Bem espremido, bem
espremido, a fé ou a religião explica-nos o que não entendemos, atenua os
nossos receios e promete-nos a concretização dos nossos desejos.
Qualquer abordagem
à história das religiões no-lo demonstra, se relacionarmos os seus dogmas e preceitos
com as ciências e práticas civilizacionais correspondentes.
E é fácil de
constatar nos dias que correm, com as transferências de interesse dos livros
sagrados para as séries sobre ciência, os mitos urbanos e a história.
Bem como nas
alterações de gente nos templos, nos centros comerciais, nas manifestações de
rua, nos jogo de futebol e no euromilhões.
Promessas de
felicidade no curto e no longo prazo, explicações daquilo de básico mas
fundamental: de onde vimos e para onde vamos.
Claro que, e no meio
das fés individuais, surgem as organizações. Que tratam de dar sentido e
resposta aos medos e desejos, aproveitando para organizar a sociedade em função
dos seus próprios medos e dogmas. Com hierarquias e lideranças bem definidas.
No meio de tudo
isto, aproxima-se a passos largos uma das datas mais celebradas da humanidade.
Com cariz religioso.
Mistério primeiro,
explicado por divindades em seguida, depois por astronomia e ciência,
apropriada ao longo dos séculos por esta ou aquela teologia, o evento existe e
é tão incontornável quanto a existência da morte: o solstício.
De inverno para
uns, de verão para outros, sempre foi constatado e celebrado, por si mesmo ou
associado a outros eventos ou mitos defendidos ou explicados por teorias
religiosas e suportadas por sacerdotes.
Se o medo da
noite, do escuro, do desconhecido, é atávico, quanto maior for a noite maior a
necessidade de o expurgar.
E se lhe juntarmos
o rigor do ciclo temporal e a impossibilidade de o controlarmos, temos todos os
ingredientes para que este dia ou noite seja especial, místico, celebrado num
misto de receio do desconhecido e alegria porque ultrapassado.
As organizações
religiosas, bem conhecedoras dos medos e alegrias, bom partido disso têm
tirado, fazendo convergir sobre as suas teorias esses medos e alegrias, com
todo o proveito social e material que conseguiram.
O “Big Bang” veio
substituir, para muitos, o convencional “Faça-se luz … foi o primeiro dia.” A
literacia, a tecnologia, os Big Brother, vieram substituir a omnipresença,
omnipotência e omnisciência clássicos. As próprias normas teológicas se vão
alterando, adaptando-se às realidades quotidianas, suavizando-se umas,
extremando-se outras, alterando mesmo os canais de comunicação com as
divindades.
Mas aquilo que a
evolução social e científica não explica é o que estaria antes do Big Bang nem
atenua o medo natural do futuro e da morte.
E é a isto que
todas as teorias religiosas ainda se agarram e disto sobrevivem: o que está
para além do tempo (que não controlamos), o que está para além do universo (que
não conhecemos) e o que está para além da morte (que tememos). E sobre isto
todos, com maior ou menor dose de racionalidade ou de misticismo, se debruçaram
e debruçam. Todos os dias, de quando em vez, quatro dias por ano.
Por mim, agnóstico
convicto, pouco me convencem as teorias ditas divinas que suportam ambições de
poder ilimitadas.
Tenho a certeza da
efemeridade da matéria de que sou feito, tal como tenho a certeza de não
atingir a enormidade do espaço/tempo em que existimos.
Mas também julgo
ter a certeza da continuidade desse espaço/tempo, baseada nas evidências que
vão para além da espécie humana entre as demais espécies vivas conhecidas.
E no meio das
certezas, incertezas e ignorâncias, sei que fazemos parte de uma espiral
evolutiva, na qual somos um detalhe abaixo de ínfimo.
A única celebração
que faço, no meu íntimo e bem para além da insignificância que somos, é a do
completar dos anéis espiralados em que existimos e que não controlamos. Uma
celebração talvez equivalente à que um grão de areia fará na praia a cada sete
ondas ou a cada maré.
E, saiba-se, um
grão de areia dura muito mais do que eu mesmo ou qualquer um dos que me lêem.
By me
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