segunda-feira, 30 de abril de 2018

Corporativismo




Uma vez mais o corporativismo!
Lamenta-se a morte de oito jornalistas, entre as 21 vítimas mortais.
Os restantes treze são apenas vítimas mortais.

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Velhos orgulhos




Vejo um artigo fotográfico à venda.
Um anel, metálico, com dois encaixes para receber a traseira de uma objectiva em cada um deles.
Serve isto para guardar em saco de transporte duas objectivas e em puxando por uma virem as duas. Facilitando o acesso à de baixo. Evitando que se entrechoquem.
Pedem por isto quase cinquenta euros.
O que tem graça é que possuo algo de semelhante há quase quarenta anos.
Feito com duas tampas traseiras de objectiva, firmemente ligadas entre si, foi um projecto meu quando construí uma mala fotográfica a partir de couro e sola de sapato. As suas divisões eram tão estreitas e seguras que só assim conseguia aceder com facilidade a uma das duas objectivas primárias que transportava, uma em cima da outra.
Ter um objecto destes, fabricado não sei onde, é um luxo útil. Ter um objecto destes fabricado por nós é um prazer e orgulho.



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Calhaus




Sabem? Há quem suba a escada da vida, degrau após degrau. Vão longe, com a consciência tranquila. E há que suba a escada da vida pisando cabeças como se degraus fossem. Também vão longe, com a consciência tranquila.
A diferença entre ambos é que a consciência dos primeiros abrange o universo enquanto que a dos segundo se restringe aos seus umbigos.
Conheço alguém que usa uma classificação interessante para estes últimos: “Os donos da chave da retrete”. Aqueles minúsculos títeres, que se comprazem com o mini-micro poder de trampa que possuem.
E isto tanto se aplica no exercício do quotidiano, nas interacções e decisões em que intervêm, como nas opiniões e críticas que emanam, tentando reduzir a poeira os demais para que o calhau que são se evidencie.
Esquecem-se estes que há muitos mais grãos de areia que rochas e pedras. E que ventos e marés os conduzirão, inexoravelmente, à condição daqueles que desprezam e apoucam.



By me

sábado, 28 de abril de 2018

Gostos




Consta que o velho Sócrates, o tal da velha Grécia, gostaria de se passear pelo mercado. Sem comprar coisa alguma.
Questionado, terá afirmado que gostava de admirar a quantidade de coisas de que não necessitava.
Eu por vezes vou aos centros comerciais, mas não me comparo.



By me

Consumos




Eu gosto de escrever com caneta de tinta permanente.
Comecei a usar estas canetas ainda a aprender as primeiras letras (e como regressavam a casa os dedos e a bata!) e fui mantendo o hábito.
E gosto delas com o aparo pouco visível, permitindo que a mão a segure perto dele.
Por estranho que pareça, as que mais gosto são as mais baratinhas, da Parker. Leves, com a tinta contida num cartucho descartável, não fico particularmente triste se algum acidente ocorrer, desde fugas de tinta a roubo ou queda.
Claro que os que me cercam não gostam muito deste meu gosto, já que as canetas de tinta permanente são como as escovas de dentes: não se emprestam.
Acontece que tenho um outro gosto ligado a estas canetas: a cor da tinta. Não gosto de azul nem preto, o vermelho é socialmente reprovado e o verde… Bem, um papel escrito a verde é estranho.
Por isso, prefiro o castanho próximo do sépia. Tem um menor contraste na leitura quando usado em papel reciclado, mas é o que gosto de ver, que querem.
O problema põe-se no facto de já não se encontrarem cartuchos para estas canetas com a tinta de que gosto. A Parker já os fabricou mas agora não.
Ainda pensei, na minha teimosia de usar o que quero e não o que os fabricantes nos impõem, em fabricar eu a tinta. E andei a pesquisar um nico o como fazer.
Até que uma mocinha de uma papelaria de shopping me deu a solução: usar um cartucho vazio recarregado com tinta extraída de um tinteiro usando uma seringa. Perfeito! Tenho usado o processo desde há anos e não encontrei ainda uma falha.
Os únicos cuidados a ter prendem-se com as fugas que os cartuchos, usados repetidamente, começam a ter e com a incapacidade em sugar das seringas descartáveis ao fim de algumas vezes de usadas.
Tanto um como outro inconveniente são fáceis de resolver. E haveriam de ver a cara de farmacêuticos quando peço seringas para encher a minha caneta!
Todo este palavreado a propósito da atitude passiva da generalidade das pessoas face às decisões dos fabricantes. De canetas ou do que quer que seja.
Encolhem-se os ombros, resignados, quando desaparece um produto de que se gosta, ou quando este é alterado. E mudam-se os hábitos de vida e de consumo apenas porque algum industrial assim o decidiu.
A pergunta, pertinente, é simples: usam-se os produtos que os fabricantes querem ou os fabricantes produzem o que nós queremos?
Por mim, não me conformo com os ditames nem da moda nem da economia: procuro, afincadamente, usar o que quero e de que gosto. Nem que para tal tenha que ser eu a fabricar! Ou encontrar criatividade nas soluções.



