O photógrapho é
mesmo um bicho estranho.
Na sua actividade,
quer seja lúdica quer seja profissional, só se preocupa com o que é
interessante.
E nesse
interessante que procura, tenta encontrar-lhe algum tipo de beleza. Mesmo que a
beleza seja o horrendo.
Ele é um rosto, é
um toque de luz, é um jogo de cores, é um beijo… Ou ele é uma catástrofe, ou os
mortos de guerra, ou os moribundos de fome…
Quer seja num caso
ou no outro, o photógrapho regista aquilo que entende por interessante e
procura que isso se torne atraente. Pela beleza, por conceitos estéticos
convencionais ou inovadores.
Mesmo em coisas tão
inócuas como, por exemplo, um conjunto de caixas de plástico empilhadas numa
cozinha, para promover a sua venda.
Seja qual for o
caso, o photógrapho procura a beleza e a eficácia da comunicação na sua
actividade.
O resto, aquilo
que não chama a atenção do photógrapho ou que não tem a obrigação de ter em
atenção, são coisas que não regista. O banal, o comum, aquilo que acontece,
vemos ou fazemos todos os dias, a todas as horas, são coisas que o photógrapho
não regista.
Ou o olhar não vê
ou, em vendo, não o tem por suficientemente importante para merecer um registo
ou o trabalho de um registo.
Será que se
justifica o photographar de um banal passo, coisa que todos os milhões de
pessoas fazem, desde que possam, milhares de vezes por dia? Ou o coçar a ponta
do nariz quando se tem comichão? Talvez que não.
Que de tão banal
que é, que de tão ausente de estética ou de factores apelativos – intrínsecos
ou acrescentados – que nem dele nos apercebemos ou, apercebendo, atribuímos-lhes
valores nulos de interesse.
No entanto, e
pensando bem, a vida – a vida de cada um e a de todos nós – é feita quase
exclusivamente de momentos e gestos banais. Tão banais que é a sua sucessão que
emparelha com a continuidade do tempo. Mesmo o respirar.
As coisas belas ou
horrendas – porque o são ou porque foram por nós transformadas em tal – são as
raridades, os pequenos marcos que separam o banal em dois grupos: o antes e o
depois deles.
Mas se a
banalidade não tem cabimento na photographia, então o photógrapho não cumpre
uma das funções do seu mister: o registo da vida, humana ou não, para sua
satisfação ou para conhecimento dos demais e dos vindouros.
Daqui por uns
séculos, quando a photographia for tão arqueológica quanto são hoje as pinturas
rupestres, dir-se-á que o ser humano era metódico e feliz: tudo o que faz está
emparelhado no conceito de beleza, mesmo que o não seja, e todo o ser humano ri
ou sorri nas fotografias. E que a vida é, hoje, uma sucessão ininterrupta de
factos interessantes e apelativos, sempre bonitos e excepcionais.
Isto só será
verdade se conseguirmos transformar cada coçadela de nariz ou passo dado em
algo digno de nota, algo que valha a pena photographar.
E vale sempre!
By me
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