenos terem recolhido à cama, foi a sua vez de colocar as suas prendas para toda a família, indo então deitar-se, que não podia ver as que lhe eram destinadas antes dos outros acordarem.
Acordou ele a meio da noite com vontade de urinar e dirigiu-se à casa de banho. Mas logo lhe passou a vontade. Com receio que furasse o bloqueio de acesso à cozinha, tinham atado uma cadeira com tachos e panelas ao puxador da porta de seu quarto. Quando a abriu, tudo se espalhou pelo chão, acordando a casa por inteiro.
Não me recordo ao certo qual ou quais as prendas que recebi nesse ano. Mas tenho a vaga ideia de ter sido um famoso Renault 16 do “Tour” que esventrei e em cujo interior coloquei um pesado imã de bicicleta. Com ele, ganhava todas as provas de todo o terreno que na rua se faziam.

Ainda hoje, quando a família se reúne, ninguém me acredita que, então, apenas queria ir à casa de banho.


Texto: by me
Imagem: algures na web

sábado, 18 de dezembro de 2010

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Luvas



De há algum tempo a esta parte tenho vindo a fotografar sapatos abandonados na rua. Para além daquilo que a nossa imaginação nos possa contar sobre aquilo que eles viram e pisaram, acaba por ter graça como podemos encontrar calçado abundantemente, mas não tanto outras peças de vestuário.
Volta e meia lá tropeço numas meias e, muito mais raramente, numas luvas. E, a grande esmagadora maioria das vezes desirmanadas. Do pé ou da mão, esquerda ou direita, mas quase nunca dos dois em simultâneo.
Agora vá-se lá saber ao certo porque é que, nesta época do ano é certinho não encontrar luvas na rua. Talvez porque as pessoas se lhes agarrem como lapa na rocha, por dentro ou por fora, e que facilmente se apercebam que não a estão a usar.
Para encontrar luvas que não nas mãos, talvez só mesmo lá mais para a primavera.

Texto e imagem: by me

Está na moda



A notícia publicada pelo jornal “Correio da manhã” conta o seguinte:

EUA: Suspensa por inventar violação

A apresentadora Heidi Jones foi suspensa pelo canal de televisão WABC, de Nova Iorque, depois de ter afirmado que tinha sido violada.
Heidi, que apresentava a previsão da meteorologia e participava no programa ‘Good Morning America’, alegou que tinha sido abusado no dia 24 de Setembro e apresentou queixa à polícia. Contudo, as autoridades não acreditaram na história contada pela jornalista, considerando que apresentava inconsistências.
Segundo a polícia, a apresentadora, de 37 anos, acabou por admitir que tinha inventado a história. Caso venha a ser condenada por ter feito uma denúncia falsa, Heidi pode ser obrigada a pagar multa e apanhar até um ano de prisão


Pergunto se isto, acontecido lá do outro lado do Atlântico, seria motivo para duas linhas que fosse em Portugal se:
1 – Em causa não estivesse uma jornalista;
2 – Se não fossem tão recentes as acusações que pesam sobre a figura de proa do “Wikileaks”.
Tal como na electrónica de consumo e na roupa, também nos média vende o que está na moda. Da mesma forma, marcas e corporativismo pesam como os infernos!


