Há
uns anos valentes tive que ir a tribunal. Fui na condição de testemunha num
divórcio litigioso. Sendo uma estreia, deixei-me ficar na sala após depor.
Teria assim oportunidade de ver o funcionamento de um tribunal, coisa que a
maioria das pessoas só conhece dos livros e dos filmes.
A
pessoa que se me seguiu no banco das testemunhas era uma senhora, em avançado
estado de gravidez. Quase no limite do tempo, mesmo.
Tinha
o sobretudo vestido, porque estava frio, e tinha as mãos nos respectivos bolsos
bem como as costas inclinadas para trás, face ao peso que carregava.
A
dado passo disse-lhe o juiz:
“Tire
as mãos dos bolsos que está num tribunal!”
Não
gostei! Nem um nico!
Não
gostei da atitude de total desumanidade deste homem, sentado atrás da mesa do
poder e gerindo-o como se de um rei se tratasse, por uma mulher que mais não
fazia que procurar um pouco de conforto naquela situação natural.
E
gostei menos ainda de ver que as mangas da beca do juiz todas rotas. Com um
aspecto de total desleixo, bem o oposto do que estava a pedir à testemunha à
sua frente.
Soube,
mais tarde, que as mangas rotas de um juiz são sinónimo de antiguidade, de
trabalho aturado à mesa onde estuda os processos, de qualidade e seriedade.
Ora
batatas!
Exige-se
compostura, decoro, formalidade a quem se apresenta perante a justiça, mas esta
define-se por trajes velhos e rotos. “Olha para o que eu digo, não olhes para o
que eu faço”, como diz o povo.
Vem
tudo isto a propósito de ter sido recusada a apreciação de um “Habeas Corpus” no
supremo tribunal de justiça porque vinha escrito numa fotocópia de um jornal.
Não
foi avaliada a qualidade dos argumentos, a justeza do que era pedido, a
conformidade com a lei do que lá estivesse escrito.
Foi
avaliada, apenas, a formalidade do pedido e o seu aspecto.
Será
esta uma justiça de aparências e não de factos, de opiniões e não de actos, de
gostos e não de leis.
Conta-me
um jornal que o subscritor desse pedido é um simpatizante do anarquismo
(chamam-lhe mesmo “anarquista”). Aparentemente, o Facebook é uma fonte inesgotável
de informação e tão fidedigna quanto um livro de assentos de um tribunal. E não
conheço o cidadão em causa.
Mas
só posso aplaudir o seu gesto, numa demonstração clara que o acesso à justiça
está vedado a quem não for munido ou escoltado por um advogado. Que,
certamente, cumpriria todos os preceitos ancestrais de formalidade e rigor,
decretados dentro do circulo restrito da justiça.
A
justiça é apenas acessível à elite que nela e dela vive, fazendo-se pagar a
peso de oiro, e organizada por forma a que o comum dos cidadãos, anarquista ou
conservador, agnóstico ou praticante, fique de fora se não cumprir as
formalidades exigidas.
O
artigo segundo da Constituição da República Portuguesa começa assim:
”A República Portuguesa é um Estado de direito democrático…”
”A República Portuguesa é um Estado de direito democrático…”
Cada
vez mais acredito menos nisto!
By me
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