sexta-feira, 2 de março de 2012

Histórias




Tem mais de dez anos, esta história.
Já depois de jantar batem-me à porta. Era um vizinho que queria saber se sabia eu alguma coisa de electricidade. Ao chegar a casa, tinha tido um estoiro e ficara sem energia em casa.
Bem, lá peguei em duas ou três ferramentas para os primeiros impactos, bem como uma lanterna, e lá fomos.
À chegada, estava a esposa já às voltas com o quadro eléctrico. Tinha aberto a portinhola, tirado a cobertura metálica das ligações dos disjuntores, e preparava-se para neles actuar.
Disse-me ela, à luz da vela que a alumiava, e no seu mau português (ela escocesa, ele brasileiro), que o estoiro viera dali e que lhe parecia haver cabos mal apertados.
Mal apertados teria ela alguns dos seus próprio parafusos, que estava a querer fazer a coisa, não com uma chave de fendas isolada, mas antes com uma faca. De mesa, toda em metal, cabo incluído.
Passei-me!
Lembrando-me do meu inglês de docas, lancei-lhe meia dúzia de impropérios que, em circunstâncias normais, não os diria. Mas a situação também não era normal!
Nada disse ela. Baixou a cabeça, deu meia volta, e seguiu para o interior da casa, escura de breu que estava.
Lá tratei do que lhes cortara a luz – um curto na lâmpada de entrada - e saí.
Passados uns dias encontro no café o marido, que nada havia dito que não um “obrigado” muito sumido. Ia eu para lhe pedir desculpas do meu excesso de linguagem, e ele veio agradecer-me isso mesmo. Que a mulher tinha mania que tudo sabia, mas que lhe havia prometido não mais se “esticar” em termos eléctricos.

Vem esta história a propósito da mania que temos de usar a primeira coisa que temos à mão para resolver as situações. E nem sempre a mais certa.
Um destes dias, ainda em pleno uso de todos os membros mas não das faculdades, tive que abrir um isqueiro Zippo mais teimoso. E, à falta de melhor sem me levantar, tratei de usar a ponta de um velho corta-papéis que tenho. Resultado: parti-lhe a ponta.
Um corta-papéis sem ponta, mesmo que usado primordialmente para abrir cartas de contas a pagar, é uma tristeza.
Foi por isso que, tempos depois e ao entrar numa loja de “aventura” em busca de um colete, regressei de lá com o que vedes. Razoavelmente barato, não desenhado para cortar papel, mas achei graça ao cabo forrado a cordão, bem da mesma cor do estojo – pouco prático, por sinal.
Se esta faca em corta-papel transformada durar tanto quanto o seu antecessor, deixá-la-ei de herança. E, se não se lhe souber a história, coisas boas contarão os vindouros. 

Texto e imagem: by me

Sem comentários: