terça-feira, 20 de março de 2012

É importante saber o número da porta?




A história tem já vários anos.
Estava eu num estabelecimento comercial muito grande e muito diversificado, de que não gosto mas que tem uma secção de fotografia com artigos menos comuns nas outras.
E sou abordado por uma senhora. Velhinha e pequenina, tudo o que tinha em cima era bom e caro, das roupas aos adereços, pintada na cara e no cabelo, mas nada que destoasse ou que fosse em excesso.
Diz-me ela, olhando-me nos olhos, depois de me ter olhado de cima a baixo:
“O senhor é pintor?”
Abanei, porque a pergunta era-me novidade, e disse-lhe que não.
“Ah”, continuou, “Então é escultor.”
“Também não. Trabalho numa grande empresa de audiovisual e, nas horas vagas, faço fotografia.”
“Ah! Então é artista!”, disse ela toda satisfeita.
E seguiu caminho, deixando-me ali plantado no meio daqueles corredores, com um sorriso estúpido estampado na cara.
É que, caramba, têm as pessoas uma necessidade tremenda de classificar com estereótipos aquilo que lhes sai da regularidade. Seja no ofício, seja na religião, seja na política, seja na sexualidade, seja no estrato económico.
E arranjam carimbos, nomes, rótulos, que façam o estranho entrar numa qualquer classificação pré-concebida, que lhes dê a tranquilidade de gostar ou não de acordo com a etiqueta que penduram ao pescoço de quem passa.
Curiosamente, de então para cá já umas três ou quatro vezes me confundiram com pintura, logo eu que me não passeio com pincéis ou telas mas tão só com câmaras e tripés.
Quanto ao resto, aquilo que faço mais não é que, com o rectângulo do meu visor, ir recortando pedaços do mundo em que vivo, como que recolhendo as peças de um puzzle com o qual, eventualmente, poderei construir um outro mundo, quiçá melhor, mas que me agrade.

By me 

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