sábado, 3 de agosto de 2013

A porta



Não sei o que acontece com as restantes pessoas. Mas a verdade é que ao longo da minha vida já tive que arrombar diversas portas.
Já usei cartões de telefone, garrafas de Coca-Cola, chaves falsas, com os pés, com os ombros… Até o clássico dos filmes -  gancho de cabelo e folha de jornal – já usei. Tudo isto ao longo de bastantes anos e em diversos locais e circunstâncias. Nem todas as mais simpáticas, diga-se em abono da verdade.
Esta porta que aqui vedes, no entanto, parece fadada para sofrer a minha intervenção. Foi a terceira vez que sobre ela tive que agir, sempre conjugado com demais intervenientes diferenciados.
É uma porta de um apartamento no meu prédio e, nos últimos dez anos já por duas vezes quem lá morava ficou fechado no exterior, tendo a porta fechado por via de correntes de ar. Das duas vezes estava eu por perto, soube da coisa e solucionei a questão sem recurso a bombeiros, que cobram uma nota firme p’lo trabalho.
Desta feita, também de noite, ouvi fortes pancadas aqui no patamar. Sendo que sei estar uma família a mudar-se para o apartamento, não dei muita atenção. Mesmo às dez da noite, quem se muda tem alterações a fazer para transformar um apartamento em lar-doce-lar.
Mas as pancadas eram mesmo muito fortes e oriundas da escada. Cusco que sou, foi ver.
Esta família ainda não tinha mudado a fechadura depois de receber a casa. E, ao querem entrar, desfez-se ela por dentro, impossibilitando qualquer abertura mais tranquila. As pancadas que ouvi era feitas por um parente, entretanto chamada a intervir, que tentava parti-la e retirá-la.
As tentativas que fez, e eu mesmo, depois dela desfeita, foram inúteis. Não conseguimos de forma alguma fazer rodar a lingueta. E sendo que já lá estava alguém com ar de quem tomava conta da ocorrência, recolhi a casa. Cusco mas não metediço.
Passados uns dez minutos, deixei de ouvir sons. E voltei a cuscar. O problema fora resolvido com recurso à violência última: tinham decidido partir a porta. E suponho que tenham decidido manter a segurança doméstica, durante a noite, com recurso ao também clássico de uma cadeira travando o puxador interior.
Hoje, p’las dez e pouco da manhã, a segurança normal foi reposta, da forma que se vê, meio remendada. E a tranquilidade regressou, até ver.
Que não esqueço eu de um outro vizinho, que assomou na escada, bem mais preocupado com a barulheira que se ouvia que com a eventual complicação de uma jovem com uma criança de colo ficar na rua. O olhar que deitou aos presentes, eu mesmo envolvido, e as palavras que ficaram no ar foram tais que, garanto, quando lhe tocar a ele o ficar na rua, me esquecerei de todas as técnicas que fui aprendendo, mais discretas ou mais sonoras.

Que, nestas coisas de solidariedade e entreajuda, tão ou mais importante que fazer é não atrapalhar nem piorar os ânimos, por vezes mais por baixo que barriga de jacaré.

By me 

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