A
questão nada tem de nova, mas não deixa de ter actualidade.
Surge
na sequência de uma notícia de um jornal em que se fala de gente que propõe a
fazer trabalho de advocacia para o qual não está devidamente habilitado. E
conta-nos as penalizações legais para tal: pena de prisão até um ano e multa
para quem o fizer, multa para quem o publicitar.
Acessoriamente,
esta notícia levanta uma outra questão: é crime assumir-se como advogado não o
sendo. Mas não o é assumir-se como fotógrafo não o sendo? Talvez que por isso
se vejam por aí os trabalhos que vamos vendo, com a qualidade que vamos
constatando…
Em
qualquer dos casos, o cerne da questão está nas penalizações: prisão e multas.
E a questão está em saber-se para que servem a penas previstas na lei e
aplicadas pelos tribunais.
Creio
existirem três tipos de motivos para que existam penalizações:
1
– Castigo para que o ofensor ou criminoso aprenda que as normas e leis devem
ser cumpridas e que não as deve voltar a infringir.
Bem
sabemos a quantidade de casos em que tal não funciona. A reincidência é enorme,
por vezes no dia seguinte ao fim do castigo. São vezes a mais para que a
eficácia do sistema penal possa ter nota positiva, incluindo o sistema de
reintegração social. Até porque, as mais das vezes, um ex-condenado é objecto
de um estigma posterior, sendo excluído da sociedade dita normal, acabando por
ter que recorrer aos meios não legítimos para sobreviver. Quem dá trabalho a
alguém condenado por roubo, tráfico de droga, falsificação, assassínio…?
2
– Afastar da sociedade os infractores ou criminosos. Não queremos correr o
risco de sermos alvo das suas actividades. Por isso a prisão, ou antigamente o
degredo, é forma de proteger a sociedade das suas actividades, mantendo-a
“limpa e casta”.
Mas
sabemos que as penas de prisão não são, em demasiados casos, eficazes.
Portanto, o proteger os cidadãos é apenas temporário, até ao fim da pena. Pelo
que se pode perguntar: “Para que servem?”
Alguém
me contou que países há, como os EUA, em que uma terceira condenação de uma
mesma pessoa é sempre perpétua. Não posso garantir a veracidade disto ou mesmo
se é válido em todo o país ou apenas em alguns estados.
3
– Vingança. É a sensação mais normal, no comum do cidadão, ao recorrer à
justiça ou ao ouvir a pena aplicada. Nomeadamente em casos de crimes de sangue
ou de engano: “É pouco! Devia apanhar mais, muito mais!” Ouvimo-lo, amiúde, nas
reportagens televisivas, onde as emoções à porta dos tribunais são mostradas,
já que o que acontece no seu interior é vedado às câmaras. E ouvimo-lo nos
cafés, perante essas mesmas reportagens e relatos de jornal, da boca de quem
nada tem a ver com o caso. Vingança. Pena de talião. “Olho por olho, dente por
dente”. Ou, pior ainda, “Hás-de levar o dobro do que me fizeste!”
(Nota
intercalar: interessante de constatar como a pena de multa é aplicada em casos
que nada têm a ver com dinheiro ou bens. Como se a posse de dinheiro fosse algo
legalmente considerado de “bom” e a sua ausência considerada, na lei, como de
“mau”.)
Convenhamos
que destes três pontos dois deles são maldades puras e duras.
Retirar
a liberdade a alguém é uma maldade. A tal ponto que se algum indivíduo o fizer
sobre outrem é punido. A ética e a lei não permitem que se faça. Excepto,
claro, quando é a lei que o recomenda. O que nos leva a concluir que a lei
propõe a prática de actos maldosos e que ela mesmo condena. Perversão no seu
melhor.
Mas
a vingança também não é melhor. Intitulamos alguém de “vingativo” com carácter
pejorativo. Ensinamos as crianças que a vingança é algo que devemos afastar dos
nossos corações. Quando somos alvo de vingança entendemo-lo como uma ofensa. A
vingança é um acto maldoso. Mas o povo, aquele em nome de quem é feita a lei,
quer vingança, anseia por ela. E a lei é vingativa. O castigo, ou as penas por
infracção às proibições da lei, é uma vingança, se bem que se possa dizer que
normalizada e evitando a vingança popular.
A
lei, na sua prática, é maldosa, infringindo ao prevaricadores maldades tão
grandes ou maiores que as por eles praticadas.
Alguns
casos extremos de perversão e maldade passam, em algumas sociedades, pela pena
de morte de variadas formas, algumas chamadas de civilizadas; castigos
corporais com pedras, varas, chicotes ou machados; centros de “reeducação”, de
muito má memória, em a morte acaba por sobrevir após castigos corporais e
trabalho forçado ao limite.
Tão
curioso ou malévolo quanto isto é que a chamada “leis dos homens” (códigos
civis e penais) quase que acaba por ser menos violenta ou má que as chamadas
“leis de deus”.
Ler
os livros sagrados, sejam de origem mono ou politeístas, é ler todo um conjunto
de relatos de maldades e punições terríveis que os deuses, nas suas diversas
formas, inflingem ao ser humano. Em vida ou depois dela.
Obviamente
que esses livros e relatos, mesmo que por “inspiração divina”, são escritos por
Homens. E interpretados por Homens. E executados por Homens.
De
tudo isto, e do mais que aqui não está, apenas posso concluir que o Homem, nas
suas normas, códigos e leis, mais não é que um ser mau, castrante, vingativo e
capaz de fazer ao outro aquilo que não quer para si mesmo.
Para
quem tiver dúvidas sobre esta afirmação, uma simples demonstração: contem-se
quantas proibições e maldades existem na lei, terrena ou divina. E contem-se
quantos incentivos à bondade e recompensas por isso nela constam.
Bom
domingo, cheio de bondades!
By me
Sem comentários:
Enviar um comentário