terça-feira, 31 de maio de 2016

O cálice



Quando o vi na montra não resisti e entrei. Haveria de saber o preço e, sendo comportável, viria comigo. E, de caminho, a taça prateada que estava noutro ponto da montra, que talvez não com a mesma origem ou época, mas bem que poderiam fazer “panelinha” com o cálice numa das minhas brincadeiras.
Mas o objectivo principal era o desafio: um cálice como este, deste material bem reflector e multi-curvilíneo é um desafio fotográfico dos maiores. Conseguir fotografá-lo, mostrando a matéria de que é feito, as formas que possui e não ter formas ou objectos distractivos reflectidos na sua superfície.
Um desafio dos grandes.
Que tratei de tentar solucionar mesmo na rua, em condições em nada controladas.
Uma das técnicas, parece-me, é a questão da luz, da quantidade e qualidade de luz. Ter a fonte de luz principal do lado de lá (o tal lado de que gosto), de forma a que não se reflicta na superfície do nosso lado. Ao mesmo tempo, tentar que câmara e fotógrafo estejam pouco iluminados, na sombra se possível, para que o seu reflexo, existente no metal, seja de pouca monta. E, ao mesmo tempo, criar um fundo luminoso e atractivo que, ao captar a atenção, distraia o olhar do que possa estar reflectido do lado de cá.
Tudo isto é teórico. E funciona na prática. Convém é ter meia dúzia de acessórios que ajudem a controlar a luz, a sombrear o fotógrafo, a suportar no local certo o cálice… não tinha nada disso comigo esta tarde, na rua, e isto foi o melhor que consegui fazer hoje e de improviso.

O que acaba por ser curioso é nesta mesma tarde, em três locais distintos (na loja onde o comprei, numa loja de artigos infantis didácticos e num novo negócio agora surgido na sede do meu concelho e sobre fotografia) acabei por falar de fundos, da sua importância para isolar o assunto principal, de como variando a quantidade de fundo para um mesmo tamanho de assunto principal conta histórias diferentes, de iluminar de lá para cá, nem que seja com a chamada “luz de recorte” para fazer sobressair do fundo e dar volume…

É curioso como a esmagadora maioria das pessoas, mesmo alguns profissionais, se esquecem que o tratamento do primeiro plano é tão importante quando o do fundo ou segundo plano.
Por vezes, é essa diferença de tratamento que transforma uma fotografia numa photographia.

O meu cálice ainda precisa de ser tratado.

By me

.

Saiba-se que há uma forma infalível de não perder pontos na carta de condução. Infalível!
Como?

Fácil. Basta cumprir o código.
.

.

Sobre a questão dos números de quantos estiveram domingo em frente à Assembleia da República, apenas cogito o seguinte:


Será que acham que naquele espaço estiveram 10% dos que encheram a praça de Espanha em 15 de Setembro de 2012?

Do sobre a utilização da imagem fotográfica – parte 4




Pudor!
É uma palavra que todos conhecem mas da qual raramente nos lembramos. Um destes dias ouvi-a num contexto curioso e fiquei com ela na cabeça.
Era a palavra que me faltava e que melhor descreve alguns dos meus sentimentos.
Tenho pudor em fazer certas fotografias.
Há 38 anos que faço televisão. Comecei ainda no tempo do preto e branco e da aventura do inicio da cor. Cem por cento, menos umas milésimas de unidade, das imagens por mim captadas, registadas e transmitidas foram de seres humanos.
No estúdio e no exterior, dentro e fora do país, anónimos ilustres e ignóbeis figuras públicas, ou qualquer outra combinação, como entenderem.

