domingo, 4 de agosto de 2013

Por ser domingo



A questão nada tem de nova, mas não deixa de ter actualidade.
Surge na sequência de uma notícia de um jornal em que se fala de gente que propõe a fazer trabalho de advocacia para o qual não está devidamente habilitado. E conta-nos as penalizações legais para tal: pena de prisão até um ano e multa para quem o fizer, multa para quem o publicitar.
Acessoriamente, esta notícia levanta uma outra questão: é crime assumir-se como advogado não o sendo. Mas não o é assumir-se como fotógrafo não o sendo? Talvez que por isso se vejam por aí os trabalhos que vamos vendo, com a qualidade que vamos constatando…
Em qualquer dos casos, o cerne da questão está nas penalizações: prisão e multas. E a questão está em saber-se para que servem a penas previstas na lei e aplicadas pelos tribunais.
Creio existirem três tipos de motivos para que existam penalizações:

1 – Castigo para que o ofensor ou criminoso aprenda que as normas e leis devem ser cumpridas e que não as deve voltar a infringir.
Bem sabemos a quantidade de casos em que tal não funciona. A reincidência é enorme, por vezes no dia seguinte ao fim do castigo. São vezes a mais para que a eficácia do sistema penal possa ter nota positiva, incluindo o sistema de reintegração social. Até porque, as mais das vezes, um ex-condenado é objecto de um estigma posterior, sendo excluído da sociedade dita normal, acabando por ter que recorrer aos meios não legítimos para sobreviver. Quem dá trabalho a alguém condenado por roubo, tráfico de droga, falsificação, assassínio…?

2 – Afastar da sociedade os infractores ou criminosos. Não queremos correr o risco de sermos alvo das suas actividades. Por isso a prisão, ou antigamente o degredo, é forma de proteger a sociedade das suas actividades, mantendo-a “limpa e casta”.
Mas sabemos que as penas de prisão não são, em demasiados casos, eficazes. Portanto, o proteger os cidadãos é apenas temporário, até ao fim da pena. Pelo que se pode perguntar: “Para que servem?”
Alguém me contou que países há, como os EUA, em que uma terceira condenação de uma mesma pessoa é sempre perpétua. Não posso garantir a veracidade disto ou mesmo se é válido em todo o país ou apenas em alguns estados.

3 – Vingança. É a sensação mais normal, no comum do cidadão, ao recorrer à justiça ou ao ouvir a pena aplicada. Nomeadamente em casos de crimes de sangue ou de engano: “É pouco! Devia apanhar mais, muito mais!” Ouvimo-lo, amiúde, nas reportagens televisivas, onde as emoções à porta dos tribunais são mostradas, já que o que acontece no seu interior é vedado às câmaras. E ouvimo-lo nos cafés, perante essas mesmas reportagens e relatos de jornal, da boca de quem nada tem a ver com o caso. Vingança. Pena de talião. “Olho por olho, dente por dente”. Ou, pior ainda, “Hás-de levar o dobro do que me fizeste!”

(Nota intercalar: interessante de constatar como a pena de multa é aplicada em casos que nada têm a ver com dinheiro ou bens. Como se a posse de dinheiro fosse algo legalmente considerado de “bom” e a sua ausência considerada, na lei, como de “mau”.)

Convenhamos que destes três pontos dois deles são maldades puras e duras.
Retirar a liberdade a alguém é uma maldade. A tal ponto que se algum indivíduo o fizer sobre outrem é punido. A ética e a lei não permitem que se faça. Excepto, claro, quando é a lei que o recomenda. O que nos leva a concluir que a lei propõe a prática de actos maldosos e que ela mesmo condena. Perversão no seu melhor.
Mas a vingança também não é melhor. Intitulamos alguém de “vingativo” com carácter pejorativo. Ensinamos as crianças que a vingança é algo que devemos afastar dos nossos corações. Quando somos alvo de vingança entendemo-lo como uma ofensa. A vingança é um acto maldoso. Mas o povo, aquele em nome de quem é feita a lei, quer vingança, anseia por ela. E a lei é vingativa. O castigo, ou as penas por infracção às proibições da lei, é uma vingança, se bem que se possa dizer que normalizada e evitando a vingança popular.
A lei, na sua prática, é maldosa, infringindo ao prevaricadores maldades tão grandes ou maiores que as por eles praticadas.
Alguns casos extremos de perversão e maldade passam, em algumas sociedades, pela pena de morte de variadas formas, algumas chamadas de civilizadas; castigos corporais com pedras, varas, chicotes ou machados; centros de “reeducação”, de muito má memória, em a morte acaba por sobrevir após castigos corporais e trabalho forçado ao limite.

Tão curioso ou malévolo quanto isto é que a chamada “leis dos homens” (códigos civis e penais) quase que acaba por ser menos violenta ou má que as chamadas “leis de deus”.
Ler os livros sagrados, sejam de origem mono ou politeístas, é ler todo um conjunto de relatos de maldades e punições terríveis que os deuses, nas suas diversas formas, inflingem ao ser humano. Em vida ou depois dela.
Obviamente que esses livros e relatos, mesmo que por “inspiração divina”, são escritos por Homens. E interpretados por Homens. E executados por Homens.

De tudo isto, e do mais que aqui não está, apenas posso concluir que o Homem, nas suas normas, códigos e leis, mais não é que um ser mau, castrante, vingativo e capaz de fazer ao outro aquilo que não quer para si mesmo.
Para quem tiver dúvidas sobre esta afirmação, uma simples demonstração: contem-se quantas proibições e maldades existem na lei, terrena ou divina. E contem-se quantos incentivos à bondade e recompensas por isso nela constam.


Bom domingo, cheio de bondades!

By me

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