terça-feira, 14 de dezembro de 2010
Olha ao que eu digo, não olhes ao que eu faço!
Comprei um livro. Em boa verdade, comprei uma catrefa de livros.
É o que acontece quando se vai a uma feira de livros temática e o tema é a fotografia. Foi a primeira do género, ao que sei, em Portugal, e aconteceu este fim-de-semana na Fábrica Braço de Prata, em Lisboa.
Vários livreiros, várias editoras e senti-me como que um puto numa loja de doces. A dificuldade na escolha não esteve no que trazer mas antes no que deixar ficar, considerando o orçamento disponível. E, das conversas tidas com quem ali vendia, fiquei a saber, para minha satisfação e a de todos os que se interessam sobre o assunto, que a livraria “Ler devagar”, nesse edifício sedeada, ficará a ter em catálogo todos os livros da editora GG (Editorial Gustavo Gili), que se recomenda sem reservas de espécie alguma.
Pois eu comprei livros para ler, livros para ver, livros para ler e ver, todos eles, espero, para serem lidos ou vistos mais que uma vez. De autores conhecidos, outros nem tanto.
Mas um houve que tive dificuldade em comprar. Não pelo preço, que até nem era exorbitante. Não pelo volume, que ainda que grande, não me assustou. Não pela língua, que o inglês até que domino mais ou menos bem. Pelo tema!
Chama-se “Things as they are” e é uma contextualização das fotografias premiadas do “Worls Press Photo”.
Acontece que tenho uma malapata com este prémio. Tão grande ou tão pequena que não vou às suas exibições em Portugal (fui duas vezes, corrija-se) e tenho vindo a desaconselha-la vivamente a alunos e companheiros de conversa.
Entenda-se que não ponho em causa a qualidade dos trabalhos apresentados. São, na sua maioria, muito bons. Sinónimo dos bons fotógrafos que existem, foto-jornalistas ou outros.
O que ponho em causa, e muito vivamente, é o critério da sua selecção. São fotografias publicadas na imprensa, ilustrando ou servindo de base a artigos jornalísticos. Algumas mesmo foram capas de publicação.
A questão que ponho é que são, na sua esmagadora maioria, fotografias relacionadas com tragédias: assassinatos, fomes, guerras, acidentes naturais ou não… mesmo as que mostram a natureza, referem o acto de caçar e matar. E, no desporto, raras são as que mostram outros que não os vitoriosos, ou, em alternativa, a violência no desporto.
Completamente de fora desta selecção ficam todas as outras fotografias, também publicadas em periódicos, que referem outros temas, alguns inócuos, outros belos, e que excluem a violência e a tragédia. A imprensa, que não a generalista e que elege a tragédia e a desgraça como capa, tem óptimos fotógrafos. Na publicidade, na decoração, na moda, na natureza, nas tecnologias, nos automóveis… São mais que muitos os temas fotografados e publicados, fazendo capa de jornais e revistas, que atingem altos níveis de qualidade. No entanto…
No entanto só são eleitas como boas fotografias de imprensa as que mostram o lado negativo do ser humano ou do planeta em que vivemos. E não posso deixar de contestar este tipo de abordagem!
Eu não quero contribuir com o preço da minha entrada e a estatística da minha presença para dar ênfase ao evento! Da mesma forma que não recomendo que neófitos na fotografia a frequentem porque, face à notável qualidade das imagens exibidas, ficarão os menos avisados com a convicção que aquela é a única forma de fotografar o mundo que nos cerca. E, pela certa, não é!
A esse respeito, e enquanto estive ligado a escolas de audiovisuais, tive algumas discussões acaloradas com as direcções, face ao meu veto a essas exposições. Ganhei-as todas, ainda que tenha que reconhecer que foi mais pelo cansaço dos meus oponentes que pelos meus argumentos. Mas como, e até hoje, ainda ninguém me argumentou de forma tão sólida que me convencesse do contrário, continuarei a não ir e a fazer com que lá não vão.
A questão põe-se, agora, de outra forma: porque fui eu dar bom dinheiro num livro sobre um tema que contesto? Essa foi a minha dúvida na altura. E um pouco ainda agora, admito.
A resposta será, talvez, porque conhecer a fundo aquilo que contestamos apenas nos leva a melhor evita-lo ou contra isso argumentar. E sendo que a qualidade das fotografias é incontestável, ver coisas bem feitas, ainda que do “inimigo”, de quando em vez apenas nos irá enriquecer. E perceber o contexto em que uma imagem é escolhida no meio de muitas outras (ou uma reportagem fotográfica) também é enriquecedor.
E foi assim que comprei um livro entre muitos outros, que muito hesitei em comprar, e que aqui está à espera que eu mesmo tenha tolerância suficiente para nele mergulhar.
Texto e imagem: by me
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