domingo, 28 de dezembro de 2014

Dia de sorte





Tiveram elas azar. Ou talvez não.
Tive eu sorte. Isso é garantido.

O supermercado estava vazio. Quase escandalosamente vazio. Sem apertos nos corredores e podendo eu escolher a caixa que queria com a certeza que ser atendido rapidamente.
Para reforçar a coisa, tinha conseguido entra na loja antes do aguaceiro e previa-se que, aquando da saída, já tivesse terminado.
O cúmulo é que tudo o que queria trazer havia nos escaparates, sem rupturas de stock natalícios e com prazos de validade convenientes.
Se quando entrei elas estavam lá, quando saí também. E uma delas abordou-me. Coitada! Queria convencer-me a aderir a um cartão de crédito. Logo eu!
Como o movimento era realmente fraco, acabámos por ficar de conversa. Ela e mais duas colegas, que se juntaram, curiosas sobre o que o “pai natal” estaria a dizer.
Quando lhes disse que parte da culpa do actual estado do país se prendia com o crédito mal pedido e mal usado, cartões incluídos, demonstrei com a veemência habitual a diferença que pode ter o uso de algo:
Abri o belo do canivete, com a sua lâmina grande. E logo se afastaram uns bons dois passos, de susto.
E continuei, dizendo que com aquilo tanto podia construir um berço para um bebé como uma forca mortal. O perigo não está na ferramenta mas no uso que lhes damos.
Conversa vai, conversa vem, e acabei por lhes mostrar a utilidade de alguns objectos pouco comuns que trago nos bolsos. Entre eles um borrifador de água, uma caneta de aparo, uma câmara fotográfica e uma corrente de autoclismo. E fiquei a saber aquilo de que suspeitava: nenhuma delas leu o Tom Sawyer, apenas viu os desenhos animados. E nenhuma delas sabe a alusão aos díspares e muitos objectos estranhos que ele transportava no bolso. Os filmes de animação sempre saltaram esse aspecto.

Foi sorte a minha, terem-me abordado num dia de boa disposição para comprar uma coisa que eu não queria nem quero.
Se não tivesse estado na conversa teria regressado a casa mais cedo uns bons vinte minutos. Antes de este sapato ter sido aqui despejado, que não estava quando saí.
Faz tempo que não vejo um na rua. 

By me

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