By me

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

A sola



E pronto! Duas observações, ou comentários, levam-me a responder em conjunto.
Uma delas, e a propósito de eu afirmar que a maioria dos utilizadores da web não produz conteúdos e pouco mais faz que copiar os já existentes, reza assim: “Produzir conteúdos não é fácil…”
A outra, e sobre uma cadeira e a sua história, afirma: “Essa cadeira tem uma sólida história…”
Para ambos, há que dizer que as histórias ou estórias estão aí, em todo o lado, a cada passo, a cada olhar. Cada um de nós tem uma miríade de estórias e uma história sólida. Cada ser humano gastaria muito mais que uma floresta para contar a sua própria história, tantos são os episódios e peripécias que vivemos. A solo, no circulo restrito de vida, na existência que levamos.
O problema, penso eu, está em que gastamos demasiado tempo concentrados naquilo que nos perturba, que incomoda, nas nossas próprias dores e alegrias, para constarmos, por pouco que seja, o que nos cerca.
Se nos despirmos de nós mesmos, se abrirmos a camisa aos outros, se nos deixarmos penetrar pelas alegrias e dificuldades dos demais, não apenas ficaremos mais ricos naquilo que aprendemos como podemos mais facilmente ser úteis ao nosso semelhante.
E quando deixamos que o mundo nos penetre, e não apenas como água em vidro, é muito fácil criar conteúdos, para a web ou para contar na cadeirinha, no final do dia, na soleira da porta. E sem grandes invenções ou divagações.
A vida, por si mesma, é demasiadamente rica e criativa, para não necessitar de grandes fantasias ou imaginações. Os exemplos de sucesso na adversidade e de infortúnio são demasiados para que a imaginação do ser humano a possa acompanhar.
A divulgação de uns e de outros, por vezes apenas o simples relato, são mais que suficiente para encher teras de servidores, para censurar e, quiçá, terminar com o que de mau acontece e servir de pista para um mundo melhor.
Temas para conteúdos é o mais não falta. Basta deixarmos na gaveta o egocentrismo e sentirmos o que nos cerca. O resto acontece por si mesmo.

A título de exemplo, pense-se no que terá vivido isto, que é o que resta das sobras daquilo que foi jogado fora.
Por onde andou, de que cor era, como terá combinado com o restante vestuário, que satisfação terá proporcionado quando foi adquirido e estreado, a relva ou os dejectos que terá pisado, em que sítio junto à cama terá ficado quando o seu dono ou dona terá amado, que canelas terá ferido…
As estórias e os conteúdos estão aí, por tudo quanto é lado, à nossa espera. Basta parar um pouco e sentir!


Texto e imagem: by me

Acontece



Não simpatizava com a pessoa. Sabia-o ele e sabia eu que ele sabia.
Acrescento que, ao que me é dado saber, era opinião comum a muitos dos que, como eu, tinham que com ele trabalhar.
Os motivos desta nossa antipatia ficam connosco. Até porque não será bonito falar mal dos mortos.
Mas o que é indiscutível é a qualidade do seu trabalho, que nunca nenhum de nós pôs em causa. E se não gostávamos de com ele trabalhar, batíamo-nos para fazer os seus programas. Que nos enriquecia a todos, que eram um desafio à nossa capacidade de criar, que eram um raio de luz no marasmo da informação política e desportiva.
Se o que fica de um homem, para além da memória, será o que criou, honra à memória de Carlos Pinto Coelho e ao seu trabalho, único no jornalismo cultural português.

Na imagem? Uma montagem que, ainda que toscamente feita, foi a que mais tempo (anos mesmo) se manteve afixada no nosso “jornal de caserna”.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

5 cents



Não sei se esta pequena estória pode aqui ser contada, mas corro o risco.
Ao pendurar roupa a secar, depois de lavada, caiu-me do bolso de uma camisa esta pequena moeda. Senti-me logo muito mais rico, porque cinco cêntimos sempre são cinco cêntimos, e a vida não está para desperdícios.
Mas, logo de seguida, fiquei preocupado: vejam-se as coisas como se virem, a verdade é que estou a falar de lavagem de dinheiro, crime punível por lei e pela opinião pública.
Será que posso contar isto aqui? Será que vou ter a justiça à perna? Ou, pelo facto de o confessar assim, pública e notoriamente, terei direito à classificação de “arrependido”, caindo o caso no esquecimento como é habitual?
Seja como for, aqui fica a minha confissão!

