domingo, 12 de agosto de 2012

Projecções da memória




Por vezes temos que fazer manipulação do que fotografamos.
(Diria mesmo que o fazemos sempre, de cada vez que escolhemos um dado momento, uma dada luz, uma dada perspectiva. Mas deixemos estes aspectos mais discutíveis de parte. Falo da manipulação no sentido de alterarmos o que fotografamos.)
Esta cadeira estava pertinho de um contentor de lixo, junto a uma mesa do mesmo conjunto e no mesmo estado de conservação. A uns dois metros, um sofá que, não fazendo parte do estilo de mobília, estava num estado deplorável.
É interessante constatar como há alturas do ano em que encontramos mobília abandonada ou jogada fora mais amiúde que noutras. Suspeito que haverá dois motivos possíveis para isso: à uma, mudanças de casa, em que sempre se deixa para trás aquilo que não houve coragem de deitar fora propositadamente; em seguida, a existência de dinheiros extra, como o subsídio de férias ou de natal, que permitem alguns actos de modernização doméstica. Este último argumento está, como sabemos, em desuso para boa parte da população.
Seja como for, vi esta cadeira mais ou menos como aqui a mostro e, de imediato, a minha mente voou umas dezenas de anos para trás. Faltava-me, para que ficasse ainda mais parecida com o que recordava, isolá-la no espaço. Foi questão de a levar para o meio da rua, sob o olhar franzido de alguns vizinhos, apesar de já estarem habituados às minhas excentricidades fotográficas.
E aqui, no meio de coisa nenhuma, apenas os quatro elementos fundamentais se mostram:
A cadeira propriamente dita, o chão em que assenta, o sol lá em cima que a ilumina e a sombra que este projecta.
É esta conjugação de elementos que me faz recuar ao tempo em que me debatia, com insuspeito prazer, com planos ortogonais, planos de projecção, linhas de terra, intersecções de linhas e planos, sólidos e sombras projectadas. Os tempos em que estudava geometria descritiva no liceu e em que vogava naquela matéria como peixe na água.
E recordo como a minha professora ficou a olhar para mim, com cara de espanto, quando lhe fui pedir ajuda para, com a pouca matéria que tinha ainda aprendido, resolver alguns problemas geométricos bem concretos e práticos. Pequenina que era, olhou para cima e para mim, recuperou a tranquilidade e disse-me para esperar lá pelo fim do ano ou princípio do ano lectivo seguinte, em que esses conteúdos seriam estudados.
Foram bem antes, que devorei o livro e os exercícios lá sugeridos muito antes do que seria previsto, resolvendo por mim o que queria, com umas ajudas que, entretanto, ela me foi dando.
Não recordo o seu nome, que eu e nomes temos uma incompatibilidade absoluta. Mas reconhecê-la-ia em qualquer lugar, aquela professora que me lançou no mundo da perspectiva geométrica, e outras que fui explorando e que se não desenham.
Honra aos professores que nos projectaram naquilo que hoje somos!

By me

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