quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

A cadeira



Esta cadeira não está jogada fora.
Não é lixo nem está abandonada à triste sorte de ser convertida em lenha nestes dias frios que vamos vivendo.
Também não é uma intervenção artística, ao estar assim, despida de assento, e encostada ao tronco rugoso de uma oliveira urbana, numa tentativa de nos recordar que é das árvores que vem a matéria-prima de muito do que usamos.
Da mesma forma, não é um fantasma de outros tempos, mantendo-se impoluto ao ocultar o ponto onde os rabos assentavam.

Trata-se, antes sim, da cadeira usada neste local de comércio. Sim, porque aqui, neste pedacinho de terra batida, na beirinha do passeio por onde muitos, eu próprio incluído, passam a caminho ou de regresso do trabalho, acontece comércio e indústria. De uma forma pouco comum, por cá, mas ancestral e suponho que rentável.
É aqui que uma senhora de meia-idade e de origem africana, visível pelo tom de pele e pelos trajes que faz questão de usar, assa espigas de milho, nas brasas de carvão, vendendo-as a quem passe. Por vezes são duas ou três que ali estão, em amena cavaqueira ou tão só olhando quem passa, ocasionalmente acompanhadas de pequenotes. Suponho que estes aquando do encerramento da escola.
Não sei quanto cobram pelo que vendem, nem se é bom ou nem tanto: nunca meti conversa com elas ou consumi o que produzem. É que, e ao contrário de outros negócios de rua, este parece ser destinado a um público bem definido no qual, e pelos olhares que recebo em passando, não tenho cabimento.
Mas cabe perfeitamente naquela parte da minha alma onde guardo as coisas boas que vivo, o facto de estas senhoras manterem impecavelmente limpo este pedacinho de terra batida, bem como o passeio adjacente, a despeito do que acontece em redor, com lixo largado negligentemente ou trazido pelo vento. Aliás, possuem uma pequena vassoira com a qual vão fazendo questão de manter imaculada a zona.
E quando, no final da jornada, se retiram, os únicos vestígios que restam são a limpeza do local e a cadeira.
Cadeira que é deixada assim, porque inútil para quem quer que seja excepto para quem traga o assento respectivo. Que elas trazem. E bem mais cómodo de transportar que a cadeira por inteiro.
Não as tenho visto nestes últimos tempos. Nem conto vê-las por mais algum. As temperaturas, bem como a chuva, não são propícias a vender (ou comprar) o que quer que seja a descoberto.
Fica a cadeira, senão a marcar o lugar como um código não registado, pelo menos a lembrar os potenciais clientes que ali, sem tecto nem balcão (e talvez sem licenças) se vende milho assado na hora e na massaroca.


Texto e imagem: by me

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