quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Panem et circenses




Leio, na versão on-line de um jornal diário, que algumas bancadas parlamentares portuguesas se pronunciaram e se preocupam por os jogos de futebol da primeira liga não serem transmitidos pelas televisões em sinal aberto. Entre outros, foi invocado o argumento de, ao não fazer uma proposta, a RTP não estar a cumprir o serviço público.
Comecemos por esclarecer uma coisa: o futebol da primeira liga não é um desporto! É um espectáculo! E um negócio! Se dúvidas houvessem, bastaria olhar os números das transferências de jogadores – muitos milhões – para perceber que o que está em causa é dinheiro, não actividade física, não desporto. E se isso não esclarecesse tudo, vejam-se também as polémicas que acontecem fora dos jogos mas ligadas aos clubes: sempre em torno de dinheiro e da transparência, ou não, dos actos de gestão económica dos clubes.
Ora sendo um negócio, há quem venda e quem compre. Quem vende são os promotores do espectáculo, quem compra são os diversos intermediários até que chegue ao último consumidor: o público. Vende-se a publicidade que lhes está associada (estranho como este negócio é patrocinado por bebidas alcoólicas), vende-se tudo quanto é objectos ligados aos clubes e ao fanatismo por eles (até cuecas infantis com cores e logótipos clubisticos se vendem), vendem-se jornais diários ditos desportivos que ocupam quase metade do seu espaço com este negócio, vendem-se as apostas mútuas (totobola), vendem-se os direitos televisivos. E este negócio é, talvez, o que envolve mais dinheiro, logo a seguir aos dos jogadores.
Ora sendo certo que o país está em crise, crise esta que afecta o negócio da publicidade (base da actividade televisiva privada), crise essa que leva a enormes cortes na televisão pública (investimento, salários, canais, …), como se espera que haja dinheiro a rodos para pagar um negócio que é cada vez mais caro?
Defendem os nossos políticos que em Portugal vigora um sistema de economia de mercado. Acontece que neste negócio o que vigora é um monopólio, já que todos os direitos de transmissão foram comprados por uma única entidade (privada) que agora os vende às estações televisivas. Um único intermediário entre todos os clubes e todas as estações. Entidade esta que, suspeito, se está a ver em problemas ao ter comprado um produto que agora não consegue vender ao preço que quer.

Por outro lado, é engraçado que os partidos políticos venham a terreiro manifestar-se pela não transmissão de jogos de futebol. Não os vejo a manifestar-se pela ausência de transmissões de ópera, bailado, teatro… Não os vejo a queixarem-se de não haver nas televisões incentivos à leitura, à frequência de museus. As actividades culturais não fazem partes das agendas políticas quando se fala em televisão. Talvez porque não mexem com tantos milhões. Talvez porque não fazem parte do “circo”.
E citando a Wikipédia (que vale o que vale):
“Panem et circenses [ludos] é a forma acusativa da expressão latina panis et circenses [ludi], que significa "pão e jogos circenses", mais popularmente citada como pão e circo. Esta foi uma política criada pelos antigos romanos, que previa o provimento de comida e diversão ao povo, com o objectivo de diminuir a insatisfação popular contra os governantes.
Espectáculos sangrentos, como os combates entre gladiadores, eram promovidos nos estádios para divertir a população; nesses estádios, pão era distribuído gratuitamente.
O custo desta política foi enorme, causando elevação de impostos e sufocando a economia do Império.”

Efectivamente, já não havendo pão e retirando o circo, corre-se o risco de uma sublevação nacional e de o sistema político abanar nos seus alicerces. Quiçá cair. A última coisa que as bancadas parlamentares desejam, p’la certa.


By me

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