quinta-feira, 22 de março de 2012

Sobre os sapatos




É um tema que tenho vindo a fotografar de há anos: sapatos abandonados na rua.
Não se trata de nenhum fetiche privado, mas tão só o achar piada haver tanto disso no chão, as mais das vezes perto de contentores de lixo, mas nem sempre. Além do mais, costumo ficar a imaginar por onde terá andado o sapato, o que terá visto e feito… manias.
Acontece que, de há uns tempos a esta parte, têm vindo a rarear. Continuo eu de olho alerta, nos locais habituais, mas têm sido coisa bem rara de ver. Pelo menos aqui no bairro.
Tenho-me questionado sobre a mudança de comportamento dos moradores e concebi uma teoria, em duas partes: por um lado um maior cuidado na limpeza, conduzindo a haver menos lixo ao abandono; por outro a crise, levando a que o que se tem seja usado por mais tempo e não jogado fora só por caprichos de moda.
No entanto, mudei de teoria. E esta fotografia servirá para a confirmar, ou não.
Já por três vezes que me deparo com sapatos abandonados, que fotografo, e que, passado pouco tempo – umas duas horas – já não estão no local.
E sendo que eu estava nas imediações, não vi passar ou actuar nem os serviços municipais de limpeza urbana nem nenhum dos habitais catadores de lixo, que vivem do que os demais jogam fora, e que são facilmente identificáveis pelo comportamento e os sacos que carregam.
Dessas três vezes, com a discrição do cair de uma folha de árvore, alguém passou e recolheu o visível, sem revolver coisa alguma.
É a pobreza encapotada, é a crise para além do poupar.
No momento em que escrevo estas linhas estou num café aqui da minha rua, em linha de vista do local onde esta fotografia foi feita, há uns vinte minutos. Ainda não vi ninguém a interessar-se nesta bota, bem como na sua parceira, que jazia a uns dois metros de distância.
Fico curioso em saber quanto tempo elas ali estarão e quem, porventura, as recolherão.
Mas uma coisa será certa: quem quer que seja manterá o anonimato que o caso impõe, sem que fotografia alguma seja feita.

By me

1 comentário:

JC Duarte disse...

Razão tinha eu.
Ao meio-dia fiz a fotografia. Às quatro já lá não estava, nem a sua parceira.