No regresso a
casa, penso que me falta algo para o jantar: tomate e ovos. De caminho,
manteiga para o pequeno-almoço de amanhã.
E, no lugar de
atravessar todo o bairro para ir ao supermercado habitual, decido parar a meio
caminho de casa, numa outra loja, das mais antigas do bairro.
Um supermercado de
tamanho modesto, comparado com muitos outros que por aí pululam, que já teve vários
nomes e pertenceu a várias cadeias, apesar de se encontrar estrategicamente colocado
bem no centro do bairro. Não costumo frequentá-lo, que a variedade de produtos
não é grande e tem alguns outros vocacionados para hábitos alimentares distantes
e que não os meus. Mas para o queria, servia.
Entrei e constatei
de imediato algo de menos comum: todas as prateleiras continham os produtos
habituais, mas apenas à beirinha. Raras eram as que os tinham em profundidade. Fosse
como fosse, lá me dirigi à secção dos produtos vegetais onde escolhi o tomate.
Segui para a secção dos lacticínios e matinais, onde peguei numa embalagem de
manteiga – não a marca e tipo que costumo comprar, mas muito parecida – e procurei
pelos ovos.
Olhei, olhei, e
nada de os ver. Até que perguntei por eles ao funcionário da charcutaria que me
indicou onde estariam, mas que talvez já não houvesse. Estranhei o reparo, mas
fui. E não encontrei um que fosse para amostra.
Vendo-me com ar
meio perdido, uma funcionária ofereceu-me os seus préstimos mas que, em sabendo
de que se tratava, me disse que não, que já não tinham.
Não ter ovos, nos
tempos que correr e com as cadeias de distribuição, é estranho. Bem estranho.
Conformado mas curioso, decidi dar uma outra volta, desta feita observando o
que por ali havia e não havia. E olhar com olhos de ver os empregados.
E a sensação que
tive ao longo dos corredores foi reforçada com o semblante desanimado de quem
me cobrou o que comprei: estava dentro de um moribundo!
Esta loja, estrategicamente
colocada e que deveria ter movimento quanto baste está a escoar a existência,
em processo de encerramento. Talvez até compulsivo. E os empregados sabem-no.
Talvez saibam até a data do último dia de vendas. Que, sendo hoje o primeiro de
Novembro, talvez seja antes do final do ano. E serão mais uns quantos com uma
triste consoada e um desanimado reveillon.
Isto no dia
seguinte de um companheiro me ter confidenciado que a mulher, com uma função
altamente especializada e com 19 anos de empresa, havia sido despedida à má
fila na sexta-feira. E uma semana depois de uma amiga me ter contado que estava
cheia de sorte, pois três das dez funcionárias da sua secção tinham sido
colocadas na “mobilidade especial”.
Há por aí muitos
que se queixam de barriga cheia.
E são igualmente
muitos os que encolhem os ombros e atribuem à crise e ao destino o seu triste fado.
Mas que, para além
de se queixarem no café ou, porque mais barato, nos corredores dos centros
comerciais onde se passeiam ou nos largos onde se encontram, nada ou quase
fazem. Deixando tranquilos os que se vão alimentando deste estado de coisas,
que o povo português é de brandos costumes e não se rebela.
Que até o clássico
tomatinho vai faltando.
Texto e imagem: by
me
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