Aguardava eu, numa
estação intermédia, pelo transbordo que me haveria de levar para lá, perto do
local onde trabalho. E queimava o cigarrinho da impaciência.
Aborda-me um
rapaz, com uns 16, 17 anos. Capuz puxado sobre a cabeça e metade da cara,
apesar das temperaturas estivais que se faziam sentir, óculos escuros, imitando
uma marca antiga e conceituada, mas comprados numa “botique alcofa”, calças
descaídas mostrando a roupa interior, numa atitude de estudadíssimo desleixo.
“Oh chefe! Dá-me
um cigarro?”
Não me tinha
agradado o aspecto. Certo é que as pessoas não se são o que exibem mas o que
fazem. Mas dão pistas sérias, quando usam estereótipos grupais. Daqueles que
servem de aproximação ou de desafio. E eu, que não sou mais que os demais, também
tenho reacções cutâneas. Com este, foi alergia de pele.
Que se transformou
em alergia visceral com o seu “Oh chefe!” Embirro com isso, que querem. É uma
espécie de familiaridade impregnada de desprezo para com o interlocutor, algo
que, creio, ter surgido de uma saudação respeitosa e submissa de escravos os
servos para com os senhores, agora recuperada agora com sentido inverso.
Embirro com esse tratamento.
Pior ainda quando
esse vocativo serve de introdução a um pedido de tabaco. A minha resposta é quase
invariável: “Não dou!” Só varia, de acordo com a minha própria disposição, com
a forma como respondo: vocalizando a resposta por inteiro, numa provocação
equivalente; um “não” seco e sem rodriguinhos; ou um mudo e inequívoco abanar
de cabeça. Mas o significado geral é o mesmo: negação peremptória.
Não gostou da
frase completa que ouviu. Sugeriu, em tom complacente, que mo comprava. Não sei
quanto ele se preparava para usar no negócio. Nem sei quanto valem os cigarros
que eu mesmo faço. Mas o vocativo e o tom impediam-me de fazer qualquer
transacção com ele. Respondi-lhe com a frase curta.
Não gostou. Mesmo!
Discretamente, com a mão descida, usou daquele dedo especial para fazer aquele
gesto especial. E afastou-se.
Dirigiu-se à
escadaria de acesso às bilheteiras e, num pedaço que ainda estava virgem, deixou
o seu “tag”. Escrito com gestos de raiva e olhando de soslaio para mim. Que me
fazia de desentendido mas que ia assistindo à performance.
Um cão não teria
feito melhor no tocante à marcação de território e perante rivalidades. Apenas
não tão alto, mesmo que fosse um Grand Danois.
O comboio chegou e
eu subi. Ele ficou. E segui eu com uma dúvida: Se não há nem p’ro tabaco, como
há para as canetas?
By me
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