Esta é uma história
com mais de um quarto de século.
Andava eu e mais
uns companheiros de ofício a colaborar nas horas vagas com uma outra empresa.
Na altura não se falava em concorrência ou quejandos, pelo que as questões éticas
não se levantaram em momento algum.
Um dos sócios
dessa empresa, aquele que era responsável pelos pagamentos e contratações, era
um troca-tintas que tinha vivido no Brasil e onde não poderia voltar em
segurança: se escapasse à polícia tinha uns tantos traficantes de armas à sua
espera. Vidas que alguns levam!
E por cá levava
uma vida parecida, sendo relapso nos pagamentos a colaboradores e fornecedores,
sempre com desculpas, bem contadas mas esfarrapadas.
Um dia eu e um
companheiro achámos que já chegava e fomos lá para acertar as últimas contas. Recordo
que nem seria muito, mas era nosso e queríamo-lo.
E dizia-nos ele,
sentado à secretária em frente da qual estávamos de pé:
“Eh pah! Agora não
dá jeito! Talvez que daqui a quinze dias… Passem por cá que logo se vê.”
Achei que não
seria nem logo nem dali a quinze dias. Tal como estava, de pé e com a minha já
então volumosa barriga à altura dos seus olhos, pus as mãos nos quadris,
puxando com isso as longas abas do meu colete para trás. E, ainda que meio
encoberta pela camisa, ficava bem visível a coronha da pequena arma que trazia
comigo no cinto. Enquanto que eu perguntava, com ar sério e inocente:
“Então como é que
vamos resolver as coisas?”
Fez-se um silêncio
de alguns segundos naquela sala, enquanto que os nossos olhos se entrecruzavam.
Pegou no telefone interno e deu instruções para que os nossos cheques fossem
preenchidos. Com os quais saímos pouco depois, indo de imediato levantá-los ao
banco, por via de dúvidas.
Nunca mais o vi e
apenas dele soube que havia publicado um livro, que me recusei terminantemente
a ler. Suponho que já tenha falecido. Dos seus sócios, se na altura nada tinha
a lhes apontar, hoje assim continuo, sendo que há sempre uma saudação efusiva
de cada vez que com um deles me cruzo.
Serve esta história
(não muito edificante ou abonatória a meu respeito, confesso) para ilustrar o
como é importante a partilha de códigos no processo de comunicação. Que emissor
e receptor usem da mesma linguagem. Ou a eficácia da mensagem se perderá porque
não entendida.
Nota extra: cada
vez mais, e hoje foi um desses dias, lamento ter deixado de andar armado que não
apenas em parvo.
Texto e imagem: by
me
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