sexta-feira, 11 de novembro de 2011

A pedrinha




A história já tem uns anitos.
Fui eu convidado a fazer parte de um júri para seleccionar técnicos para uma dada função. Convite que aceitei.
Para além de provas teóricas, havia provas práticas, que se prolongaram por alguns dias, pois eram individuais.
E, algures durante o processo, fui abordado por um conhecido.
Vem ele com uma conversa que havia o Fulano Tal que estava a concorrer e que tinha tido azar nos concursos anteriores. E que era boa pessoa mas com muito azar e se eu podia “dar um jeito”.
A meio da conversa interrompi-o e disse-lhe, com a delicadeza que me foi possível, que aquele não era assunto para tratar comigo, que não seria eu, certamente, a pessoa com quem ele deveria debater a questão. E afastámo-nos.
Não sei se chegou a dizer-me o nome da pessoa ou se, muito liminarmente, a minha memória o apagou de imediato. Certo é que no decurso das provas nunca soube de quem se tratava e, ainda hoje, não sei se terá ou não sido aprovado.
Mas esta conversa deixou-me com um complicado misto de sentimentos.
Por um lado o facto de, por uma vez, estar numa posição que alguém considerasse de “vantagem” para “meter uma cunha”. Foi uma estreia e, admito, alimentou-me o ego.
Por outro lado, fiquei bem mais que furioso. A pessoa que me abordou fora meu chefe durante algum tempo e tinha a obrigação de saber que nunca eu aceitaria o encargo de favorecer alguém a pedido. Não só me seria impossível em consciência como, se por mero acaso o fizesse, passaria a nunca mais ser capaz de olhar para um espelho.
No entanto sei que é assim, ou parecido, que boa parte deste mundo se gere: Fulano pede a Cicrano que, por sua vez e ao ficar em dívida, irá interceder por este junto a Beltrano que, por seu lado…
Sei que as “pedrinhas na engrenagem” têm por efeito uma de duas opções: ou partem um ou dois dentes do mecanismo ou são esmagadas por ele.
Por enquanto ainda cá estou, bem como mais uns quantos, tão autónomos e rijos poliedros quanto eu. E espero que por cada um de nós que seja esmagado surjam mais dez pedrinhas, até que os dentes se partam todos e as molas saltem.

By me

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