Em todas elas, de uma forma mais ou menos explícita, existiu uma cumplicidade no fazer dessas imagens. A câmara estava lá, bem visível, e o cidadão sabe que eu estou lá, o que estou a fazer e para quê. Uns exibem-se e quase que pagam para constar no registo ou transmissão, outros são apanhados ao correr da objectiva, mas nada há de sub-reptício.
Além do mais, mercenário que sou da imagem televisiva, não me sinto eu, enquanto indivíduo, a fazer aquelas imagens. Faço parte de uma equipa, de uma organização. A minha co-responsabilidade na captação e utilização das imagens que faço é limitada. Ainda assim, alguns escrúpulos que tenho tido ao longo dos tempos, têm-me trazido alguns amargos de boca.
Já enquanto fotógrafo a minha atitude tem sido diferente.
Raramente fotografo pessoas desconhecidas ou anónimas. Pelo menos ao ponto de estarem em evidencia no enquadramento ou de serem reconhecíveis.
Os trabalhos que tenho feito a pedido (não gosto do termo profissional) têm sido na área do teatro, da publicidade e da arquitectura, passando ao de leve pela reportagem.
Nestas circunstâncias, as figuras fotografadas fazem parte do evento e querem “ficar no boneco”.
Mas, sendo o Homem aquilo que quero retratar nas minhas imagens pessoais - aquelas que faço para minha satisfação exclusiva -, procuro fazê-lo sem que conste explicitamente delas.
Aquelas imagens de instantâneo – uma expressão, um gesto, um evento – que poderia fazer para meu prazer e deleite, não as faço. Tenho pudor!
Com conhecidos, próximos ou não tanto, sou mais atrevido. A cumplicidade existe, as pessoas em causa sabem o que sou e o que faço e, se bem que possam não “se fazerem à fotografia”, sabem que ela pode acontecer e comportam-se mais ou menos em conformidade.
Agora os estranhos, aqueles que apenas me conhecem de vista ou nem isso, vivem a sua vida ignorantes da possibilidade de eu os poder fotografar. São o que são, sem reservas, acanhamentos ou exibicionismos, alegres, tímidos, carinhosos ou bem pelo contrário, inconscientes que um gesto, uma expressão pode ficar registada para todo o sempre.
Da mesma forma que não espreito ou fotografo para dentro de janelas alheias, também tenho pudor em o fazer quando estão da parte de fora delas.
Esta minha atitude e sentimentos é tanto mais forte quanto mais “frágil” é a pessoa ou situação em causa. As misérias, materiais ou outras, tantas vezes vistas em espaços públicos, estão ali porque não podem estar em qualquer outro local privado.
Os pedintes, vagabundos, sem abrigo, catadores de lixo, para não citar todos, são-no, estão-no e fazem-no não por vontade própria mas como último recurso, muitas vezes já sem pudor algum porque não se podem dar a esse luxo. A seguir a este degrau…
Se eu soubesse, com certezas ou alto grau de probabilidade, que o eu fazer estas imagens iria de alguma forma melhorar-lhes a vida – na auto-estima, na fome, na saúde ou no conforto – esta minha invasão das suas intimidades públicas poderia fazer algum sentido.
Mas eu sei que do meu acto de fotografar nada de diferente lhes acontecerá. Apenas ficarei com mais um troféu de caça na minha galeria que, eventualmente, exibirei dizendo: “Vejam o que eu vi, sintam o que eu senti!”
Poderão dizer os fotojornalistas: “Mas uma das missões nobres do nosso ofício é denunciar as misérias do mundo e tentar com isso melhora-lo!”
É verdade que sim! Tal como eu o faço com a minha câmara de vídeo, que é o meu ofício.
Mas as minhas fotografias não se destinam a nenhuma publicação, de pequena ou grande tiragem. Faço-as porque me dá prazer fazê-las e, raramente, exibi-las, se as entendo como capazes e se me apetecer.
Se, de alguma forma, as imagens que faço e exibo podem melhorar o mundo, não sei, ainda que o tente. Mas prefiro fazê-lo mostrando os objectos, a luz, as atmosferas, as consequências e as causas e não as pessoas em si mesmas, não violando a sua privacidade pública.
Há uma palavra que define o que sinto e que me inibe de fotografar amiúde desconhecidos:

Pudor!

By me

segunda-feira, 30 de maio de 2016

Do sobre a utilização da imagem fotográfica – parte 3


Precisei, ainda não há muito tempo, de renovar um documento de identificação com fotografia.
Fui a três fotógrafos diferentes fazer fotos tipo passe, tendo aproveitado a menos má, que não significa "boa".
Nem sei para que me dei a trabalho, se no cartão se pode ver este trabalho, merecedor nem sei de quê mas no mínimo de açoites em praça pública.

By me

.

Vou presumir que todos saibam o significado do prefixo “in” na língua portuguesa.
Eis alguns exemplos: “infeliz”, “incapaz”, “inútil”, “inglório”, “incontinente”… São muitos os exemplos possíveis.

Por isso mesmo, gostaria que não se esquecessem desse significado ao usarem o termo “informação”.

.

Sentir-me-ei agredido quando alguém me quiser proibir de expressar o que sinto ou penso.
Quer essa expressão seja pela palavra falada, escrita, pela imagem fotográfica ou videográfica, pelo gesto, pela manifestação nas ruas…
Qualquer limitação à minha liberdade de expressão será sempre uma violência.

Exactamente por isso, gostei que tivesse acontecido a manifestação de ontem, em Lisboa.
Discordo em absoluto com os motivos apregoados para que tivesse acontecido, mas fico satisfeito que ela pudesse ter acontecido. A liberdade que exijo para mim é a que exijo para os outros. Ponto!
Do mesmo modo, em nada me incomoda que o José Cid tenha dito o que disse, há uns seis anos, sobre os transmontanos.
A liberdade de dizer o que se pensa tem que ser total, mesmo que ultrapasse os limites do absurdo, do insulto, da pura demonstração da falta de inteligência ou respeito para com os outros.
Se o José Cid pensa dessa forma e o diz em público, é um direito que lhe assiste. Tal como será direito de qualquer outra pessoa concordar ou não com ele ou fazer ou não negócio com ele, consumindo os produtos que vende ou as músicas que compõe e canta.


Mas o direito à estupidez é inalienável!
.

domingo, 29 de maio de 2016

.

Esta questão dos contratos a colégios privados e o confronto ideológico que está a provocar, recorda-me um episódio com uns anos:
Durante a campanha que antecedeu o referendo sobre a IVG, vulgo aborto, foram feitos diversos inquéritos de opinião para a comunicação social. O depoimento de uma senhora já idosa e de uma aldeia do interior para as câmaras de televisão foi bem esclarecedor:
"O aborto não, credo! É pecado! Ainda se for um desmancho... Agora aborto é que não."
São os cidadãos assim influenciados, manipulados, levados a agir de acordo com o que lhes enfiam na cabeça e não de acordo com as suas próprias convicções. Por vezes contra elas, de tal calibre é a manipulação.

Arre gaita! Pensem, pela vossa saúde!
.

