As
fotografias que fiz no âmbito do meu projecto “Old Fashion” eram de borla. Gratuitas.
Custo zero.
Eram
elas feitas com o que aqui se vê, mais aquilo que aqui se não vê e que estava lá
dentro bem no segredo dos deuses, e entregues a troco de coisa alguma.
Alguns
desconfiavam seriamente da coisa e não queriam ser fotografados. Outros,
sabendo-o grátis, queriam fazer várias. Outros ainda não entendiam que as
coisas boas da vida são de borla, como o ouvir os pássaros ou o estar ao sol. Um
houve que me perguntou se eu tinha licença para tal negócio. E houve ainda quem
não aceitasse as condições propostas e fizesse questão de pagar. Deste último
grupo tive as surpresas mais díspares: cafés, garrafas de água, gelados, bolos,
jornais…
Recordo
uma senhora, de muito poucas posses, que me ofereceu um pequenino tripé fotográfico
já antigo, recolhido nem sei onde, “como paga de a ter fotografado no dia da
Mulher”, disse-me ela. Tenho-o aqui, à vista e em evidência, em casa.
Recordo
ainda uma outra senhora, esta com posses, que vinha com duas crianças, que
contornou o negócio à minha revelia: passou p’lo quiosque onde sabia que eu ia
tomar café, e lá deixou dinheiro para eles. Só o soube no final do dia, já com
tudo desmontado, antes de abandonar o Jardim, quando lá me disseram que tinha
ali crédito aberto.
Ou
um outro, que nas suas palavras tinha de ofício o “carregar a merda dos outros”
e que, traduzido em português corrente, corresponde a recolher de noite o lixo
dos contentores, me prometeu deixar um copo de vinho pago e à minha espera, no
tasco ali próximo e mesmo por baixo da casa onde vivia.
Ou
ainda aqueles imigrantes de leste, sem ofício nem rendimentos, que me entregaram
as pouquíssimas moedas que sobraram depois de passarem p’lo supermercado. Todas
moedas de um, dois e cinco cêntimos.
A
esmagadora maioria dos que fizeram questão de pagar aquilo que sabiam ser de
borla foi gente para quem o dinheiro é difícil e preocupação constante. Todos
eles foram sentidos e feitos, nunca como pagamento mas antes como retribuição.
Coisas já raras de ver, nos tempos que correm.
E
todos eles me tocaram fundo, p’la sinceridade dos gestos e p’la relatividade do
seu valor monetário em função das posses de quem o fazia.
Mas
o mais puro deles é o que aqui se vê: estas flozinhas, apanhadas naquele mesmo
jardim, e que me foram entregues p’la petiza que se fez fotografar com os irmãos
e os pais. Não foi um pagamento: foi uma dádiva. Uma coisa bonita por uma coisa
bonita, uma oferta por uma oferta, uma troca em que o que contou, de parte a
parte, foi o sentimento com que foi feito.
Fui
principescamente pago, naquela manhã de domingo.
A
técnica, a estética, a ética, a semiótica, tudo isso é importante em tudo o que
envolve a fotografia. Mas se não houver sentimento, caramba!, para que serve?
By me
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