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sexta-feira, 27 de abril de 2018

Toponímicas




Tal como a Segunda Circular o será sempre, mesmo que a nomeiem com marechais ou futebolistas;
Tal como o Rossio se manterá rossio, por muitos Dons qualquer coisa que encimem a coluna;
Tal como o Areeiro se manterá areeiro, por muitos Sá Carneiros que plantem no seu centro;
Também o Campo Grande se manterá campo e grande, por muitos Mários Soares que ali queiram  toponimicamente sepultar.
O renomear locais, em honra de gente recente, apenas fará confusões de orientação, desprestigiando quem ou o quê motivou o nome original.
À época em que aconteceu, entendo que tenham apagado a 28 de Maio e passado a Forças Armadas. Tal como a ponte de Salazar passar a 25 de Abril. Havia que erradicar da toponímica nomes e acontecimentos funestos, de má memória.
Agora, sem motivo evidente e apenas para honrar, a correr, alguém…
Rasguem-se novas avenidas, embelezem-se novas praças, ergam-se novos monumentos. E honre-se, com a novidade, os grandes que foram, mesmo que discutíveis para alguns.
Ou, então, renomeie-se o Palácio das Necessidades. Ou o de São Bento. Ou o de Belém. Honrando assim os locais onde o homem trabalhou e terá merecido a honra que lhe querem atribuir.
Agora o Campo Grande, que todos sabem ser campo e grande!
Talvez que estejam já a pensar em mudar o Campo Pequeno para Eanes, quando for o momento. Ou a Praça da Figueira (cadê a figueira?) para Sampaio, em sendo a ocasião. Ou o Regueirão dos Anjos para Cavaco, quando for a altura. Alguma sugestão para o actual titular? Talvez o Mercado de Arroios.


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Disciplinas




No jornal leio que:
“Eutanásia. PSD vai dar liberdade de voto
“A minha posição pessoal pública é conhecida, sou favorável, desde que a lei seja bem feita e muito rigorosa, mas respeito plenamente aqueles que pensam de outra forma, nomeadamente no meu partido.” (Citando Rui Rio)

Depois de ler isto, ficam umas perguntas na minha cabeça:
Então os deputados, deste ou de qualquer outro partido, não estão sempre livres de votar as leis como entendem? Estão eles obrigados a uma disciplina partidária? O presidente de um partido não tem sempre que respeitar quem pensa de forma diferente de si? Os homens e mulheres que foram eleitos para representar os cidadãos deste país obedecem primeiro ao partido e só depois ao como se apresentaram aos eleitores?
Há algo de podre no sistema!



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Viagem




Não nos enganemos!
Bem mais importante que chegar ao destino é fazermos a viagem.
Que cada destino mais não é que uma estação de transito, onde paramos um pouco antes de continuar.
Tristes aqueles que não a começam.



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Vantagens




A vantagem de já por cá se andar há ror de tempo é, por exemplo, ainda nos recordarmos do significado destas letras numa tampa de tubagem de subsolo.
E de, aos vermos isto, nos questionarmos sobre a idade real de tal objecto.
Mas há outras vantagens, como o irmos acumulando respostas feitas para situações várias. Como a seguinte:
A minha condição física já me permite, com cautelas, ir dar um passeio higiénico com o cãopanheiro. Higiénico para ele e para mim.
Constatei hoje que no centro das testemunhas de jeová da zona resolveram “atacar” esta área. E era vê-los e vê-las, em grupos de dois ou três, passeando ou estando como se nada fosse, com os olhos alerta para uma potencial conversa com um transeunte. O nosso passo vagaroso fez de mim um desses.
A abordagem foi clássica e coloquial: “Olá! Como está?”, com um sorriso simpático.
Acontece que hoje, como em quase todos os dias, não “estou” com vontade de conversar sobre o tema que proporiam, pese embora procure sempre encontrar fórmulas não ofensivas para o demonstrar. A que usei foi esclarecedora, ainda que mais velha que as tampas dos TLP:
“De pé!”
Olharam para mim, olharam uma para a outra, sorriram meio amarelo, e seguiram sem mais delongas.
Vantagem dupla para mim: não tive que as ouvir e responder, nem tive que me esforçar em controlar o juvenil e cordial entusiasmo do cãopanheiro.
A primeira poupou-me a cabeça, a segunda a sutura ainda metalizada.
Mas, se elas me voltarem a abordar e me recordar dos seus rostos, tenho um montão de respostas velhas de reserva para alternar, algumas de minha autoria.
Vantagens de por cá andar há já uns tempos.



