Talvez porque
estava sol! Talvez por ser feriado! Talvez por faltar ainda uma mão cheia de
dias para o final do mês! Talvez…!
O autocarro levava
apenas meia dúzia de gatos-pingados. Uma senhora idosa, gorda e de ar modesto,
num dos bancos da frente; eu mesmo, de pé e com o saco nas costas e o tripé ao
peito, no patamar junto à porta; um casal de meia-idade, num banco logo a seguir;
lá para o fundo, em bancos separados, dois homens de idades indefinidas. E nada
nos unia naquela viagem, não fora o partilharmos o autocarro e, por ser o dia
que era e a hora que era, parecermos uma multidão.
Mas, metido que
estava nos meus próprios pensamentos e observando que ia a avenida deserta como
nunca, não teria dado por nada, ou quase.
O que me fez
despertar para o que acontecia ali dentro foi uma voz, vinda da porta da
frente. Um rapaz, de vinte e poucos, nem bem nem mal vestido, exclamava para o
motorista: “Oh chefe! Não me faça isso! Logo hoje!”
Olhei, como os
demais devem ter olhado também. A nota de vinte euros que tinha na mão contava
a história sem falar. Ele queria pagar o bilhete, um euro e oitenta cêntimos,
mas o motorista/cobrador não tinha troco. Deve ter-lhe proposto entregar-lhe um
vale da quantia a devolver, para ser recebida numa das estações centrais da
Carris. Lá na outra ponta da cidade e não naquele dia, que se tratava de um
feriado.
Acredito que o
rapaz não tivesse ali mais dinheiro que aquele e ficar sem nenhum, naquele dia,
seria catastrófico. Depois de trocar mais uma palavras, em voz baixa, com quem
lhe devia vender o bilhete, veio de passageiro em passageiro, perguntando se,
por mero acaso, não teríamos troco de vinte euros. E a nossa resposta, cada um
à vez, foi negativa. Por mim, tinha uns cinco ou seis euros em moedas e a nota
mais pequena era de dez. Não chegava!
Regressou lá à
frente, sempre com a nota na mão, suponho que para tentar convencer o
funcionário da sua vontade de pagar mas também da sua impossibilidade de
encontrar trocos para tal.
Entre mim e ele, a
velhota sentada chamou-o. Tinha decidido fazer aquilo que eu mesmo estava a
hesitar em fazer. Abrindo e rebuscando no seu porta-moedas, foi contando moedas
até perfazer os malfadados euro e oitenta do bilhete. E entregou-lhos, dizendo:
“Tome! Vá lá
pagar!”
“Mas…” titubeou
ele, “Mas…!”
“Vá lá”,
interrompeu ela, “Vá lá antes que ele lhe passe a multa!”
E ele foi. Pagou o
bilhete e deixou-se ficar por ali, junto à porta da frente.
Duas paragens
depois a velhota saiu, transportando com dificuldade o seu próprio peso e o de
um saco, volumoso também, que segurava. Não trocaram mais palavra e, creio, não
mais se encontrarão.
Um euro e oitenta
cêntimos. O preço da satisfação de ambos. O conceito de barato e de caro
dependerá das posses de cada um deles. Que não me pareceram abastados, bem pelo
contrário.
Mas…. Qual o preço
de um sorriso? Talvez porque estava sol! Talvez por ser feriado! Talvez por
faltar ainda uma mão cheia de dias para o final do mês! Talvez…!
By me
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