As janelas são
olhos indiscretos, rasgados nas fachadas. Uns mais cegos, outros mais atentos,
uns bem abertos ao que os cerca, por fora e por dentro, outros fechados
pudicamente, tentando não ver aquilo que não podem impedir de acontecer.
Mas se uns e outros
pudessem contar aquilo que vêem ou se recusam a ver, não haveria aparo ou papel
para o relatar.
Fronteiro a estes,
uma igreja. Em boa verdade, as traseiras de uma igreja.
Um pouco para um
lado, o adro, que nesta igreja, não lhe é frontal. Os defuntos que estes olhos
já ali viram entrar e a sair… tal como casamentos e baptizados, por acaso.
Um pouco para o
outro lado, uma creche e jardim infantil, de alguma forma ligados à sede de
escotismo local, cuja porta é do outro lado do prédio. A criançada e respectivos
papás e avózinhos que estes olhos já ali viram…
Mas entre o adro
da igreja e o apoio infanto-juvenil, fica o que parece ser o acesso à
residência paroquial. Que os membros do clero têm que residir nalgum lado, e
nem todos o fazem em clausura.
Pois viram estes
olhos na parede rasgados, tal como os meus em passeio por Benfica, parar um
pesado e sólido carro de uma empresa de segurança. Estarão os olhos de pedra,
madeira e vidro habituados mas não os meus, que estranhei aquele estacionamento
sem ser junto a um comércio ou banco. E deixei-me ficar por ali, esperando ver
o que ainda não sabia: o que teriam ido fazer os dois seguranças ao interior da
casa de religiosos.
Passados minutos
(três, quatro?) vejo-os a sair e esclareceu-se todo o mistério.
Traziam eles em
cada mão três pesados sacos, identificados com o nome da empresa e visivelmente
selados. Apressadamente, dirigiram-se para a porta de segurança da viatura,
enquanto olhavam para mim, ali pertinho, com olhar de poucos amigos.
Um deles teve que
colocar parte da sua carga no chão para poder abrir a porta. E, pelo barulho
que fizeram os sacos na calçada, bem como o que fizeram esses e todos outros ao
serem atirados par o interior do carro blindado, fiquei com a certeza absoluta
de que tratava de moedas. Muitas moedas. Muitas, muitas moedas.
Sendo que hoje é
terça-feira, não sei se será o resultado apurado no fim-de-semana se na semana
toda, escrutinado ontem, antes de ser enviado para um banco ou diocese.
Se perguntassem a
estes olhos, uns abertos outros não, talvez que ficasse esclarecido, face à
frequência da recolha e a quantidade de sacos de cada uma.
Assim… assim fico
só a saber que as caixas das esmolas, bem como os cestos dominicais, fazem a
sua função. Para benefício da paróquia e de quem a ela recorre.
Mas estes olhos de
vidro recobertos, que vêem ou não vêem de acordo com vontades e luzes, são tão
discretos quanto o confessionário da igreja. Para onde estão irremediavelmente
virados.
Já os meus não são
tão discretos, e estão irremediavelmente virados para o mesmo sito para onde se
vira o meu nariz.
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