Texto e imagem: by me

A cadeira



Esta cadeira não está jogada fora.
Não é lixo nem está abandonada à triste sorte de ser convertida em lenha nestes dias frios que vamos vivendo.
Também não é uma intervenção artística, ao estar assim, despida de assento, e encostada ao tronco rugoso de uma oliveira urbana, numa tentativa de nos recordar que é das árvores que vem a matéria-prima de muito do que usamos.
Da mesma forma, não é um fantasma de outros tempos, mantendo-se impoluto ao ocultar o ponto onde os rabos assentavam.

Trata-se, antes sim, da cadeira usada neste local de comércio. Sim, porque aqui, neste pedacinho de terra batida, na beirinha do passeio por onde muitos, eu próprio incluído, passam a caminho ou de regresso do trabalho, acontece comércio e indústria. De uma forma pouco comum, por cá, mas ancestral e suponho que rentável.
É aqui que uma senhora de meia-idade e de origem africana, visível pelo tom de pele e pelos trajes que faz questão de usar, assa espigas de milho, nas brasas de carvão, vendendo-as a quem passe. Por vezes são duas ou três que ali estão, em amena cavaqueira ou tão só olhando quem passa, ocasionalmente acompanhadas de pequenotes. Suponho que estes aquando do encerramento da escola.
Não sei quanto cobram pelo que vendem, nem se é bom ou nem tanto: nunca meti conversa com elas ou consumi o que produzem. É que, e ao contrário de outros negócios de rua, este parece ser destinado a um público bem definido no qual, e pelos olhares que recebo em passando, não tenho cabimento.
Mas cabe perfeitamente naquela parte da minha alma onde guardo as coisas boas que vivo, o facto de estas senhoras manterem impecavelmente limpo este pedacinho de terra batida, bem como o passeio adjacente, a despeito do que acontece em redor, com lixo largado negligentemente ou trazido pelo vento. Aliás, possuem uma pequena vassoira com a qual vão fazendo questão de manter imaculada a zona.
E quando, no final da jornada, se retiram, os únicos vestígios que restam são a limpeza do local e a cadeira.
Cadeira que é deixada assim, porque inútil para quem quer que seja excepto para quem traga o assento respectivo. Que elas trazem. E bem mais cómodo de transportar que a cadeira por inteiro.
Não as tenho visto nestes últimos tempos. Nem conto vê-las por mais algum. As temperaturas, bem como a chuva, não são propícias a vender (ou comprar) o que quer que seja a descoberto.
Fica a cadeira, senão a marcar o lugar como um código não registado, pelo menos a lembrar os potenciais clientes que ali, sem tecto nem balcão (e talvez sem licenças) se vende milho assado na hora e na massaroca.


Texto e imagem: by me

Graffity positivo



By me

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Nova versão



Este é o novo Zé Povinho!
Manejado nem se sabe bem por quem, com os olhos em baixo e nariz grande e vermelho de tanto mentir a si mesmo que tudo está bem. Até um dia que volte a fazer um valente manguito!
Por mim, vou dando uso à minha navalha, tentando cortar os fios com que me vão tentando prender.

Texto e imagem: by me

Até o Pato Donald...



... os perde.

By me

Olha ao que eu digo, não olhes ao que eu faço!



Comprei um livro. Em boa verdade, comprei uma catrefa de livros.
É o que acontece quando se vai a uma feira de livros temática e o tema é a fotografia. Foi a primeira do género, ao que sei, em Portugal, e aconteceu este fim-de-semana na Fábrica Braço de Prata, em Lisboa.
Vários livreiros, várias editoras e senti-me como que um puto numa loja de doces. A dificuldade na escolha não esteve no que trazer mas antes no que deixar ficar, considerando o orçamento disponível. E, das conversas tidas com quem ali vendia, fiquei a saber, para minha satisfação e a de todos os que se interessam sobre o assunto, que a livraria “Ler devagar”, nesse edifício sedeada, ficará a ter em catálogo todos os livros da editora GG (Editorial Gustavo Gili), que se recomenda sem reservas de espécie alguma.
Pois eu comprei livros para ler, livros para ver, livros para ler e ver, todos eles, espero, para serem lidos ou vistos mais que uma vez. De autores conhecidos, outros nem tanto.
Mas um houve que tive dificuldade em comprar. Não pelo preço, que até nem era exorbitante. Não pelo volume, que ainda que grande, não me assustou. Não pela língua, que o inglês até que domino mais ou menos bem. Pelo tema!
Chama-se “Things as they are” e é uma contextualização das fotografias premiadas do “Worls Press Photo”.
Acontece que tenho uma malapata com este prémio. Tão grande ou tão pequena que não vou às suas exibições em Portugal (fui duas vezes, corrija-se) e tenho vindo a desaconselha-la vivamente a alunos e companheiros de conversa.
Entenda-se que não ponho em causa a qualidade dos trabalhos apresentados. São, na sua maioria, muito bons. Sinónimo dos bons fotógrafos que existem, foto-jornalistas ou outros.
O que ponho em causa, e muito vivamente, é o critério da sua selecção. São fotografias publicadas na imprensa, ilustrando ou servindo de base a artigos jornalísticos. Algumas mesmo foram capas de publicação.
A questão que ponho é que são, na sua esmagadora maioria, fotografias relacionadas com tragédias: assassinatos, fomes, guerras, acidentes naturais ou não… mesmo as que mostram a natureza, referem o acto de caçar e matar. E, no desporto, raras são as que mostram outros que não os vitoriosos, ou, em alternativa, a violência no desporto.
Completamente de fora desta selecção ficam todas as outras fotografias, também publicadas em periódicos, que referem outros temas, alguns inócuos, outros belos, e que excluem a violência e a tragédia. A imprensa, que não a generalista e que elege a tragédia e a desgraça como capa, tem óptimos fotógrafos. Na publicidade, na decoração, na moda, na natureza, nas tecnologias, nos automóveis… São mais que muitos os temas fotografados e publicados, fazendo capa de jornais e revistas, que atingem altos níveis de qualidade. No entanto…
No entanto só são eleitas como boas fotografias de imprensa as que mostram o lado negativo do ser humano ou do planeta em que vivemos. E não posso deixar de contestar este tipo de abordagem!
Eu não quero contribuir com o preço da minha entrada e a estatística da minha presença para dar ênfase ao evento! Da mesma forma que não recomendo que neófitos na fotografia a frequentem porque, face à notável qualidade das imagens exibidas, ficarão os menos avisados com a convicção que aquela é a única forma de fotografar o mundo que nos cerca. E, pela certa, não é!
A esse respeito, e enquanto estive ligado a escolas de audiovisuais, tive algumas discussões acaloradas com as direcções, face ao meu veto a essas exposições. Ganhei-as todas, ainda que tenha que reconhecer que foi mais pelo cansaço dos meus oponentes que pelos meus argumentos. Mas como, e até hoje, ainda ninguém me argumentou de forma tão sólida que me convencesse do contrário, continuarei a não ir e a fazer com que lá não vão.
A questão põe-se, agora, de outra forma: porque fui eu dar bom dinheiro num livro sobre um tema que contesto? Essa foi a minha dúvida na altura. E um pouco ainda agora, admito.
A resposta será, talvez, porque conhecer a fundo aquilo que contestamos apenas nos leva a melhor evita-lo ou contra isso argumentar. E sendo que a qualidade das fotografias é incontestável, ver coisas bem feitas, ainda que do “inimigo”, de quando em vez apenas nos irá enriquecer. E perceber o contexto em que uma imagem é escolhida no meio de muitas outras (ou uma reportagem fotográfica) também é enriquecedor.
E foi assim que comprei um livro entre muitos outros, que muito hesitei em comprar, e que aqui está à espera que eu mesmo tenha tolerância suficiente para nele mergulhar.