.

I’m blue!
Não é uma mera questão de estar melancólico ou triste, mas antes porque o azul é a cor oposta do amarelo.

Today I’m blue!
.

Do sobre a utilização da imagem fotográfica – parte 2



A imagem que aqui se vê foi feita em 1897.
Trata-se da fotografia de António Conselheiro, um líder carismático e quase messiânico que liderou uma comunidade no nordeste brasileiro. Comunidade composta por “sem terra” como hoje chamamos, e que baseava a sua organização na efectiva partilha do muito pouco que possuíam, enquanto se preparavam para uma vida melhor.
Este tipo de organização era muito pouco consentâneo com o demais Brasil, pelo que foi reprimido e extinto pela força das armas, na chamada “guerra dos Canudos”. Falam as crónicas que terá sido um massacre, já que todos os viviam no lugar de Canudos foram mortos pelo exército chamado a intervir, incluindo mulheres e crianças.
Acontece que esta fotografia foi feita uns quinze dias depois de ele ter sido morto.
Ao que julgo saber, terá sido chamado um fotógrafo militar, terá sido desenterrado o líder vencido, e feita a fotografia.
O intuito de tal “imagem macabra”, como muitos hoje lhe chamam, foi o divulga-la pelos jornais de todo o país, numa demonstração palpável e visível de que o líder temido estava realmente morto e que os ânimos poderiam serenar. Mais que uma perpetuação para além da morte, uma demonstração de morte.

Ou, se se quiser usar outros termos, uma demonstração de poder por parte do poder, usando a imagem fotográfica como testemunha incorrupta e os media como divulgação dessa mesma verdade.

By me 

sábado, 28 de maio de 2016

Imago



Para quem não saiba, esta é a imago (ou a representação tri-dimensional) do rosto de Pancho Villas.
Foi feita a partir de uma máscara moldada na face do defunto, seguindo métodos bem antigos.
Tão antigos quanto os usados na Roma antiga, em que estas imagos eram colocadas em local de destaque na habitação senhorial, reverenciando os antepassados.
Saiba-se que o nosso termo "imagem" provem do milenar "imago".

Por outras palavras: as imagens, mesmo as fotográficas, mais não são que o perpectuar ou reverenciar o passado.

By me

.

Até há pouco meses tinhamos alguns orgãos de comunicação social (tv, rádio, imprensa) que eram tão pró-governamental que até incomodava tomar conhecimento do que informavam.
Hoje, esses mesmos são tão contra o governo que nos levam a pensar se não serão antes agencias de comunicação ao serviço de ideologias, em vez daquilo que apregoam ser. 
.

Citações



E porque o dia começa de manhã, aqui fica o pensamento do dia, que me acompanha todos os dias, e que é de Almada Negreiros:


“Não sou nem pessimista nem optimista. Entre mim e a vida não há mal-entendidos.”

By me

sexta-feira, 27 de maio de 2016

.

Alguém que tem uma conversa privada com outrem e vem depois divulgar o seu conteúdo sem autorização ou conhecimento do seu interlocutor merece alguma credibilidade ou respeito?
Aparentemente, e a dar fé nas declarações do Presidente da República, foi o que sucedeu com os representantes dos colégios privados que se queixam que lhes estão a tirar alunos do ensino público.

Já agora: são estas pessoas que queremos a ensinar as nossas crianças e jovens? Com estes comportamentos?

O que importa



Foi algo que aprendi há muito tempo, nos primórdios da minha actividade profissional:
Numa orquestra os instrumentos dividem-se em naipes: cordas, sopro e percussão. Os de sopro dividem-se entre metais e madeiras, o de cordas entre tangidos e dedilhados. E, claro, por instrumentos: do violino à trompa, dos tímbales ao violoncelo, das flautas ao piano, etc, etc, etc.
Indo mais longe, fazia parte da minha formação profissional saber identificar visualmente cada um deles e saber em que lugar de uma orquestra cada naipe e cada instrumento se coloca.
Indo mais longe ainda, saber como se toca cada instrumento, mesmo não sabendo tocar, para saber como o mostrar ou captar: como o instrumentista age, por onde sai o som, qual ou quais os locais mais importantes na virtuosidade do músico…
Fazia tudo isto parte da minha formação profissional, tal como fazia o saber das regras dos diversos desportos, individuais ou colectivos, com ou sem bola, saber quem é quem numa formação ministerial, saber o que é a “crença natural”, conhecer e identificar diversos rituais nas celebrações religiosas, etc, etc, etc.
Dir-me-ão, por exemplo, que é pouco importante saber que, numa missa, parte das leituras do livro sagrado só se fazem pelo sacerdote, enquanto que a outra parte é indiferente ser um sacerdote ou um membro da comunidade a ler para todos ouvirem.
Dir-me-ão, por exemplo, que é pouco importante saber que nos jogos de hóquei em campo o taco só pode tocar na bola de um lado, sendo falta se for com o lado oposto, o rombo.
Dir-me-ão, por exemplo, que é pouco importante saber que a mão que define a nota que se ouve num violino ou guitarra ou qualquer outro instrumento de cordas é a que se aplica no braço e não a que dedilha ou tange as cordas.
Todos estes conhecimentos (e tantos outros tão díspares) parecem ser inúteis à esmagadora maioria das pessoas. Mas no meu ramo profissional é vital sabê-los, já que é desse saber que depende a maior ou menor qualidade do produto que entregamos.

