Há uns anos tive
um episódio em Barcelona que acabou por ter graça, ainda que, na altura, eu não
a sentisse.
No metro desta
metrópole palmaram-me o porta-moedas.
A forma como o
fizeram foi original mas, fosse como fosse, fiquei incomodado, para não usar outro
termo. O dinheiro fora-se, naturalmente, mas era nele que tinha a chave do
quarto do hotel. E havia que bloqueá-la tão cedo quanto possível.
Dirigi-me à
esquadra de polícia que existe na estação mais central do metro da cidade para
apresentar queixa. Sabia ser inconsequente, no sentido de recuperar fosse o que
fosse, mas sempre oficializava a coisa e serviria para a estatística policial.
E foi aqui que se
levantaram os problemas, por estranho que possa parecer.
Era eu a dizer ao
agente que me atendeu que tinha sido roubado, usando do meu deficiente
castelhano, e ele a dizer-me que não, que eu tinha sido… E eu não percebia o
termo.
Estivemos nesta
uns dois minutos até que surgiu outro agente com quem me entendi. Eu não tinha
sido roubado mas sim furtado. Furioso estava eu com a questão da semântica e
pedi explicações. Que me deu. Teria sido eu roubado se tivesse havido qualquer
tipo de violência, sobre mim ou sobre o local de onde tinha desaparecido o bem
em causa. Abrir um fecho, forçar uma fechadura, cortar a roupa… Mas como tinha
sido apenas o enfiar a mão no bolso das calças para o acto, tratava-se de um
furto. E, bem mais que semântica, trata-se de uma questão legal, com
tratamentos policiais e consequências penais bem diferentes.
Aprendi várias coisas
nessa tarde, incluindo sobre termos legais.
Hoje tive uma
conversa semelhante, se bem que por motivos diferentes. Mas uma conversa de
surdos, garantido.
O sistema de
controlo de presenças da empresa onde trabalho faz-se com um cartão magnético
num sensor, após o que teremos que colocar um dedo para reconhecimento da
impressão digital. E possui um pequeno ecrã que confirma o registo.
À saída, constato
que o tal ecrã, pequeno, estava com alguns dos seus dígitos a preto, não dando
a informação por completo.
Tratei de avisar a
funcionária da empresa de segurança que ali trabalha. Por sinal, a que estava
de plantão era a superiora no local.
“Sabe que este
ecrã está avariado?”, disse-lhe depois de transpor o torniquete.
“Não está não. O
registo faz-se na mesma.” ouvi.
“Eu sei do
registo, mas estou a falar do ecrã. Está avariado!”
“Não está não!
Apenas não mostra alguns dos dígitos.” Retorquiu-me.
“Bem, isso é uma
avaria e estou a informá-la disso.”
“Isso não é uma
avaria: é uma pequena anomalia, já que está a funcionar.”
“Bem, uma avaria
pode ter vários graus. Se estivesse de todo avariado não funcionava e vocês
dir-me-iam que estava fora de serviço. Mas está avariado!”
“Não! Tem uma
pequena anomalia, sr. Duarte, e o seu reporte foi anotado.”
Aqui vacilei. Para
que ela soubesse de cor o meu nome, havia já a minha fama de “mau feitio”
preceder-me de longe. Vacilei mas não desisti, e atirei-lhe antes de sair para
a rua, com um sorriso estampado na cara:
“Pois: tal como na
questão das autárquicas, também aqui é uma questão de semântica. Tratem, então,
de reparar a coisa!”
Cá fora um outro
funcionário da mesma empresa sorriu-me à passagem. Costuma ele estar naquele
posto e conhece-me há anos. Os comentários,
guardou-os ele, e guardei-os eu, para dentro. Nem ele quereria
contradizer a chefe nem eu o queria deixar mal visto.
By me
Sem comentários:
Enviar um comentário