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quinta-feira, 26 de abril de 2018

Riscos




“Então que tal correu a apendicectomia?”, pergunta um médico a outro, no bar do hospital.
“Hã? Não era uma autópsia?”

Piadas à parte, é sempre uma dose de risco o ser submetido a uma intervenção cirúrgica. Não apenas pela operação de per si como pelo factor humano.
Pela parte que me toca, tive um exemplo prático e na primeira pessoa na semana passada.
Estava eu deitado, numa maca e na sala que antecede a de operações, e sou abordado por alguém que se identifica como sendo o médico responsável pela minha anestesia, que me identifica pelo nome e que me pergunta se eu sabia que iria ser operado a uma fístula.
Imaginem o meu espanto quando sabia estar ali por via de uma hérnia inguinal. E disse-lho sem rodeios, ainda que sem impropérios.
Empalideceu, disse-me “um momento” e saiu.
Enquanto não regressou pensei, muito seriamente, em levantar-me e sair, mesmo envergando apenas aquela bata que nos deixa o rabo ao léu.
Acabei por me deixar ficar e ele regressou, quase de seguida, com outros papeis na mão e desculpando-se do engano com a enfermeira que lhe teria dado a ficha errada.
Ainda não foi desta que me fizeram a autópsia. E uma hora depois tinha a sutura que se vê.



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“A cada um de acordo com as suas necessidades”.
Perfeitamente de acordo!
Comer, ter saúde, estar feliz, é uma necessidade igual e comum a todos.


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Liberdade




Uma das tiranias da sociedade é o nome.
Os pais, ou os padrinhos, atribuem um nome ao recém-nascido e é algo que ele carregará até ao fim dos seus dias.
É certo que os humanos precisam de catalogar o que conhecem. Quer seja por nomes, quer seja por números, querem dar a tudo – objectos, conceitos, universo – uma identidade própria para que, em a isso se referirem, esse vocábulo seja inconfundível.
O nome de cada pessoa, memorizado e impresso até à náusea, fará parte da vida de cada um.
Claro que a escolha do nome de quem chega não é pacífica.
Há culturas que fazem questão que o nome atribuído seja o de um antepassado que não tenha mácula. Outras escolhem o nome por ocorrências ou circunstâncias significativas aquando da concepção ou nascimento. Pais há que procuram um nome que não esteja (ou esteja) na moda. Outros que o nome possa ter um diminutivo (um segundo nome) que seja “fofinho” e agradável de pronunciar. Conheci de perto um idoso que, sendo amiúde convidado para padrinho lá na sua aldeia, escolhia os nomes dos varões da lista de mortos da Grande Guerra, que ia riscando à medida que usava para não se repetir.
No entanto, neste catalogar de crianças, raramente há a preocupação de saber se o nome atribuído é ou será do agrado de quem o possui.
Claro que o bebé terá dificuldade, senão impossibilidade, de se pronunciar. E terá que carregar a escolha de outros para sempre.
No entanto, há culturas que atribuem ao recém-nascido um nome provisório. Ele é mantido até que o seu portador atinja uma idade ou maturidade, convencionada ou reconhecida, para que possa escolher o nome pelo qual passará a ser identificado. A sistematização de arquivos e tratamento de dados opõe-se ferozmente a tal prática, que lhes estraga os livros de assentos e registos, obrigando a correcções e adendas.
O caso mais mediático recente prende-se com identidade de género que o portador tem e na mudança correspondente. E na idade mínima em que tal mudança será possível do ponto de vista legal.
E temos ainda, menos formal mas bem mais popular, as alcunhas. Com base em características físicas ou de comportamento, nem sempre animadas de boas intenções e muitas vezes com alguma perversidade, são sugeridos nomes pelos quais os demais identificam o individuo. Muitas vezes nas suas costas, como se de um insulto escondido se tratasse. E trata.
Tal como há os nomes carinhosos com que o individuo é tratado no seu círculo mais fechado, onde os afectos são mais fortes e positivos e onde este “rebaptizar” é aceite e desejado.
E há ainda aqueles que, por este ou aquele motivo, decidem assumir, mesmo que não legalmente, um outro termo que os identifique. E têm que se bater para tal, por vezes com atitudes menos cordatas.