A quantidade de coisas que hoje se não sabe nota-se na qualidade daquilo que se consome. E que eu vejo produzir.
Mas tal como temos o “fast food” que, e como me disse uma amiga, “dura pouco”, também hoje o meu ramo profissional é de “consumir e deitar fora”. Rapidamente, que muito mais para consumir vem atrás.
E o nível qualitativo do que hoje se produz está, na esmagadora maioria das vezes, na proporção directa da quantidade do que se produz.
Pensam muitos dos responsáveis de produção que se o consumidor não diferencia o bom do mediano do sofrível, porque nem tem tempo para isso, para quê investir no bom quando o sofrível se consome da mesma forma e quantidade, sendo muito mais barato de produzir?

Os “Fast Food”, tal como os “Fast Afectos” e os “Fast Cultura” são os cancros que irão fazer cair esta sociedade, tal como caíram as sociedades grega, romana, chinesa e tantas outras.

Fica a pergunta: daqui por 500 anos, que nome darão à sociedade de hoje?

By me

Bélinhas

Não! Não são as carências de quem deixou de fumar. Já lá vão cinco meses e este tipo de coisas não me acontece.
Mas o certo é que tenho umas saudades assim como que daqui até ali das Bélinhas!
Não sei se se recordam delas:
Umas bolachas pequenas, de formato quase circular, mas só quase, bolacha por dentro, chocolate por fora, daquele chocolate que derretia mesmo nos dedos se as segurássemos por um nico mais de tempo.
Bélinhas, que se vendiam em sacos de plástico transparente, apenas com o nome, fabricante e composição, mas que lá em casa se guardavam numa lata para que ficassem fora da vista. E já se sabe: longe da vista, longe do coração e da boca.
Não sei quem as fabricava. Nem sei se quem as fabricava ainda existe. Nem sei se, fabricadas hoje, resistiriam às malhas apertadas das inspecções económicas, sanitárias, alimentares e ofícios correlativos.
Mas que se regressassem ao mercado haveriam de ser um sucesso entre miúdos e graúdos, lá isso seria.

Ai as saudades que eu tenho de me lambuzar todo com Bélinhas…!
.

quinta-feira, 26 de maio de 2016

.

Eu sei que vou voltar à carga, mas quando penso que escolheram a cor amarela para se manifestarem, recordo sempre os fura-greves.
.

As camisolas



Talvez que eu seja muito estúpido, mas a pergunta está cá, com a dúvida instalada.
“Quem paga, com que fundos e com que organização a nível nacional, as camisolas amarelas que temos visto nas notícias e que ainda veremos?”

A menos que sejam realmente poucas, umas poucas de dúzias, e estejam a passear pelo país, alternando de manifestação em manifestação e de corpo em corpo. Nem quero saber, neste caso, o estado de higiene que terão quando acabar questão nacional.


Imagem palmada da net
By me

Postais ilustrados



Os postais ilustrados da modernidade já não se mandam pelo correio para os amigos ou parentes que não vieram de férias connosco: mandam-se por e-mail ou rede social.
Mas as que se compram-se encontram-se em bancas para turistas, já emoldurados, fotografia-tipo, com assuntos-tipo e tratamento-tipo, tão iguais entre si que podemos escolher uma de olhos fechados: as cores bem saturadas, as janelas, os batentes, os eléctricos (estes amarelos em fundo em preto e branco), as escadinhas, as ruínas…
É isso mesmo: as ruínas!
Quem quer que olhe para estas imagens que se vendem nos muros ou bancas de zonas turísticas constata que o Portugal assim ilustrado é a decrepitude dos locais, é o passado mal conservado, é a estagnação no tempo, é a tipicidade mantida para o turista antes que caia de velho e podre.
Como se o país que queremos mostrar fosse exactamente esse: velho, agarrado ao passado, podre.
Não vemos nesses “postais-ilustrados” a novidade nas cidades, a modernidade, a evolução, os espaços arranjados, as novas linhas arquitectónicas e paisagísticas… apenas o velho, quase a cair de podre, o típico a cheirar a mofo.
O que é grave é que, para além de impormos esta “imagem” aos turistas, também é isso que muito se fotografa pelos nativos.
Quem for dar uma olhada pelos sites e páginas de fotografia, verá que o comum amador (nenhuma carga negativa neste termo, por favor) também fotografa o “velho”, o “típico”, o “decrépito”… como se fosse uma obrigação só fotografar isso mesmo.
E, ainda mais grave, com a mesma abordagem estética: Detalhes descontextualizados, cores bem saturadas, a lembrar os maus catálogos de tintas, os centros de interesse a cor e o resto em preto e branco, como se o fotógrafo, mais que saber fazer um enquadramento, quisesse mostrar que domina os processadores de imagem. Por vezes até sem saber enquadrar e recorrendo a essa técnica para o disfarçar.

Da música à roupa, dos vocábulos à fotografia, as modas vêm e vão.
Espero que esta moda das fotografias de turismo e paisagem urbana evidenciando a decrepitude passe rapidamente.
Que o país é bem mais que apenas isso!

E a fotografia também.

By me

terça-feira, 24 de maio de 2016

Citando

“Há um lugar especial reservado no inferno para aqueles que, em tempos de crise moral, se mantêm neutros.”

