sexta-feira, 18 de novembro de 2011

O que leva alguém a criar algo?




Estou em crer que é uma inquietude interior, semelhante ao que sucede com a intranquilidade das crianças e adolescentes.
No caso destas e destes o fenómeno é conhecido e fácil de explicar: o processo de crescimento – a multiplicação das células – implica que ocupem espaço. Ossos e músculos vão aumentando de volume e robustez, mas a velocidades distintas. Este desequilíbrio provoca incómodo, por vezes dor, que é acalmada com o movimento, por vezes desordenado, que vemos as crianças pequenas fazer. Já os adolescentes, que aprenderam inconscientemente a relação causa-efeito, procuram o exercício físico organizado para esse efeito. O factor desporto, tão do agrado de quem o pratica, já é uma socialização dessa necessidade, acrescida da vontade de competir e de marcar um lugar de destaque entre iguais.
Claro está que, não sendo eu um especialista em psicologia, esta teoria advém do lido, ouvido e observado aqui e ali, e carece de verificação metódica e científica.
Acredito que com a criação de algo novo (ideias verbalizadas ou escritas, objectos, sons, movimentos) se passe o equivalente.
A passagem de energia eléctrica e térmica entre os neurónios cerebrais provocam ideias, pensamentos. Alguns normais e corriqueiros, como cadeira, almoço ou quilograma. E porque os identificamos e bem sabemos a que se referem – descanso, comida e satisfação, peso, esforço, quantidade – ocupam um espaço ou lugar definido e não mais lhes prestamos atenção.
Mas outros pensamentos ou ideias não são reconhecíveis ou identificáveis de imediato. Estão aí, talvez que em lugares bem distintos do cérebro, provocando como que um desconforto porque não identificáveis. E só quando pomos em prática as acções que os concretizam, que os organizam e metodizam – palavras, gestos, sons – todas aquelas ideias desordenadas começam a fazer sentido. E acabam por ficar arrumadas, qual livro numa biblioteca pública.
Claro que o acto de criar também pode ser – e é – fruto da prática.
Ao sentir esse desconforto mental, quem estiver habituado a tal começa a fazer aquilo que sabe que, geralmente, lhe provoca alívio: dançar, escrever, compor, falar, tocar, moldar, pintar…
A prática ou o hábito pode ainda conduzir a uma espera: aguardar que essas ideias ou impulsos comecem a ganhar forma mental antes de as materializar de algum modo. Esta espera é, por vezes, morosa ou dolorosa. E acontece vermos alguém com ar distante, fazendo um qualquer gesto mecânico que mantenha o corpo ocupado enquanto se procura interiormente organizar um puzzle confuso. Pelo menos um início que permita por em prática os gestos que conduzirão à tal tranquilidade.
Estou em crer também que essas ideias desordenadas não provêem do nada. Interagimos com o mundo que nos cerca, estando permanentemente a receber estímulos exteriores. A esmagadora maioria banais e facilmente classificáveis, como as cores dos semáforos, a textura do tecido de uma camisa ou os gestos e/ou palavras de alguém. Recebemos os estímulos, classificamo-los e agimos em conformidade parando, vestindo ou cumprimentando. Fim da acção/reacção.
Mas se algo for menos comum, mesmo que reajamos normalmente, ficará registado como uma peça de um puzzle que não encaixa perfeitamente. O somatório de vários estímulos deste género, mesmo que longamente separadas no tempo, podem provocar a tal intranquilidade que levará a tentar organizar a mente. O tal desconforto que tem que ser compensado.
A luz do sol é banal, tal como a água no chão depois da chuva. Mas um raio de sol nela reflectido de uma forma ligeiramente diferente pode ser o que falta para completar aquela noite de tempestade que a antecedeu e que não deixou dormir. E consoante a prática de quem o vive, assim isso pode resultar num soneto, numa pintura, num requebrar de corpo ou numa curva feita no barro. Seria o que faltava para que a tempestade fizesse sentido.
A este súbito organizar de ideias dispersas e incómodas, que resultam na criação de algo, chamamos de “inspiração”.
Um olhar, um som, um toque, um aroma fazem com que, a troco de quase nada, haja uma vontade quase que incontrolável de materializar ideias, finalmente quase que organizadas.
Curioso será constatar que raramente essa “inspiração” ocorre quando tudo corre rotineiramente na vida de quem a tem. A tristeza, a raiva, a alegria, o amor são, em regra, estados de alma que estão na sua origem.
Olhando para os trabalhos de mestres – pintura, escrita, música, escultura, cinema, fotografia, coreografia – e olhando para as suas biografias, verifica-se que os seus melhores trabalhos aconteceram quando se encontravam num dos dois extremos – o positivo ou o negativo. Sendo produtores habituais, fazendo-o muitas vezes para ganhar a vida, nas alturas de tranquilidade da existência também produziram obra. Mas as que se destacam por mais geniais são, sem dúvida, em momentos de crise ou de êxtase. A tal intranquilidade interior, o não fazer sentido as ideias e os estímulos exteriores, a procura de um equilíbrio.
Não é por acaso que se refere o encontrar de uma solução ou a tal “inspiração” como o “acender de uma luz”, tantas vezes parodiada na banda desenhada. É no momento em que essa “luz” surge que o que rodeia, interior ou exterior, faz sentido. Depois… bem, depois vem todo aquele trabalho, por vezes moroso, por vezes fastidioso, por vezes doloroso mesmo, de materializar o puzzle usando as técnicas que se dominam.
Mas certo é que até que a obra esteja terminada – minutos, horas, semanas – até que o tal equilíbrio esteja reposto, orientado pela tal inspiração, quem o faz não descansa. 
Disse alguém, e que me perdoem pela falta de memória para o seu nome, que uma obra de arte se faz de 5% de inspiração, 5% de expiração e 90% de transpiração. Haverá alguém que o refute?

Texto e imagem: by me

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