sábado, 20 de dezembro de 2014

De frente ou não, eis a questão





O assunto surgiu quase naturalmente.
Estava de conversa com alguém que faz do conceber, executar e gerir luz em espaços cénicos o seu ofício. E eu tentava explicar porque é que gosto tanto de iluminações em que a luz principal venha do lado de lá do assunto (ou da linha d’ombros).
A explicação não é fácil e, em boa verdade, é fazê-lo bem mais trabalhoso e complexo que assumir a luz principal do lado de cá, do lado da câmara, como mandam os manuais e as práticas correntes.
Estávamos nesta, com argumentos técnicos e estéticos, quando ele disse algo que me fez parar. Aliás, o mundo parou por uns segundos até eu digerir bem o que havia ouvido:
“As pessoas procuram a luz!”
Claro que isto é verdade. O ser humano depende da luz para viver. Para se relacionar com o mundo circundante e da energia solar para se alimentar e produzir oxigénio. E é do conhecimento geral as mudanças de humor em função de o sol estar ou não visível. Vejam-se os olhares matinais ao constatar um céu encoberto ou azul e os sorrisos de quem acaba de sair de um lugar fechado, sem luz natural.
Claro que as pessoas procuram o sol!
Mas procuram o sol de frente? De lado? Nas costas?
Andei a verificar comportamentos, pese embora a conversa tenha sido há pouco tempo.
Para o usufruir do sol, quer pela satisfação de o receber, quer para um clássico pôr-do-sol, o ser humano enfrenta o astro-rei de frente. A radiação total, as cores que se vêem, o”romântico” da paisagem…
Agora no quotidiano, nos afazeres que nos ocupam o tempo, mesmo para perscrutar o longínquo, a preferência é o sol lateral ou, melhor ainda, nas costas. Excepto se for tarefa miúda, como a escrita, em que se procura ter o sol (ou a fonte de luz) do lado oposto à mão que a executa. Queremos que a luz incida no que fazemos e não que nos obrigue a fugir com os olhos dela.
Claro que os manuais de fotografia e de iluminação preferem que a luz venha do lado da câmara, incidindo de frente ou de lado no assunto. A imagem resultante ficará mais contrastada, os relevos mais visíveis, as cores mais saturadas, os brilhos mais evidentes, incluindo os dos olhos… E, do ponto de vista da execução, é bem mais fácil trabalhar assim. Por vezes, uma só fonte de luz “faz a festa”.
Por outro lado ainda, é assim que eu, enquanto observador, procuro ver o que acontece: com a luz do sol atrás ou de lado.
Mas não é assim que os retratados se encontram. A menos que estejam a saborear o calor do sol, a sua posição habitual não é frontal ao sol. Quase nunca, se o puderem escolher.

Sobra assim, e falando de fotografia e de retrato, aquela dúvida:
Devo assumir que quero ver todos os detalhes e texturas, tirando partido das cores e sombras, falseando a posição natural do retratado, ou devo procurar uma luz que corresponda, realmente, àquilo que ele/a faz e escolhe, deixando de parte a minha própria visão e procurando a naturalidade?
Do ponto de vista estético os resultados são completamente diferentes, do ponto de vista de interpretação também.
Será um fotógrafo um “voyeur” ou um interventivo?

Continuarei a fazer retrato (ainda que o faça muito pouco), paisagem e estúdio concebendo ou procurando a luz “do lado de lá”. Agrada-me e tenho diversos motivos para isso. Alguns não são fáceis de explicar, e muito menos passíveis de serem resumidos.
Mas agora tenho mais um motivo. 

By me

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