Parece que terá sido Dante Alighieri que terá dito isto.

O meu aplauso!
.

Auto-retrato



By me

segunda-feira, 23 de maio de 2016

A cabine



“Boa tarde! Faça o favor…?”
“Boa tarde! Eu queria falar com o sr. Duarte.”
“Com certeza. E quem é que quer falar com ele?”
“Eu disse que queria falar com o sr. Duarte.”
“E quem é que quer falar com o sr. Duarte?”
“Eu queria falar c…”
CLIC
A situação ou diálogo repetiu-se.

Só aquando da terceira ligação, sempre de número explícito, é que do outro lado se identificaram. Por sinal de uma loja onde eu havia feito uma encomenda, a avisarem-me que já lá estava o que tinha pedido.

No meio de tudo isto, o que tem mesmo piada é ter acontecido pouco depois de eu ter feito algumas fotografias em torno de uma vetusta cabine telefónica, que quase só existe para turista ver. De uma época em que ninguém se lembraria de iniciar uma conversa telefónica sem ser pela sua própria identificação.

Outros tempos.

By me 

Amarelo



Gosto de fazer interpretações sobre os motivos que levam pessoas (individuais ou colectivos) a terem esta ou aquela atitude.
Nos últimos dias temos visto inúmeras notícias sobre os contratos de associação de alguns colégios privados.
Sendo certo que a cor escolhida para as camisolas dos alunos, pais e professores foi a amarela, fui saber no “Dicionário das cores do nosso tempo”, de Michel Pastoureau, qual o significado do amarelo.
Eis o que li:

“Eis como poderia apresentar-se um quadro de resumo das diferentes funções e significados da cor amarela na cultura ocidental, tal como são invocados nas entradas deste dicionário.

1) Cor da luz e do calor;
A mais luminosa das cores; pinta-se de amarelo aquilo que tem que se ver bem (bola de ténis);
Nos seus desenhos, as crianças pintam a luz sempre de amarelo (portas ou janelas iluminadas);
Cor do sol, das férias, ligadas aos tempos livres. Contrário do cinzento, da vida quotidiana (cf. Publicidade).
2) Cor da prosperidade e da riqueza:
Antigamente, as espigas de trigo, os cereais, símbolos da riqueza;
O ouro, os tesouros, as moedas. Assimilação amarelo/ouro;
Cor dos ricos e dos poderosos (cor do imperador na China);
Camisola amarela no primeiro classificado na Volta à França (Na origem deste amarelo está a do jornal L’Auto, que organiza a competição).
3) Cor da alegria, da energia:
Gosto das crianças pela cor amarela;
Medicamentos tónicos, fortificantes: de cor amarela ou alaranjada.
4) Cor da doença e da loucura:
Cor da bílis das doenças do coração, da acidez (amarelo/esverdeado);
Cor do enxofre (má reputação);
Cor da loucura (associada ao verde), pelo menos a partir do séc. XIII; cor da extravagancia e do disfarce.
5) Cor da mentira e da traição:
Cor de Judas e da Sinagoga (Idade Média);
Cor imposta aos Judeus (estrela amarela), aos excluídos e aos reprovados;
Cor dos traidores, dos cavaleiros desleais, dos falsos moedeiros (no séc. XVI as suas casas eram pintadas de amarelo);
Cor dos fura-greves, dos trabalhadores que atraiçoam em favor do patronato;
Cor dos maridos enganados (já atestada no séc. XVII).
6) Cor do declínio, da melancolia, do Outono:
Tudo o que é “amarelecido”.”


Imagem: roubada da versão on-line do jornal “Diário de Notícias”

Ao domingo



Faz todo o sentido, principalmente se pensarmos que a fotografia foi feita num domingo e num bairro essencialmente residencial.

By me 

domingo, 22 de maio de 2016

A tela



Faltou a grande cortina com os anúncios, locais as mais das vezes, para desafiarmos os compinchas a encontrar aquela palavra difícil e escondida.

Quanto ao resto, foi bom regressar a uma muito grande sala de cinema que, admirem-se e roam-se de inveja, não tem pipocas.

By me

.

É verdade que sim, que gosto de falar de fotografia.
A questão que se põe é:

Quando é que aprendo a falar apenas daquilo que sei?

Ao fim da tarde



Houve um dia, esta semana, em que a tarde acabou assim.

Quando? Na antevéspera de Lua Cheia.

By me

sábado, 21 de maio de 2016

.

Podemos negar, inventar, justificar, contextualizar… podemos um montão de coisas menos apagar os factos.
E o certo é que no início dos anos 90 parava junto ao local onde trabalhava um carro que no vidro de trás tinha um autocolante com os seguintes dizeres:
“Quando deus criou o mundo, devia estar louca”

É meu privilégio que quem então possuía esse carro ainda hoje trabalha comigo.

Casa Ângulo



Confesso que nunca tive certezas sobre o nome: se referia a visão se o cruzamento onde se situava.
Mas o certo é que a casa Ângulo, na esquina da rua da Prata com a rua da Vitória, era uma das mais antigas a vender artigos fotográficos novos e usados. Os novos no balcão da entrada, os usados no balcão dos fundos, em descendo o degrau.
Hoje é o que se vê, uma casa de recordações para turistas, no meio de tantas na baixa da cidade, um sucedâneo uma casa de camisas. Não sei que outros negócios aqui se fizeram, entre os artigos fotográficos (eu ia sempre lá para os fundos) e as camisas.
Ficou a olhar para mim, a mocinha, quando lhe pedi para fazer a fotografia e expliquei o motivo.
Curiosamente, a única condição foi que preservasse a privacidade dos clientes, que eram dois no momento. Ainda há alguém com essa preocupação, e disse-lho.

