terça-feira, 14 de agosto de 2012

Esta é uma história triste




Esta é uma fotografia triste!
Retrata um grupo de pessoas nos respectivos caixões, após terem sido executadas por fuzilamento ou enforcamento.
Se a morte por si mesma é triste – ainda que se possa discutir este sentimento nestas circunstâncias – a morte de um ser humano provocada por outro ser humano é ainda mais triste. Pelo acto em si mesmo, pela consequência e pelos motivos que a provocaram. Esta é uma fotografia triste!

Mas tão ou mais triste é a história por detrás dela.
As pessoas que aqui jazem fizeram parte da Comuna de Paris, em 1871. Tratou-se de uma revolta popular e ideológica, que abrangeu quase toda a cidade e arredores, e que foi abafada depois de ferozes combates pelas tropas governamentais.
Acontece que a fotografia era uma actividade recente, com menos de meio século de existência e que Paris era uma das suas capitais, à época. Assim, e face ao envolvimento dos populares nos acontecimentos e à novidade da tecnologia, não apenas os fotógrafos desceram às ruas para o registarem como os populares fizeram questão de se deixarem fotografar nas barricadas, pela satisfação de o serem e pelo orgulho no que participavam. Com tudo o que isto implicava em volume e transporte do equipamento e tempo de exposição e poses.
Em terminando os conflitos, as forças vencedoras rebuscaram os fotógrafos e seus arquivos em busca destas imagens. Na sua posse, procuraram, prenderam, julgaram sumaríssimamente e executaram os rebeldes retratados que tinham sobrevivido aos confrontos.

Quase século e meio depois, no continente norte-americano, uma grande cidade foi objecto de motins, manifestações e confrontos com as forças da ordem.
No meio da confusão, um cidadão ia gravando imagens dos acontecimentos. Não se tratava de um jornalista encartado ou ao serviço de algum órgão de comunicação social. O seu objectivo era o registo dos acontecimentos e, com eles, ia alimentado um blog que mantinha na web.
Tendo sido visto e identificado pela polícia, foi intimado a fornecer as suas imagens para que, com elas, os tribunais pudessem processar os amotinados que tinham escapado nas ruas.
Recusou! Não por cumplicidade para com os acontecimentos testemunhados mas por entender que os seus registos não deveriam ser utilizados para perseguições e/ou acusações de conveniência politica. Indiciado por desobediência à justiça, passou largos meses na prisão, recusando sempre. As manifestações de solidariedade convencionais e na comunidade web acabaram por serem frutíferas e foi libertado. Sempre sem entregar as cassetes com os seus registos dos motins.
Esta é, também, uma história triste!

Ambas, passe-se em claro as diferenças temporais, geográficas e tecnológicas, são a demonstração provada que imagens feitas inocentemente, no calor dos acontecimentos ou com intuitos de intervenção social, podem ser e são usadas pelo poder político e autoridades policiais. Nem sempre com os melhores intuitos, nem sempre com os mais felizes desenlaces. Mas sempre partindo do principio que não mentem e que podem ser usadas para actos de repressão.
Ao fotógrafo, cineasta, videografo ou iconógrafo cabe a responsabilidade de acautelar que o fruto do seu trabalho não seja usado para fins menos honestos, mais tendenciosos ou assumidamente repressivos.
Quando não, aqueles que constroem hoje os documentos da história de amanhã serão cúmplices – inocentes ou não - nas histórias tristes que então se contarão!



Texto: by me
Imagem: by Disdéri, 1871

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