Eu sou um destes últimos.
Há quase quarenta anos, e por motivos político-profissionais, insisti em passar a ser tratado por JC. Não será uma adulteração, já que se trata de iniciais de nomes que possuo. E, passados alguns anos e algumas discussões em torno disso, passei a insistir que não usassem pontos a seguir a cada letra.
Tendo conseguido ser tratado por tal vocábulo, este deixou de ser um conjunto de iniciais para passar a ser uma identidade completa, autónoma, fechada.
Apenas nas circunstâncias formais, como registos de identidade, bancos e afins, sou tratado pelo nome que me foi atribuído à nascença.
Que, tal como “não fui ouvido do acto de que nasci” como disse o poeta, me acompanhará como uma sombra.

A vida de cada um, tal como a sua identidade, deverá depender do próprio. Dos seus actos, dos seus sonhos, das suas decisões. O nome incluído.
Liberdade também é isto!



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quarta-feira, 25 de abril de 2018

Shampoo




Uma sugestão

Somente os deuses (e nem todos) são omnipotentes, podendo tudo e ao mesmo tempo.
Também somente os processadores digitais (e nem todos) são capazes de multitasking podendo processar inúmeras funções em simultâneo.
Assim, e a menos que você seja um deus ou um computador, não tente viver um acontecimento e fotografá-lo ao mesmo tempo. Uma das duas coisas não funcionará bem, muito provavelmente as duas.
Decida com antecipação (ou à chegada) se vai viver aquele acontecimento ou vai fotografá-lo. E faça-o em pleno! Tirando o máximo partido da vida ou da fotografia. Por inteiro.
Dois em um só mesmo deuses e computadores.
E shampoo, claro.



By me

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Poucas afirmações existem mais absurdas que “isso não existe”!
O mais que se pode afirmar, com rigor, será “não tenho provas que isso existe”.
A afirmação “isso não existe” implica um total conhecimento de todo o universo, não deixando de conhecer e entender cada micro grão de poeira e de espaço “vazio”.
E nós, humanos, ainda nem começámos a arranhar a superfície do universo, conhecido ou não.
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Liberdade




Já contei isto diversas vezes, mas é daqueles episódios que me marcaram profundamente.

Málaga, 1982.
Estava lá em trabalho e aproveitava os poucos momentos livres para fazer algum turismo. Numa manhã fui visitar a Alcazaba, uma fortaleza e palácio, monumento importante na zona e na península Ibérica.
O local estava quase vazio e acabei por estar de conversa com um argentino, da minha idade, que estava de passeio pela europa após ter terminado o curso de medicina.
Poucas semanas antes tinha acontecido a guerra das Malvinas, que opôs a Argentina ao Reino Unido pela posse de ilha, no sul do Atlântico. E, naturalmente, a informação que nos chegava, a Portugal, era o ponto de vista britânico, pelo que não perdi a oportunidade de saber o que por lá se passava visto por um argentino.
E, no meio da conversa, perguntei-lhe se por lá havia liberdade ou seria uma ditadura como nos contavam. A resposta deixou-me varado:
“Claro que somos livres! Podemos sair à noite e tudo.”
Foi nesse dia que tive a verdadeira noção de como o conceito de liberdade pode variar em função dos sonhos e vivências de cada um, individuo ou povo.



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Dia da Liberdade




Hoje é o “Dia da Liberdade”.
Diz o calendário, dizem os jornais, dizem as pessoas. Nas redes sociais, nas ruas, nos cafés. Alguns também o dizem em casa aos mais novos.
No entanto, e tal como com outros “dias”, discordo deste “dia”.
A Liberdade não é coisa de um dia. Não é coisa para celebrar ou recordar.
A Liberdade pratica-se, incentiva-se, exige-se. A cada momento, a cada gesto e acto, consigo mesmo ou com os demais.
A Liberdade, conquistada em processo revolucionário, não é algo que se restrinja a leis e normas. Os decretos podem formaliza-la mas enquanto não estiver interiorizada por todos e cada um, mais não será um conceito bonito mas distante.
Falamos na Liberdade de expressão. É uma ideia bonita mas enquanto houver regras que impeçam que se fale sem autorização do ministério ou do patrão, é uma utopia.
Falamos em Liberdade de informação, mas enquanto houver “critérios editoriais” que censuram correntes de pensamento em benefício de outras, os códigos deontológicos sobre liberdade valem tanto quanto o papel em que estão impressos.
Falamos em Liberdade de circulação, mas enquanto cada cidadão estiver a ser “vigiado” por câmaras e posicionamento dos dispositivos, a Liberdade está condicionada pelas opções policiais e empresariais.
Falamos em Liberdade democrática, mas enquanto as decisões estiverem confinadas a um “colégio” e não realmente de acordo com as opções dos cidadãos, a liberdade está confinada a uma elite privilegiada.
Vivemos numa época de pseudo liberdade. E o que é pior é que ela é doirada, aparentando sê-la e criando condições para que muitos desejem que assim seja. Mesmo os que de Liberdade se encontram arredados.
Pior ainda, há quem argumente – e muitos concordem – que haverá que ceder no campo das liberdades individuais em nome da segurança e da economia.

