Mão
amiga faz-me chegar este texto. Não posso deixar de o replicar!
O “May be man” –
Por Mia Couto
Existe
o “Yes man”. Todos sabem quem é e o mal que causa. Mas existe o May be
man. E poucos sabem quem é.
Menos ainda sabem o impacto desta espécie na vida nacional. Apresento aqui essa
criatura que todos, no final, reconhecerão como familiar.
O
May be man vive do “talvez”. Em português, dever-se-ia chamar de “talvezeiro”.
Devia tomar decisões. Não toma. Simplesmente, toma indecisões. A decisão é um
risco. E obriga a agir. Um “talvez” não tem implicação nenhuma, é um híbrido
entre o nada e o vazio.
A
diferença entre o Yes man e o May be man não está apenas no “yes”. É que o “may
be” é, ao mesmo tempo, um “may be not”. Enquanto o Yes man aposta na bajulação
de um chefe, o May be man não aposta em nada nem em ninguém. Enquanto o
primeiro suja a língua numa bota, o outro engraxa tudo que seja bota superior.
Sem
chegar a ser chave para nada, o May be man ocupa lugares chave no Estado.
Foi-lhe dito para ser do partido. Ele aceitou por conveniência. Mas o May be
man não é exactamente do partido no Poder. O seu partido é o Poder. Assim, ele
veste e despe cores políticas conforme as marés. Porque o que ele é não vem da
alma. Vem da aparência. A mesma mão que hoje levanta uma bandeira, levantará
outra amanhã. E venderá as duas bandeiras, depois de amanhã. Afinal, a sua
ideologia tem um só nome: o negócio. Como não tem muito para negociar, como já
se vendeu terra e ar, ele vende-se a si mesmo. E vende-se em parcelas. Cada
parcela chama-se “comissão”. Há quem lhe chame de “luvas”. Os mais pequenos
chamam-lhe de “gasosa”. Vivemos uma nação muito gaseificada.
Governar
não é, como muitos pensam, tomar conta dos interesses de uma nação. Governar é,
para o May be Man, uma oportunidade de negócios. De “business”, como convém
hoje, dizer. Curiosamente, o “talvezeiro” é um veemente crítico da corrupção.
Mas apenas, quando beneficia outros. A que lhe cai no colo é legítima,
patriótica e enquadra-se no combate contra a pobreza.
Afinal,
o May be man é mais cauteloso que o andar do camaleão: aguarda pela opinião do
chefe, mais ainda pela opinião do chefe do chefe. Sem luz verde vinda dos céus,
não há luz nem verde para ninguém.
O
May be man entendeu mal a máxima cristã de “amar o próximo”. Porque ele ama o
seguinte. Isto é, ama o governo e o governante que vêm a seguir. Na senda de
comércio de oportunidades, ele já vendeu a mesma oportunidade ao sul-africano.
Depois, vendeu-a ao português, ao indiano. E está agora a vender ao chinês, que
ele imagina ser o “próximo”. É por isso que, para a lógica do “talvezeiro” é
trágico que surjam decisões. Porque elas matam o terreno do eterno adiamento
onde prospera o nosso indecidido personagem.
O
May be man descobriu uma área mais rentável que a especulação financeira: a
área do não deixar fazer. Ou numa parábola mais recente: o não deixar. Há
investimento à vista? Ele complica até deixar de haver. Há projecto no fundo do
túnel? Ele escurece o final do túnel. Um pedido de uso de terra, ele argumenta
que se perdeu a papelada. Numa palavra, o May be man actua como polícia de
trânsito corrupto: em nome da lei, assalta o cidadão.
Eis
a sua filosofia: a melhor maneira de fazer política é estar fora da política.
Melhor ainda: é ser político sem política nenhuma. Nessa fluidez se afirma a
sua competência: ele sai dos princípios, esquece o que disse ontem, rasga o
juramento do passado. E a lei e o plano servem, quando confirmam os seus
interesses. E os do chefe. E, à cautela, os do chefe do chefe.
O
May be man aprendeu a prudência de não dizer nada, não pensar nada e,
sobretudo, não contrariar os poderosos. Agradar ao dirigente: esse é o
principal currículo. Afinal, o May be man não tem ideia sobre nada: ele pensa
com a cabeça do chefe, fala por via do discurso do chefe. E assim o nosso amigo
se acha apto para tudo. Podem nomeá-lo para qualquer área: agricultura, pescas,
exército, saúde. Ele está à vontade em tudo, com esse conforto que apenas a
ignorância absoluta pode conferir.
Apresentei,
sem necessidade o May be man. Porque todos já sabíamos quem era. O nosso Estado
está cheio deles, do topo à base. Podíamos falar de uma elevada densidade
humana. Na realidade, porém, essa densidade não existe. Porque dentro do May be
man não há ninguém. O que significa que estamos pagando salários a fantasmas.
Uma fortuna bem real paga mensalmente a fantasmas. Nenhum país, mesmo rico,
deitaria assim tanto dinheiro para o vazio.
O
May be Man é utilíssimo no país do talvez e na economia do faz-de-conta. Para
um país a sério não serve.
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