Texto e imagem: by me

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Sorria - você está vivo!



No centro de saúde, aguardando vez para marcar uma consulta.
Encostado ao balcão, com a paciência própria de um paciente, acrescido de ser fotógrafo, fui assistindo aos diversos pequenos episódios entre funcionários e médicos, funcionários e pacientes, pacientes e médicos… E recordei-me, muito a propósito, de um velho ditado popular: “Casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão!”
Quando chegou a minha vez, entreguei a senha e o cartão de utente, dizendo o que queria: consultar a minha médica.
Consultou ela o computador e disse-me que seria para dia 17. “De Janeiro”, enfatizou a zelosa mas não tão cordial funcionária.
Conformado, respondi-lhe que “Nessa data ou consulta ou autópsia, mas tudo bem!”
O seu olhar foi um misto de interrogação e reprovação, pelo que me apressei a esclarecê-la: “Não leve a mal que estou a brincar. Gosto muito de brincar, sabe.”
Sorriu aliviada por constatar que daqui não viriam protestos, como é hábito, e em tom baixo acrescentou: “Espere que vou ver o que posso fazer.”
Nova consulta ao ecrã do computador e, após ler em voz alta a agenda da médica, acabou por me dizer: “Dia 6 de Janeiro, pode ser? Não consigo vaga para mais cedo.”
Claro que podia ser, e disse-lho com um sorriso que foi respondido da mesma forma. E recolhi cartão e papelada, abalando de seguida.
Moral da estória: Com bons modos e brincadeira ligeira, quase tudo se consegue. Até sorrisos e boas-vontades.


Texto: by me

Tradições



Porque a época é de tradições, aqui fica uma das minhas: este texto de um excelente autor, maldito para uns, magnífico para outros.
E se excluirmos algum exagero aqui ou ali, certamente que reconhecermos o descrito.


Como a família da Lurdinhas passou a consoada do ano passado:

Para estreitar os laços familiares, não há nada que chegue à festa do Natal, lá isso é verdade, mas espero que neste ano as coisas corram melhor do que o ano passado e não seja preciso o meu pai ir mudar de roupa a meio do jantar por ter apanhado em cheio com o galheteiro do azeite nos cornos, atirado pela minha mãe que o topou a apalpar o cu à D. Filomena, uma prima da minha madrinha que veio de Angola e vive numa pensão em Almirante Reis e anda a estudar para manicure.

A minha mãe ficou bera e com razão, não é por ser minha mãe, esteve quase a dar-lhe o fanico e só gritava: «Tirem-me essa puta da frente! Tirem-me essa puta da frente!» Mas quando as pessoas são educadas, as coisas acabam por compor-se e bastou tirarem a D. Filomena de ao pé do meu pai para ficar tudo em sossego. No fim até estiveram as duas a falar de crochés e da telenovela, que nessa altura dava na televisão, e a D. Filomena ofereceu-se para tratar os pés da minha mãe, assim que acabasse um curso de calista que andava a tirar ali para os lados da Fonte Luminosa.

Essa bronca portanto foi o menos; o pior veio a seguir quando a minha avó teve a infeliz ideia de perguntar à prima Otília que presente de Natal é que lhe tinham dado os patrões do escritório onde ela trabalha e a parva descaiu-se a dizer que, do senhor Benjamim, recebeu um jogo de calcinhas e soutien em nylon, e do senhor Canelas, um vibrador-masturbador japonês, muito bonito, todo transistorizado.

Ora, ao ouvir isto, o Fernando, que é o marido da Otília e tinha metido na boca uma grande garfada, engasgou-se, engoliu uma data de espinhas de bacalhau, cuspiu o resto no prato do meu avô e desatou ao bofetão à mulher: «Sua cabra! Sua ordinária!» e a dizer que ia enfiar o vibrador pelo cu do Canelas acima e partir os cornos ao porcalhão do Benjamim.

