terça-feira, 6 de agosto de 2013

O crava



Aguardava eu, numa estação intermédia, pelo transbordo que me haveria de levar para lá, perto do local onde trabalho. E queimava o cigarrinho da impaciência.
Aborda-me um rapaz, com uns 16, 17 anos. Capuz puxado sobre a cabeça e metade da cara, apesar das temperaturas estivais que se faziam sentir, óculos escuros, imitando uma marca antiga e conceituada, mas comprados numa “botique alcofa”, calças descaídas mostrando a roupa interior, numa atitude de estudadíssimo desleixo.
“Oh chefe! Dá-me um cigarro?”
Não me tinha agradado o aspecto. Certo é que as pessoas não se são o que exibem mas o que fazem. Mas dão pistas sérias, quando usam estereótipos grupais. Daqueles que servem de aproximação ou de desafio. E eu, que não sou mais que os demais, também tenho reacções cutâneas. Com este, foi alergia de pele.
Que se transformou em alergia visceral com o seu “Oh chefe!” Embirro com isso, que querem. É uma espécie de familiaridade impregnada de desprezo para com o interlocutor, algo que, creio, ter surgido de uma saudação respeitosa e submissa de escravos os servos para com os senhores, agora recuperada agora com sentido inverso. Embirro com esse tratamento.
Pior ainda quando esse vocativo serve de introdução a um pedido de tabaco. A minha resposta é quase invariável: “Não dou!” Só varia, de acordo com a minha própria disposição, com a forma como respondo: vocalizando a resposta por inteiro, numa provocação equivalente; um “não” seco e sem rodriguinhos; ou um mudo e inequívoco abanar de cabeça. Mas o significado geral é o mesmo: negação peremptória.
Não gostou da frase completa que ouviu. Sugeriu, em tom complacente, que mo comprava. Não sei quanto ele se preparava para usar no negócio. Nem sei quanto valem os cigarros que eu mesmo faço. Mas o vocativo e o tom impediam-me de fazer qualquer transacção com ele. Respondi-lhe com a frase curta.
Não gostou. Mesmo! Discretamente, com a mão descida, usou daquele dedo especial para fazer aquele gesto especial. E afastou-se.
Dirigiu-se à escadaria de acesso às bilheteiras e, num pedaço que ainda estava virgem, deixou o seu “tag”. Escrito com gestos de raiva e olhando de soslaio para mim. Que me fazia de desentendido mas que ia assistindo à performance.
Um cão não teria feito melhor no tocante à marcação de território e perante rivalidades. Apenas não tão alto, mesmo que fosse um Grand Danois.

O comboio chegou e eu subi. Ele ficou. E segui eu com uma dúvida: Se não há nem p’ro tabaco, como há para as canetas?

By me

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