quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

A porta





Foi há uns quinze dias, talvez três semanas.
Tinha saído de um comboio, preparando-me para esperar pelo seguinte que me deixaria na estação de destino. Naquele trajecto mais que habitual de casa para o trabalho.
Apesar de ter ouvido o silvo de fecho de portas, não iniciou a marcha de imediato. Estranhei e olhei.
Vi uma porta semi-fechada, com uma jovem fazendo o possível por a manter aberta, apesar da pressão do automatismo. E, por entre as portas, as pontas de duas muletas.
Percebi logo o que se passava: Um velhote que seguia a bordo, e em quem tinha reparado, tentara sair mas não fora suficientemente rápido. E corria o risco de, senão ficasse entalado, só desembarcar na estação seguinte.
Não pensei mais.
Enquanto dava as quatro ou cinco passadas rápidas que me separavam das portas, fui acenando para o maquinista, que talvez me visse pelo retrovisor. E fui ajudar a abrir as benditas portas, para que ele saísse. Enquanto me esforçava, ia olhando para perceber se o retrovisor fora recolhido ou não, sinal de que ele havia visto os meus gestos.
E dou com a cabeça do revisor, numa porta a meia distância, a olhar para nós. Deve ter accionado o sinal de “abrir portas”, que ouvimos o silvo e elas abriram. O velhote desembarcou, com bastante dificuldade, as portas fecharam de novo e o comboio seguiu o seu caminho.

Confesso que este episódio quase me não ficou na memória. Fora apenas um, de entre tantos vivido ao longo de tantos anos de utilização de caminhos-de-ferro suburbanos. Uns mais divertidos, outros nem tanto.
Só ficou gravado porque o revisor dessa composição, um sujeito com cara de poucos amigos, um pouco brusco mesmo no trato com os passageiros, passou a cumprimentar-me com a saudação e um aperto demão de cada vez que nos cruzamos, quer ele esteja em serviço quer não. Indo ao ponto de ter deixado de me pedir para confirmar a validade do bilhete. O que infringe as suas normas de trabalho.

Moral da estória: nunca avaliar alguém pelo semblante. Poderá haver uma enorme surpresa. 

By me

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