segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Foi num livro que li



Já não sei quando foi, mas sei muito bem onde foi: num comboio.
Algures no trajecto casa-trabalho (ou vice-versa, não me recordo) oiço uma mocinha em idade escolar afirmar bem alto para as outras três que com ela transitavam:
“É verdade sim senhora! Li num livro que sim!”
Não sei de que se trataria, nem em que livro o havia ela lido. Não tratei de perguntar e não creio que tivesse importância. Tal como não tem hoje.
O que importa, antes sim, foi o ela ter tido como inquestionável aquilo que havia lido num livro. Não se tratou de ter lido na net, ou num jornal, ou mesmo na televisão. Foi num livro.
Já lá vai o tempo em que alguém era alguém se tivesse uma enciclopédia em casa. E muitos ganharam a vida a vendê-las de porta em porta, em prestações. Hoje já ninguém se preocupa com elas. E mesmo há uns tempos, num alfarrabista, tentaram vender-me a “Britânica” inteira a um preço inferior ao da colecção completa de policiais “Vampiro”.
A moda hoje não são os livros ou os compêndios: são os “Google it” ou os “Wikipedia it”, rapidamente acedidos de um qualquer computador ou dispositivo móvel.
O que é perigoso, e muitos são os casos que qualquer um pode enumerar, é a fiabilidade do site que se consulta. E quanto mais móvel é o dispositivo, menos confirmações se fazem e mais facilmente se dá por certo aquilo que pode não o ser.
Mas um livro, caramba! Bem pode ser um romance, um poema, um compêndio ou dicionário. Ou mesmo uma enciclopédia, actualizada há dez anos atrás. Um livro tem a seriedade do papel, a honestidade de ter o nome do autor na capa, por vezes a sua fotografia na contra-capa, a responsabilidade de um depósito legal, por vezes mesmo o acréscimo de um prefácio, que o autentica e valoriza.  
Um livro tem o valor de factos e a net a efemeridade do “já me esqueci onde o soube. Foi aí na net!”
A mocinha terá tempo para descobrir que nem sempre são verdade. Que livros há que tudo e todos enganam, até nas autorias. Mas, até lá, terá ganho o prazer e o vício do manuseio da folhas, do cheiro do pó do papel, a delícia dos variados tipos de letra e das ilustrações em fotolito, estampa, gravura…
E ficam, os livros. Nas estantes, nas caixas, nas pastas e nas mesas de cabeceira. Alguns lidos uma vez na vida, outros amiúde, outros ainda como quem revisita uma amigo de longa data.
Mas estão sempre lá, incorruptos mas que nos corrompem. No caminho do prazer da leitura, do saber e do sonho.
E a sua importância é tal que muitos foram no passado, alguns recentes, todos de má memória e alguns bem próximos, os tiranos que quiseram e conseguiram em parte quase extinguir os livros do quotidiano.
Sobreviveram alguns felizes aloucados que sempre insistiram em os escrever e muitos outros, igualmente quase dementes, que insistem em os ler.

Bem hajam uns e outros, mais aquela mocinha que sabia ser verdade porque o tinha lido num livro.

By me 

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