Quanto ao resto, fica a memória. A minha e a de quem ali fez bons negócios como eu, a maioria dos quais ainda em funcionamento aqui por casa.

By me 

sexta-feira, 20 de maio de 2016

P'la janela



A ideia era fotografar o nascer da Lua.
Estava já calculado o ponto aproximado onde subiria acima do horizonte, a relação do seu brilho com a iluminação existente na terra e no pedaço visível também estava prevista, permitindo detalhes em ambos os planetas, no horizonte algumas instalações comerciais já teriam a essa hora as suas luzes exteriores acesas, aumentando a multiplicidade de temperaturas de cor…
Tudo estava previsto excepto a neblina que caiu uma meia hora antes do momento mágico e que impediu de ver o astro dos namorados até um bom pedaço depois de ultrapassar o ponto em que o queria.
Um fiasco, já que as condições planetárias só se repetirão daqui por 28 dias e não nos mesmos pontos exactos nem com os mesmos valores de luz.
Regressei a casa frustrado e, só para não se dizer que não fiz uma fotografia que fosse, eis a janela do meu quarto, por dentro.

A luz que vedes em baixo não é da Lua; é mesmo um candeeiro do outro lado da praceta.

By me 

.

Parece que os maços de cigarros vão passar a ter imagens aterradoras, com o intuito de levar as pessoas a largar o vício.
Consigo imaginar: políticos pouco honestos, dirigentes desportivos sem escrúpulos, escritores da moda, figuras decorativas do jetset, politólogos…

Ainda bem que deixei de fumar.

.

Muito se vai falando da obsolescência programada.
De como os objectos são hoje fabricados para terem um tempo de vida controlado, obrigando à sua substituição. Electrónica e mecânica.
Esquecem-se todos esses que nós, humanos, temos o mesmo problema. Ainda que noutra escala.

Não duramos para sempre!
.

quinta-feira, 19 de maio de 2016

Exposição



Já lá foram? Vou presumir que não, ou talvez já tivesse visto por aqui algum comentário vosso. Mas deixo eu o meu.
Sugiro que vão e que se confrontem com uma outra forma de fotografia. O pensar a fotografia, o fazer a fotografia, o mostrar a fotografia.
Precisamos todos de ser confrontados com outras formas de fazer e pensar aquilo que sempre fizemos para que continuemos muito orgulhos o caminho percorrido ou tenhamos a humildade de pensar que há outros caminhos tão ou mais válidos que o nosso. E, com isso, aprender.

Refiro-me à exposição colectiva “El silêncio da las cosas, Josef Sudek, revisitado”
Encontra-se na Biblioteca Camões, no largo do Calhariz, ao Chiado, Lisboa.


Recomendo!

By me

Fachadas



Para os que gostam destas coisas, aqui fica um exemplo.
Um dos exemplos dos tempos em que os arquitectos se preocupavam (ou podiam preocupar) com a satisfação de quem iria usar os seus prédios de habitação. E não apenas com a satisfação do dono da obra, para quem tempo e dinheiro eram (e são) as principais preocupações.
Neste caso, repare-se como cada um destes prédios varia na vertical, com mudanças no desenho de piso para piso.
As janelas estão todas sobrepostas, denunciando que a gestão do espaço interior é idêntica em todos os pisos.
O que é diferente são as pequenas variações existentes em redor das janelas, em cantaria, dando um carácter de único a cada piso ou andar.
Esta necessidade de não uniformizar as fachadas, que existiu até meados do séc. XX, não é apenas uma identificação de classe social (por ser mais difícil aceder aos pisos superiores por não possuírem elevador).
Trata-se, também, de uma questão de identificação territorial vertical. Estas pequenas diferenças permitem, sem esforço de contagem e num relance, identificar qual ou quais as janelas e respectiva envolvente que fazem parte do território de cada um.
“Eu moro logo abaixo dos espigões de pedra salientes” ou”As minhas janelas são as encimadas por um pequeno telhado”, são afirmações quanto baste para se saber quais são, se andar a contar de baixo para cima e, com isso, identificar grupo social.
A partir dos anos cinquenta do séc. passado, e com mais notoriedade nos últimos trinta ou quarenta a anos, os edifícios de habitação passaram a primar por uniformidade de fachada, sem que algo diferenciasse um piso do outro. Conceitos sociais, custos e prazos de construção, migração massiva para as cidades… tudo isto e talvez uma questão de moda fez desaparecer a identificação do “meu ninho”.
Surgiram, então, variadas formas, agora personalizadas, de o fazer. Desde os autocolantes nas vidraças às floreiras à janela, passando por cores mais garridas na parte exterior dos cortinados e reposteiros, por vezes mesmo plástico colado nas vidraças a imitar vitrais, tudo servia e serve para definir território. Bem notório nos edifícios possuidores de varandas que passaram a estar “fechadas” e denominadas de “marquise”, onde a forma como os vidros se dispõem, bem como o que é exibido no seu interior ajuda a essa demarcação territorial.

