Há uns anos
valentes a escola onde eu leccionava organizou uma visita de estudo a Mérida,
Espanha. Inseria-se ela na disciplina de História e tinha por objectivo o
contacto de perto com a civilização Romana.
Aproveitei o
ensejo e fui com a maralha. Foi francamente divertido e bastante instrutivo
Divertido porque
os alunos fizeram questão que fosse com eles visitar os diversos bares que
estavam abertos nessa noite. Alguns deles perceberam a segunda parte de uma
“arengada” que lhes dava na primeira aula que tinha com eles, de permeio com a
“apresentação e etc.”: “Preparem-se que quando for para trabalhar serei o
último a cair de cansado e quando for para ir p’ros copos serei o último a cair
de bêbado.” A primeira parte já tinham constatado, nesta noite perceberam que a
segunda não era fanfarronice minha.
Instrutivo com
aquilo que aprendi sobre a cidade e os Romanos, que o professor de história
sabia o que fazia.
Assisti, por
exemplo, ao acordar da cidade, após uma curtíssima noite de sono pouco
reparadora. Faço sempre questão de ver despertar as cidades que visito. O
limpar das ruas, os primeiros a vir ao pão, ainda de roupão, o abrir das lojas,
a luz rasante…
Constatei também a
enormidade de janelas gradeadas nos pisos térreos e nos primeiros pisos, que
muito me contaram sobre a segurança e o nível de pobreza da cidade, incrustada
numa zona agrícola e industrialmente pobre.
Assisti a parte da
missa na principal igreja local. Conta-nos muito sobre as pessoas, o ver quem e
como vai à missa dominical. Mesmo sendo agnóstico como sou. E, para meu
espanto, a eucaristia foi co-celebrada por um sacerdote cego. Coisa estranha
mesmo!
Claro que os
vestígios romanos, museu incluído, encheram os dois dias e a memória. Com
excelentes explicações a acompanhar. Uma delas não esqueço, por muito que viva.
Junto ao teatro
romano, nas traseiras, admirava eu as monumentais colunas, com os colossais
capiteis no topo. Decorados de modo intenso e difícil de ver cá de baixo.
Comentei a
dificuldade e questionei a utilidade de tal trabalho, principalmente tendo em
conta as técnicas de então. A resposta ficou-me até hoje: Tempo!
As festas na
cidade, que era a segunda Roma do Império, duravam semanas. Vinha gente de toda
a península para assistir ao teatro, aos combates, às corridas, fazer negócio,
ver gente após longas separações… a cidade enchia e o tempo não faltava.
E não faltava
tempo para se estar parado a olhar para cima e ver, mesmo que com dificuldade,
os relevos gravados nas colunas e nos seus cimos. E as pessoas estavam.
Mais tarde nessa
visita, e no museu, tive oportunidade de ver de perto um desses capiteis. Pedra
única, monumental mesmo, finamente trabalhada, pese embora fosse para ser vista
a uns bons metros de distância. Mas havia tempo para ver. E para pensar nos
significados explícitos e implícitos.
Passados que são
vinte séculos sobre o esculpir os capiteis, a questão do tempo de observação
mantém-se tão actual quanto então. Com a diferença que as unidades de tempo
usadas para se ver arte ou equivalente são bem díspares.
No caso da
fotografia, e na forma como hoje é consumida, o tempo de observação é crucial.
E depende do como e onde a vimos.
Se numa galeria ou
museu, se numa revista ou livro, se num ecrã de computador.
Aqueles que já
tiveram oportunidade de ver trabalhos impressos de Ansel Adams ou David Hockey ou
Helmut Newton bem entendem o que quero dizer. Podemos estar uns cinco ou dez
minutos a olhar para uma das suas fotografias na parede de um museu ou galeria
que dificilmente nos cansamos. Mas gastamos uns dois minutos (120 segundos) se
vistas num livro ou revista, mesmo que muito bem impressas. Já quinzes segundos
para ver uma delas num site, por muito grande que seja a qualidade e resolução,
será um exagero de tempo.
Consumimos imagens
em função do suporte e da nossa própria disposição. E o tempo e disposição para
ver fotografias numa parede não é igual ao que temos ou dedicamos a um livro.
Já na web… bem sabemos que atrás de uma vem outra e não queremos perder
nenhuma.
Esta forma de
consumir fotografia conduz, sem sombra de dúvida, a condicionar a forma como
são produzidas. A facilidade de leitura,
o imediatismo da possível interpretação, os contrastes e saturações empregues,
tudo em função do suporte. Não apenas da sua qualidade como também do seu
tamanho. E do tempo que sabemos que durará a sua observação. Tal como da
durabilidade que terá na memória de quem a vê Porque, assumamo-lo ou não, todos
nós queremos que os nossos trabalhos fiquem na memória do público. Quer pela
forma, quer pelo conteúdo.
Faz assim sentido
que, quando fazemos uma fotografia (ou um conjunto de fotografias),
consideremos o como serão elas vistas. E onde. E por quanto tempo. Se com todo
o tempo do mundo, como então se observavam os capiteis, se na voragem de uma
ligação rápida de net e mais rápido e efémero consumo.
E quando nos
habituamos às velocidades vertiginosas das auto-estradas fotográficas,
fotografamos em consonância: rapidamente, menos ligando aos detalhes dentro da
tirania do enquadramento, simplificando mesmo tudo isso para que se adeqúe ao
que sabemos vir a ser uma leitura na diagonal, sem tempo para digerir detalhes
ou quantidade de informação visual.
E contra mim falo,
no consumo e na produção. Mesmo tendo o hábito de, quando não em modo de
ensaio, fazer apenas uma imagem, mas com a certeza de estar como quero.
Teríamos muito a
aprender, se fotografássemos na mesma altura em que se construíam os capiteis
de Málaga, Espanha.
By me
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