Celebre-se o Dia da Liberdade!
Mas façam o favor de serem realmente livres e não acomodados no conforto de sofás e tecnologias castrantes, numa modorra apática e conformada.



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terça-feira, 24 de abril de 2018

Direitos e deveres




Esta fotografia tem já uma dúzia de anos.
Tive que recorrer ao EXIF para obter alguns dados técnicos a seu respeito.
A câmara foi uma DSLR Pentax K100d, com uns hoje considerados pobres 6 megapixel. Com um valor ISO de 800 e um tempo de exposição de 1/90.
Não tenho indicação da abertura, o que me leva a concluir (e pelo que sei da minha prática então e agora) que foi usada uma 400mm com um anel de extensão variável para poder ter foco a curtas distâncias. E com recurso a um mono-pé, para estabilidade adicional.
Isto implicou (e implicaria hoje) o recurso a exposição manual, tal como focagem manual. Mesmo que o despolido não possua “split screen” ou micro-prismas. Já a exposição aconteceu baseada na leitura da câmara e respectiva análise e compensação, considerando as áreas claras e escuras no enquadramento.
Tudo isto são deduções baseadas nas informações técnicas da imagem e na minha prática habitual.

Mas aquilo que sei, sem necessitar de recorrer a nenhum arquivo ou informação escondida, é que foi feita sem afectar de forma alguma o insecto.
Ou uma flor, se fosse esse o caso.
Em nenhuma circunstância me arrojo o direito de matar ou mutilar um ser vivo, animal ou vegetal, para meu deleite fotográfico.
Não preciso de EXIF’s para o saber.
O universo, nas suas diversas formas e aspectos, merece e tem direito ao mesmo respeito e cuidado que exijo para mim. E para mim quero vida e liberdade.

E se melhor eu não for capaz de fazer, isso será problema meu e nunca daquilo que fotografo.

By me

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Há uns anitos valentes vi-me na contingência de ter que fazer uma sebenta de apoio a um curso que dei.
Textos retirados de uns quantos livros, algumas páginas de web e, suprema arrogância, traduzidos por mim com dois ou três adicionais redigidos por mim.
Foi um trabalho de urgência, coisa que se não se coaduna com o conteúdo que eu pretendia.
No entanto o título de tal colectânea era – e é – a pedra de toque: “Olhar, ver, captar”.
Pouco adianta ter as melhores ferramentas, os tuturials mais recentes e os manuais de tudo quanto se possui, se não se souber o que se quer fazer. Mesmo que com inúmeras tentativas e erros (muitos de preferência), “ver com a alma” é o que melhor podemos fazer.
O resto são “improvisos”, melhor ou pior orquestrados.
Restou-me a consolação de tal fraco trabalho o saber que a maioria dos formandos de há quase vinte anos ainda possuem essa sebenta.
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Improvisos




Oiço muitas vezes gente a queixar-se que não tem o estúdio ou o equipamento que queria para fotografar.
O que eu diria, na maioria dos casos, é que não possuem a capacidade de improviso para fotografarem.
- Um cabo de vassoira, preso nas costas de uma cadeira, para servir de suporte ao toalhete de pequeno almoço pendurado.
- Duas molas de metal para papel para segurarem o toalhete.
- Um cinzeiro, fora de enquadramento, a servir de suporte à haste da flor de madeira.
- Uma janela aberta à esquerda, por onde entra a luz difusa do céu.
- O interior de uma embalagem tetra pack (leite, sumos, bolos…) aberta e não espalmada a servir de reflector da luz da janela.
- Um tripé.
Todas as variantes são possíveis, desde a orientação à proximidade passando pela zona onde a luz reflectida incide.
A imaginação e a capacidade de improvisar é sua, mesmo que a convalescer de uma intervenção cirúrgica.


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Alarm




Há quarenta e quatro anos caiu o regime fascista português.
Terminou a polícia política, terminou a guerra colonial, passámos a ser livres de pensar, de falar, de agir, de reunir…
Atrás do militares, e sobrepondo-se a eles, a população portuguesa com mais ou menos conhecimento do que a atormentava, veio para a rua e tomou conta dos acontecimentos.
Engalanámo-nos com cravos, fomos exemplo para o resto do mundo e tivemos os contendores da guerra-fria de olho em nós, não fora alguma coisa “perigosa” acontecer.

Quarenta e quatro anos passados, esta data de “25 de Abril” mais não é que uma memória e a oportunidade de gozar um feriado, de preferência com uma ponte pelo caminho.
Muitos dos que a viveram perderam ou vão perdendo a energia, que quarenta e tal anos é muito tempo, os que a não viveram nunca sentiram o que ela, a revolução, significou.
É apenas mais um feriado, como o 1º de Dezembro ou o 10 de Junho: uns discursos, uns desfiles pitorescos, uns filmes evocativos e pouco mais.