Por mim, e pese embora ser muitíssimo importante que cada um possa optar pelas marcas que entender – cor, formato, impacto visual – prefiro pensar que alguém se deu ao trabalho de organizar o espaço, dividindo-o com algum tipo de lógica ou harmonia, mantendo a unidade do todo sem perder a individualidade das partes.


Mas isto sou eu, que gosto de olhar o que me cerca, mesmo em cima.

By me 

Óbvio



“Isto é óbvio!”, disse uma amiga licenciada em comunicação social, ainda que não a exercer, a quem dei a ler este pedacinho como aperitivo de uma proposta de leitura.
“Certo!”, respondi-lhe. “Mas quem vê o óbvio? Quem pára para pensar nele e agir em conformidade? Tantos quantos os que param para ver a sombra na fachada aqui em frente, todos os fins de dia.”
Antes que o coloque numa das prateleiras dos que sei que irei voltar a ler, aqui vos deixo um nico do “Olhando o sofrimento dos outros”, de Susan Sontag:


“As fotografias objectivam: transformam um acontecimento ou uma pessoa em algo que pode ser possuído. E as fotografias são uma espécie de alquimia, por mais que sejam consideradas como um relato transparente da realidade.”

By me 

quarta-feira, 18 de maio de 2016

Tuck-tuck



Este pequenino tuck-tuck veio parar-me às mãos meio por brincadeira, meio muito a sério.
Tem na sua base uma etiqueta muito esclarecedora: “isto é um objecto decorativo, não é um brinquedo”.
Suponho que ela se deve aos materiais de que é feito, ao facto de as rodas não rodarem, talvez as tintas não sejam adequadas a mordidelas de criança…
Mas, acima de tudo, porque os tuck-tuck em Lisboa são algo mais que brincadeira.
Quando me decidi por ele, e para além do desafio fotográfico, o que tinha em mente era uma imagem muito pouco convencional: o dito cujo amassado por um martelo ou, ainda melhor, uma maceta de pedreiro, produto esse de invenção portuguesa, a contrário destes veículos que infestam a cidade.
Tenho aguardado por uma ocasião propícia para a fotografia até quem, um destes dias, calhou estar de conversa com quem conduz uma destas coisas.
Conversa interessante, com alguém que está longe de casa, com formação superior, com um vocabulário na conversa informal muito diferente do habitual revelando os seus hábitos de leitura, que talvez esteja por aqui porque na grande cidade é mais fácil viver-se no anonimato a vida privada que numa pequena aldeia, e que me soube dizer que são imensos os que procuram ganhar uns trocos, por vezes apenas 4 euros por dia, outros dez vezes isso, para subsistir.

Se vier a encontrar outro tuck-tuck, talvez faça a tal imagem que imaginei.

Este manter-se-á intocável!

By me

terça-feira, 17 de maio de 2016

Tampas



E há aquela pergunta que talvez alguns já tenham feito. Mas não todos.
“Porque é que as tampas dos colectores de esgoto, doméstico ou pluvial, são redondas?”
Refiro-me àquelas tampas que vemos no chão, nos passeios e nos asfaltos, de ferro. Como esta.
A resposta foi-me dada, há muitos anos, por um engenheiro. E até agora ainda não encontrei melhor motivo que este.
Sendo redonda é impossível cair para o interior da canalização. Por mais volta que se lhe dê, nunca entrará a menos que a deformemos ou à abertura.
Já o mesmo não sucede com as poliédricas, com tampas rectangulares ou duplas trapesoidais, empregues em geral apenas em caixas de energia eléctrica ou de comunicações. Pelo facto de haver um lado menor, basta que não seja bem colocada para poder cair no interior.

E, convenhamos, não é o mesmo ir buscar uma tampa de ferro no interior de uma caixa subterrânea de cabos e no fundo de um colector de esgotos.

By me 

O quarto poder



Diz o título da notícia:
“Três advogados detidos por suspeita de raptar empresário em Braga”

Pergunto, desde logo, qual a relevância de serem advogados? Será que ser advogado dá algum estatuto especial, quer de inocência, quer de culpabilidade, quer de notoriedade?
Em seguida, e lendo o corpo da notícia, são dados os nomes dos detidos. De alguns dos detidos. Dos advogados. Suspeitos de rapto e assassínio.
Leia-se suspeitos. Não acusados nem culpados. Suspeitos.
Se a justiça vier a provar que são inocentes (e não sei se são ou se não são) ficará para sempre o nome de cada um escarrapachado nos jornais e respectivos arquivos. Que não acredito que os mesmos jornais que agora assim relatam os nomes de suspeitos amanhã venham com o mesmo vigor afirmar que estão inocentes.

A displicência com que se fazem acusações nos jornais, com nomes de suspeitos sem prova produzida, os exibir profissões ou características particulares de origem como se alguma delas fosse por si só motivo de notícia, a inconsequência com que os jornais lidam com a vida de cidadãos apenas porque há suspeitas…

Sendo o jornalismo importante na sociedade actual, a sua isenção de responsabilidade naquilo que relata torna o “quarto poder” no pior que a sociedade actual possui!

By me

Homofobia



Li algures que hoje é o Dia Internacional Contra a Homofobia.
Como eu odeio estes dias. Como desprezo a necessidade de haver um “dia contra…”
A homofobia, o sexismo, a xenofobia, o racismo…


Enquanto houver gente que menospreze ou persiga quem é diferente porque é diferente, age diferente, pensa diferente, estaremos num estado de evolução tão adiantado quanto a época das cavernas. Ou da inquisição. Ou do arianismo. Ou…

By me

segunda-feira, 16 de maio de 2016

Comigo não!