E a palerma da Otília, em vez de se calar, como era a obrigação dela, cresceu para o marido que até parecia uma leoa: «Tire as patas de cima de mim, seu cabrão! Você é que tem cornos e dos grandes, ouviu?» E ele, todo a tremer: «Eu?! E ainda o dizes, grandessíssima puta?» E a Otília: «Pois digo para vergonha tua, que nem és marido nem nada! Se não fossem os meus patrões não sei o que seria de mim?». E desatou a chorar baba e ranho e então o Fernando agarrou na faca de cortar o bolo-rei e toda a família se pôs a gritar «Ai que ele mata-a! Ai que ele mata-a!», mas o meu pai tirou-lhe a faca e o tio Arnaldo obrigou-o a sentar-se na cadeira, deu-lhe palmadinhas nas costas e disse-lhe: «Não ligues ao que ela diz, pá, que as mulheres são todas umas putas», e ele ao ouvir estas boas palavras, ficou mais sossegado e até alargou um furo ao cinto para continuar a comer.

O pior é que a tia Palmira não gostou da conversa do marido e começou a refilar que não queria confusões, que se as outras eram putas ela era uma mulher séria, que quem não se sente não é filho de boa gente, etc., etc., mas o tio Arnaldo que é um bocado bruto atirou-lhe logo esta a matar: «Escusas de armar em séria, que todos sabem que andaste enrolada com o Gonçalves da farmácia quando ele te tratou do eczema»; e ela, logo: «E tu com a Gracinda da peixaria, que até escamas de pargo trazias para casa nas cuecas!» E o tio Arnaldo, muito fodido: «As escamas de pargo não são aqui chamadas para nada, porra!» E, ao dizer isto, deu tal murro num prato de filhoses que saltou calda para todo o lado e até eu fiquei com o cabelo enchapoçado dela. E o meu pai que ia acudir pela tia Palmira, esteve vai não vai para apanhar outra vez com o galheteiro, pois a minha mãe tinha-o sempre debaixo de olho; enfim, só visto!

O que valeu para que a festa de Natal não ficasse estragada foi a minha madrinha impor-se, visto ser ela a dona da casa, e avisar que não consentia faltas de respeito, que aquilo ali não era nenhuma taberna e que achava uma sacanice estarem a encher o bandulho à custa dela, com a comida cara como estava, e a portarem-se que nem javardos em vez de se mostrarem agradecidos. «Ou comem de bico calado ou vai tudo para o olho da rua!» disse ela e ninguém refilou; durante algum tempo só se ouviu mastigar, até que o senhor Aguinaldo, o sacana do velhote que está amigado com a minha madrinha e que até aí só abria a boca para meter para dentro, resmungou lá do canto que no olho da rua já nós devíamos estar há muito e que se a família dele fosse ordinária como a nossa já a tinha rifado. Um gajo bera, palavra de honra; não são coisas que se digam assim na frente das pessoas e ainda gostava de ver que merda de família é a dele; cheira-me que é para ali uma ciganada cheia de putas, chulos, sovaqueiras e arrebentas.

Mas a minha mãe, que tem muito jeito para compor as coisas quando não está com a bolha, disse que o melhor era a minha madrinha abrir a televisão, que tem programas muito bonitos no Natal, porque as conversas não fazem falta para nada e a gente não estava ali para conversar mas para comer e que assim as crianças sempre estavam mais distraídas. Foderam-me!

Foi assim que tive de gramar duas horas de chachadas como essa porcaria das canções do Natal, das entrevistas do Natal, das tradições do Natal, dos votos de Natal e até dos anúncios do Natal, sem ter feito mal a ninguém. Não é que eu goste de chavascal e sarrafada, mas, mal por mal, ainda preferia ver os parentes todos à porrada e a descobrir o cu uns aos outros do que ver a merda da televisão.


Texto: by José Vilhena
Imagem: by me