Em boa verdade, mais não deve ser.
As revoluções têm o seu tempo e os seus revolucionários, há coisas que têm que ser mudadas e evitado o seu retorno. Que raramente volta. Da mesma forma!
Mas o espírito que a alimentou, o que fez milhões de portugueses saírem para as ruas, rindo, batendo palmas e chorando de alegria, esse deve ser mantido vivo!
O desejo de que as “classes sociais”, a terem que existir, não estejam tão separadas, que a fome de barriga, de coração e de cabeça não mais retorne, que a sociedade seja solidária por inteiro… Tudo isto deve continuar vivo em cada um.

Mas não está!
Aqueles que mantêm os cidadãos vivos e produtivos fazem-no, as mais das vezes, para que o resultado dessa produção se reflicta, em primeiro lugar, nas mais valias que esses mesmos desejam. E, para tal, aqueles que para eles trabalham têm que se manter em forma e alimentar a produção e a novel competitividade.
A polícia política, enquanto tal, terminou. Mas temos as novas formas de controlo, com as bases de dados incontroláveis nas mãos não se sabe de quem, as intercepções ao tráfego electrónico, a localização dos cidadãos pelo seu telefone móvel, as câmaras de vigilância, a comunicação social veneranda e obrigada aos interesses dos seus empresários, ignorando a nobre tarefa dos media…
O acesso ao ensino superior é generalizado e incentivado, para depois os seus alunos irem fazer qualquer coisa que nada tem a ver com o que estudaram e aprenderam.
O acesso aos cuidados de saúde é cada vez mais difícil e caro, sendo o próprio estado, pelos seus governantes que supostamente representam a vontade popular, a incentivar o recurso aos meios privados.
Aumenta o número de horas de trabalho, diminuindo, em contrapartida, o valor hora que é pago aos que as trabalham.
Cada vez mais a sociedade está virada sobre o seu próprio umbigo, ignorando ou fazendo por ignorar o que se passa ao lado e o termo “solidariedade”!

Por isso, festejar o 25 de Abril pouco mais será que honrar a memória dos que o fizeram. Porque o seus espírito, está morto e enterrado. Ou, na melhor das hipóteses, moribundo!
Pela parte que me toca ainda não sei se o irei festejar. Não por desprezo aos que o fizeram, mas antes porque talvez esteja bem ocupado a tentar preparar um 26 de Abril, 18 de Maio, 29 de Agosto ou qualquer outra data que mereça ser comemorada por mais uns quarenta e tal anos.

Porque ainda acredito que “O povo é quem mais ordena”! E neste momento não consegue ordenar coisa alguma! Apenas julga que sim!



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segunda-feira, 23 de abril de 2018

Sopa




Quando eu era pequeno não gostava de sopa. Mas não gostava mesmo, à imagem e semelhança de muitas outras crianças de aquém e alem mar.
Fazia fita, argumentava, amuava… E só as fortes ameaças (algumas concretizadas) ou brilhantes engodos me faziam deglutir aquela coisa que não era nem liquida nem sólida, que não se bebia nem mastigava. Ainda hoje é um pouco assim.

Aquele dia não foi diferente dos outros. Não queria mesmo comer a sopa! Mas uma ideia brilhante assolou a mente de quem estava comigo e propôs-me um acordo: eu comeria apenas metade da sopa. A metade do lado direito. Com a colher, traçou um risco a meio do prato da sopa e do seu conteúdo e mostrou-me qual a minha metade e qual a metade a deixar ficar no prato.
Aliciado com esta indulgência súbita, ataquei o prato de sopa. Com todas as cautelas, a colher mergulhava exclusivamente na minha metade, deixando virgem a outra. E rapidamente, não fosse mudarem de ideias.
Claro está que quando rapei a última gota da minha metade a outra fora comida também!
Olhei desconsolado para aquele prato vazio, percebendo que a tinha comido por inteiro. E fiquei furioso!
Furioso por ter sido enganado, por ter acreditado em quem deveria acreditar e que me havia enganado!
Furioso por ter aceite um negócio insuspeito e ter sido levado a fazer o que não queria!
Fiquei tão furioso que ainda hoje, passados que são uns cinquenta anos, me recordo do episódio, das circunstâncias, dos intervenientes, das sensações!

Ficou-me de lição! Talvez tenha sido nesse dia que acordei para a hipocrisia e mentira, para os engodos e aldrabices.
Hoje continuo a desconfiar das ofertas muito generosas. Dos bancos, dos vendedores, dos governos, dos empregadores, por vezes até dos anónimos.
Perante as promessas de “apenas metade” lembro-me sempre das outras metades que haveria que engolir a contra-gosto se nelas acreditasse.