Pensei, pensei mesmo seriamente, em ir fotografar os festejos do Marquês de Pombal, ontem.
Tal como tinha pensado que seria este ano que iria fotografar os festejos de Fátima.
No segundo caso, foram motivos de força maior que me impediram. E estou convencido que esse será um evento que acabarei por nunca fotografar, tantas têm sido as vezes que decido lá ir e acabo por não poder.
Já quanto ao Marquês…

Do mesmo modo que não viajo de avião porque me recuso a ser tratado como um potencial criminoso e ter que demonstrar que sou gente de bem, também me recuso a ir a locais públicos onde o acesso é condicionado por uma revista corporal. Onde as autoridades me consideram como um arruaceiro ou criminoso e terei que demonstrar o contrário.

Gentes do futebol: não contem comigo nestas condições!

Nem mesmo para fotografar.

By me

domingo, 15 de maio de 2016

Na rua do Carmo



Eu era adolescente. Entre a revolução de ’74 e o ter começado a trabalhar e a ganhar a vida.
Aconteceu, uma tarde, ter acompanhado uma equipa de televisão na feitura de um programa.
Em filme de 16mm, como se usava fazer então os “exteriores”, decorreu na baixa e versava uma florista. Não me perguntem qual o objectivo do trabalho que não me recordo, tal como já cá não está quem me possa responder.
Mas recordo eu de, no final dos trabalhos, a florista ter oferecido a cada um dos presentes uma flor. Suponho que uma rosa, mas não garanto. E recordo não ter acompanhado a equipa, que seguiu para outras andanças, ficando eu por ali, em plena rua do Carmo.
Com uma flor nas mãos. Coisa que não queria ter assim e ali.
Tentei afincadamente oferecer a flor a quem passava, mas sem sucesso. Então, tal como hoje, a desconfiança grassava e a oferta de uma flor por parte de um rapaz desconhecido, de colete manhoso e chapéu de abas largas às três pancadas, era estranha e de recusar.

Ontem estive no local por outros motivos e o episódio veio à tona. E tratei de tentar encontrar a tal florista. Ou pelo menos o local onde estaria, que uns quarenta anos já passaram, bem como um feroz incêndio nessa rua e noutras nas proximidades.
Por mais que olhasse não encontrava o local, se bem que recordasse, e muito bem, onde não aceitavam a flor.
Acabei por recorrer a memória alheia: empregados de lojas na zona que ali trabalhassem à época.
Apenas encontrei um, um joalheiro bem idoso, que não se recordava. Os outros dois locais onde entrei em que a loja tinha idade para ali estar aquando do episódio, tinham gente a trabalhar com menos tempo que casa que o necessário para recordarem: uma livraria e uma luvaria.


Um dia, mais que investigar sobre uma memória vaga, recorrerei aos arquivos municipais: registos comerciais e arquivo fotográfico.

By me 

sábado, 14 de maio de 2016

Um olhar - Carolina



Só para que conste, a minha câmara fotográfica (aliás, todas elas) é muito mal-educada:
Às pessoas que fotografo atribui números, quando sabemos que são indivíduos com nomes muito particulares.
Sempre que posso faço a pergunta sacramental: e que nome ponho na fotografia? Anoto sempre o que me dizem e é exactamente assim que os divulgo.

Que também eu, mais que o que me atribuíram no registo, uso o nome que escolhi.

By me 

.

Tenho uma amiga, de muito longa data, que quando estava a estudar comprou o seu primeiro carro. Um carocha, branco.
Mas o guito era curto e o carocha vinha com algumas marcas de ferrugem na chaparia, visíveis por qualquer um.
Ela não foi de modas: não tendo meios para reparar a pintura com uma nova, imaginou que o belo do carocha era um muro, de onde ía caindo a cal, ficando à vista os tijolos sob ela. E pintou tijolos onde havia ferrugem, tapando-a.


Tenho a sorte de ter amigos assim: doidos!
.

Marco de correio



A história poderia ter acontecido em qualquer lugar. Até junto a este marco de correio, peça quase anacrónica nos tempos que correm.
Pensemos que foi, mesmo sem ter sido.

Já nem sei ao certo porque motivo (ou sei mas não interessa para o caso), acabei por estar à conversa com este casal sobre fotografia. Ele queria ir um pouco mais longe no que fazia e tinha umas ideias mais ou menos concretas sobre o material que lhe faltava.
Dica para aqui, truque para acolá, e acaba ele por me dizer que a esposa, que acompanhava a conversa mas de quem nunca havia ouvido a voz, é Colombiana.
Confessemos que não é das nacionalidades mais comuns por cá e usei o meu longo nariz para o meter na vida dos outros. E perguntei como é que uma colombiana se tinha vindo apaixonar por um português ou um português se tinha ido apaixonar por uma colombiana.
A resposta foi algo impossível de ouvir há uns 25 anos:
“Conhecemo-nos na net, apaixonámos, namorámos dois anos e fui buscá-la.”


Sinais dos tempos. Bonitos sinais, que o sorriso dela ao ouvir as palavras do seu companheiro bem o demonstrou.

By me