Faz hoje anos!
Não sei quantos,
mas faz hoje anos e muitos.
E sei que faz hoje
anos porque a história se passou num malfadado quinze de Agosto. Que, e até que
se acabe totalmente a cumplicidade entre o estado e a igreja, é feriado. Nesse
dia também era.
Mas, contando.
Eu era um dos
administradores do prédio em que vivia então. Decorriam obras de monta no
telhado, substituição integral com aumento do declive por via de infiltrações
da chuva.
Aproveitando as
obras, e sendo que nesse dia eu também não estava de serviço, tinha combinado a
visita técnica de quem viria inspeccionar e reparar questões relacionadas com a
distribuição de sinal de televisão no prédio. Um dia feriado mas de muito
trabalho.
O técnico das
antenas chegou a meio da manhã, fomos ver o que havia para ver e, quando quis
entrar em casa para tratar de formalidades, constatei que me havia acontecido
algo de inédito: deixara a chave de casa dentro de casa.
Para quem vive sozinho,
isto pode ser um problema complicado de resolver, pelo que tinha tomado as minhas
cautelas: uma chave em casa de um parente, que residia perto. O que não havia
previsto era que esse parente estaria de férias em Agosto.
Razoavelmente
enervado, a ponto de o técnico ter dito que voltaria noutro dia para o que
havia a fazer, fui a casa de um vizinho de confiança para resolver a questão
pelo telefone. Que, por experiência prévia, sabia-me eu incapaz de forçar a
fechadura.
As casas de chaves
e fechaduras da zona estavam fechadas, que era feriado e Agosto.
Uma grande e
conhecida casa especialista em Lisboa, fiquei eu a saber, só tinha um piquete
em dias feriados, e teria eu que aguardar que estivesse disponível. Muitas
horas, que havia muito trabalho.
Os bombeiros da
freguesia não usavam a escada de pescoço de cavalo a menos que houvesse sinistro.
Uma porta fechada não justificava o risco do bombeiro. A escada “Magirus”, por
sua vez, estava avariada, pelo que, disseram-me, se dela necessitassem,
pediriam ajuda a Lisboa.
Dos bombeiros de
Lisboa, e exposta a situação pelo telefone, ouvi uma gargalhada. Nem por nada
mandariam um equipamento especializado fazer todos aqueles quilómetros por
causa de uma porta fechada.
Este somatório de
recusas e impossibilidades estava a aumentar, exponencialmente, o meu desespero
e respectivo nervosismo. Já me estava a ver a ter que ir passar a noite numa
pensão da zona.
É nesta altura, a
meio da tarde e eu furibundo, que chegam alguns operários para adiantarem um
pouco do trabalho no telhado. Que estava mais que atrasado face ao previsto. E
desbronquei com eles, forte e feio.
Felizmente que o
empreiteiro, além de bom humor, ex-paraquedista e rivalizar comigo no tamanho
da barba, era pessoa de expedientes e solucionou-me o problema: descendo pela
fachada, pendurado por uma corda, entrou em minha casa por uma janela e
abriu-me a porta por dentro.
Desta história,
que hoje se comemora e que teve um final feliz e económico, sobraram-me duas
lições.
Por um lado,
encontrei uma solução prática para ser praticamente impossível o eu deixar a
chave em casa fechando a porta. O grau de probabilidade, com este método, de
tal suceder é negligenciável.
Por outro fiquei a
saber que a esmagadora maioria das pessoas vêem alguém a entrar num apartamento
por uma corda, sem que o seu dono, polícia ou bombeiros estejam por perto, e
nada fazem. Aquele entrar em casa bem que poderia ser um assalto que mais nada
aconteceria.
Cidadania e boa
vizinhança, procuram-se!
By me
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