Lá diz o povo e com razão: “Galinha gorda por pouco dinheiro, choca vai ela!”



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Prazeres


Tenho que admitir que há muita gente que lamento. Demasiadas.
Trata-se gente que não tem o prazer de ler.
É evidente que não é nem uma obrigação nem uma falha importante nas suas vidas. O prazer de cada um é algo que o próprio tem que descobrir e existem inúmeras formas de ter prazer, qual delas a melhor para cada indivíduo.
Mas a leitura de bons livros (e pode-se sempre discutir o que é um bom livro) leva o leitor a um mundo cúmplice com o autor, imaginando tudo o mais que lá não está descrito, criando um universo muito pessoal composto pelas palavras escritas e as imagens mentais que se criam em torno delas.
E o que aprendemos ou apreendemos com a leitura, quer o explícito, quer o implícito, quer mesmo aquilo que resulta da soma dos dois, torna-nos muitos mais ricos. Ricos nas experiências que outros nos proporcionaram, ricos na nossa capacidade de imaginar.
Esta riqueza, muito pessoal, permite a quem lê e tem prazer nisso construir mundos novos, espalhar felicidade, estar melhor consigo e com os outros.
O conceito de felicidade é particularmente relativo. Seja na mesa, no estádio, na pista ou na cama.
Mas lamento haver tanta gente – tanta mesmo – que não conhece esta felicidade: a leitura.
Eu tenho a sorte de ter livros e gente de que gosto por perto.


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domingo, 22 de abril de 2018

Só para lembrar




Só para relembrar alguns, esquecidos ou ignorantes do passado, que se não tivesse acontecido uma coisa chamada “Revolução de Abril”, não poderiam estar aqui a expor as suas opiniões.
Que a polícia política do regime não o permitiria e daria triste fim a quem o fizesse.



By me

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Imagem




No constante fazer de imagens do quotidiano, as que são normais, regulares, habituais, vão-se desvanecendo, como papel fotográfico mal fixado, restando delas contornos vagos e imprecisos.
Do que recordo de há 44 anos, para além da festa da revolução por si mesma (o fim da guerra, da censura, da ditadura, da polícia política) ficam as imagens da festa do quotidiano!
Cada dia era um dia, razoavelmente imprevisível e em que as suas consequências dependiam, em boa parte, do que fizéssemos. Não deixávamos o futuro em mãos alheias e intervínhamos, a cada passo, nos que a nós dizia respeito e no que ao colectivo tocava.
Construíamos! Debatíamos! Sonhávamos! Fazíamos!
É esse espírito de construção permanente, de almejar mais e melhor e de fazermos por isso (sem esperarmos que outros o fizessem por nós nem para eles passemos as responsabilidades de tal) que recordo com mais força. São fotografias perfeitamente impressas e fixadas que jamais se desvanecerão. Apesar dos aspectos negativos (que os houve) que aconteceram então e que ainda hoje marcam parte da nossa vida.
No espelho do tempo vejo aquilo que agora faço porque aconteça: intervir na sociedade, estando lá de corpo e alma, melhorando o que de menos bom vamos tendo e celebrando o que de alegre e positivo existe.
Mas quando olho para trás e para o lado, lamento sinceramente que esta atitude interventiva, que então grassava, se tenha desvanecido, qual imagem velha e mal cuidada.
Quando, daqui por 44 anos, olharmos para as imagens deste tempo que vivemos, o que sobrará serão imagens cinzentas ou amareladas, mal fixadas e amarfanhadas.
Por que nesta sociedade, a alegria de ser passou a alegria de ter. E o consumismo dos tempos que correm transforma de um dia para o outro a novidade em velharia, pouco restando para recordar.As fotografias que então fizemos com a alma repassam no tempo. As que hoje vamos fazendo, porque virtuais e efémeras, não sobreviverão à vertigem das novas novidades para consumir!



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sexta-feira, 20 de abril de 2018

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Há coisas que não se escolhem. Por quem nos apaixonamos também não.
Mas posso garantir que, se escolhesse, não poderia ter escolhido melhor!


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Comportamentos e opções




Tenho sempre esta dúvida sobre comportamentos ao entrar num sanitário público:
Perante tantos urinóis vazios (ou cabines individuais vazias) quais as que são preferidas pelos necessitados?
Alguma escolha será feita, algum desses equipamentos será mais usado: Pela proximidade da entrada, face à urgência sentida? O mais central, numa atitude de indiferença? O mais distante, em busca de privacidade?
Não será muito adequado o colocar câmaras ou sensores nestes locais para efectuar estatísticas. Mas acredito que os gestores ou manutentes destes espaços terão alguma opinião formada, quanto mais não seja pela degradação dos equipamentos ou pela sujidade acumulada ao fim do dia. Já quanto às motivações… só um inquérito junto dos aliviados poderá levar a alguma conclusão válida.
Alguém quer opinar?



