Esta é uma
fotografia triste!
Retrata um grupo
de pessoas nos respectivos caixões, após terem sido executadas por fuzilamento
ou enforcamento.
Se a morte por si
mesma é triste – ainda que se possa discutir este sentimento nestas
circunstâncias – a morte de um ser humano provocada por outro ser humano é
ainda mais triste. Pelo acto em si mesmo, pela consequência e pelos motivos que
a provocaram. Esta é uma fotografia triste!
Mas tão ou mais
triste é a história por detrás dela.
As pessoas que
aqui jazem fizeram parte da Comuna de Paris, em 1871. Tratou-se de uma revolta
popular e ideológica, que abrangeu quase toda a cidade e arredores, e que foi abafada
depois de ferozes combates pelas tropas governamentais.
Acontece que a
fotografia era uma actividade recente, com menos de meio século de existência e
que Paris era uma das suas capitais, à época. Assim, e face ao envolvimento dos
populares nos acontecimentos e à novidade da tecnologia, não apenas os
fotógrafos desceram às ruas para o registarem como os populares fizeram questão
de se deixarem fotografar nas barricadas, pela satisfação de o serem e pelo
orgulho no que participavam. Com tudo o que isto implicava em volume e
transporte do equipamento e tempo de exposição e poses.
Em terminando os
conflitos, as forças vencedoras rebuscaram os fotógrafos e seus arquivos em
busca destas imagens. Na sua posse, procuraram, prenderam, julgaram
sumaríssimamente e executaram os rebeldes retratados que tinham sobrevivido aos
confrontos.
Quase século e
meio depois, no continente norte-americano, uma grande cidade foi objecto de
motins, manifestações e confrontos com as forças da ordem.
No meio da
confusão, um cidadão ia gravando imagens dos acontecimentos. Não se tratava de
um jornalista encartado ou ao serviço de algum órgão de comunicação social. O
seu objectivo era o registo dos acontecimentos e, com eles, ia alimentado um
blog que mantinha na web.
Tendo sido visto e
identificado pela polícia, foi intimado a fornecer as suas imagens para que,
com elas, os tribunais pudessem processar os amotinados que tinham escapado nas
ruas.
Recusou! Não por
cumplicidade para com os acontecimentos testemunhados mas por entender que os
seus registos não deveriam ser utilizados para perseguições e/ou acusações de
conveniência politica. Indiciado por desobediência à justiça, passou largos
meses na prisão, recusando sempre. As manifestações de solidariedade
convencionais e na comunidade web acabaram por serem frutíferas e foi
libertado. Sempre sem entregar as cassetes com os seus registos dos motins.
Esta é, também,
uma história triste!
Ambas, passe-se em
claro as diferenças temporais, geográficas e tecnológicas, são a demonstração
provada que imagens feitas inocentemente, no calor dos acontecimentos ou com
intuitos de intervenção social, podem ser e são usadas pelo poder político e
autoridades policiais. Nem sempre com os melhores intuitos, nem sempre com os
mais felizes desenlaces. Mas sempre partindo do principio que não mentem e que
podem ser usadas para actos de repressão.
Ao fotógrafo,
cineasta, videografo ou iconógrafo cabe a responsabilidade de acautelar que o
fruto do seu trabalho não seja usado para fins menos honestos, mais
tendenciosos ou assumidamente repressivos.
Quando não,
aqueles que constroem hoje os documentos da história de amanhã serão cúmplices
– inocentes ou não - nas histórias tristes que então se contarão!
Texto: by me
Imagem: by
Disdéri, 1871
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