Por vezes temos
que fazer manipulação do que fotografamos.
(Diria mesmo que o
fazemos sempre, de cada vez que escolhemos um dado momento, uma dada luz, uma
dada perspectiva. Mas deixemos estes aspectos mais discutíveis de parte. Falo
da manipulação no sentido de alterarmos o que fotografamos.)
Esta cadeira
estava pertinho de um contentor de lixo, junto a uma mesa do mesmo conjunto e
no mesmo estado de conservação. A uns dois metros, um sofá que, não fazendo
parte do estilo de mobília, estava num estado deplorável.
É interessante
constatar como há alturas do ano em que encontramos mobília abandonada ou
jogada fora mais amiúde que noutras. Suspeito que haverá dois motivos possíveis
para isso: à uma, mudanças de casa, em que sempre se deixa para trás aquilo que
não houve coragem de deitar fora propositadamente; em seguida, a existência de
dinheiros extra, como o subsídio de férias ou de natal, que permitem alguns
actos de modernização doméstica. Este último argumento está, como sabemos, em
desuso para boa parte da população.
Seja como for, vi
esta cadeira mais ou menos como aqui a mostro e, de imediato, a minha mente
voou umas dezenas de anos para trás. Faltava-me, para que ficasse ainda mais
parecida com o que recordava, isolá-la no espaço. Foi questão de a levar para o
meio da rua, sob o olhar franzido de alguns vizinhos, apesar de já estarem
habituados às minhas excentricidades fotográficas.
E aqui, no meio de
coisa nenhuma, apenas os quatro elementos fundamentais se mostram:
A cadeira propriamente
dita, o chão em que assenta, o sol lá em cima que a ilumina e a sombra que este
projecta.
É esta conjugação
de elementos que me faz recuar ao tempo em que me debatia, com insuspeito
prazer, com planos ortogonais, planos de projecção, linhas de terra, intersecções
de linhas e planos, sólidos e sombras projectadas. Os tempos em que estudava
geometria descritiva no liceu e em que vogava naquela matéria como peixe na água.
E recordo como a
minha professora ficou a olhar para mim, com cara de espanto, quando lhe fui
pedir ajuda para, com a pouca matéria que tinha ainda aprendido, resolver
alguns problemas geométricos bem concretos e práticos. Pequenina que era, olhou
para cima e para mim, recuperou a tranquilidade e disse-me para esperar lá pelo
fim do ano ou princípio do ano lectivo seguinte, em que esses conteúdos seriam
estudados.
Foram bem antes,
que devorei o livro e os exercícios lá sugeridos muito antes do que seria
previsto, resolvendo por mim o que queria, com umas ajudas que, entretanto, ela
me foi dando.
Não recordo o seu
nome, que eu e nomes temos uma incompatibilidade absoluta. Mas reconhecê-la-ia
em qualquer lugar, aquela professora que me lançou no mundo da perspectiva geométrica,
e outras que fui explorando e que se não desenham.
Honra aos
professores que nos projectaram naquilo que hoje somos!
By me
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