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Em redondo




Fotografar em redondo não é difícil: basta encontrar o buraco certo, mesmo quando esperamos que o lento caminhar da justiça chegue a algum lado.
O que se torna intrigante é verificarmos que as objectivas, mesmo as dos mais fracos telemóveis, são redondas.
Para quê, que raio, se as fotografias resultantes são rectangulares?



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quinta-feira, 19 de abril de 2018

Isenção?




“A assembleia nacional de Cuba iniciou o processo de escolha do novo presidente do país. O novo ditador deverá ser o até agora vice presidente Miguel Dias Canero.”

Desculpem lá, mas… Chamam de “ditador” alguém que ainda não exerce o poder?
E chamar de “ditador” a alguém não é caracterizar esse alguém negativamente?
Gosto de informação isenta. Não será este o caso!


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Socrates




Não gosto de José Socrates.
Nem da sua atitude enquanto político, nem dos seus actos enquanto membro do governo, nem do seu comportamento enquanto cidadão.
Tenho o desprazer de dizer que trabalhei com ele por diversas vezes no decorrer da minha actividade profissional e tenho motivos de sobra para não gostar dele.
Posto isto, em jeito de declaração de interesses prévia, tenho que dizer que não gosto do que lhe está a ser feito por parte de alguns órgãos de comunicação social.
Desde logo porque estão a divulgar aquilo que é suposto não ser divulgado. E quem o faz afirma, sobranceiramente, que sabe não ser legal mas que ainda assim tinha que ser feito. Ou, por outras palavras, que o que fazem está acima da lei.
Em seguida a metodologia empregue, seleccionando parte das imagens e sons, não permitindo ao público que o vê conhecer o todo e levando-o a formar opinião moldada e manipulada.
Indo mais longe, este trabalho jornalístico quebra um princípio básico tanto da ética jornalística como da lei: o contraditório. É feita a acusação mas não é dada oportunidade igual à defesa de quem é acusado.
Tudo por junto, trata-se de um julgamento em praça pública, fazendo tábua rasa de leis e códigos deontológicos. A metodologia usada tem por objectivo, bem mais que a divulgação da verdade, a condenação do acusado independentemente da verdade dos factos e do que os tribunais possam vir a decidir.
Num estado de direito democrático todo o cidadão tem o direito a se defender, em condições de igualdade, das acusações que lhe sejam feitas. E isto, princípio básico, está a ser negado a José Socrates. De quem eu não gosto.
O jornalismo, televisivo ou outro, está a ser denegrido com este caso, perdendo a credibilidade e a isenção que tem que possuir.
Contornar, distorcer ou ignorar leis e códigos é aquilo de que são acusados políticos corruptos e criminosos. Que condenamos.
É o que está a ser feito por parte de alguns jornalistas!


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quarta-feira, 18 de abril de 2018

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"Entendemos que teria que ser assim, mesmo que à margem da lei." - cito de cor um jornalista.
O jornalismo, e desculpem-me os jornalistas honestos, está que nem uma boca de esgoto a céu aberto.
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Ilustrando um texto de forma soft




“…
A obra de Arbus é um bom exemplo de uma tendência da arte nos países capitalistas: suprimir, ou, pelo menos, reduzir os escrúpulos sensoriais e morais. Uma grande parte da arte moderna tem-se consagrado a baixar o limiar do que é considerado terrível. Ao habituar-nos ao que, anteriormente, não suportávamos ver ou ouvir, por ser demasiado chocante, doloroso ou embaraçoso, a arte modifica a moral, esse corpo de hábitos psíquicos e sanções públicas que estabelece uma vaga delimitação entre o que é emocional e espontaneamente intolerável e o que não é. A supressão gradual dos escrúpulos aproxima-nos de uma verdade bem mais formal: a da arbitrariedade dos tabus construídos pela arte e pela moral. Mas a nossa capacidade de digerir o grotesco, cada vez mais evidente, nas imagens (fixas ou em movimento) e na imprensa, tem um preço elevado. A longo prazo, funciona não como um libertação, mas antes como um enfraquecimento do eu: uma pseudofamiliaridade com o horrível reforça a alienação, diminuindo a capacidade de reacção na vida real. O efeito provocado pela primeira visão de um filme pornográfico ou pelas atrocidades mostradas na televisão não é muito diferente do efeito provocado pela primeira visão das fotografias de Arbus.
…”

Texto by Susan Sontag, in “Ensaios sobre fotografia”, 1977
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