A primeira vez que
me aconteceu era eu estudante. Ainda circulavam autocarros de dois andares e eu
ia sentado em cima, junto à janela.
Ao passar naquela
rua estreita, por onde passava todos os dias, passou ele rente aos prédios de
dois pisos, alguns três, em que um deles tinha um terraço mesmo à altura da
janela em que eu estava. E vi-a!
Deslumbrante. De
ficar gravado na memória, mais que as feições, a certeza de nunca ter visto
alguém tão bonito e perfeito quanto aquela rapariga, debruçada sobre a balaustrada
do terraço.
Foram já uns
milhares de vezes que, de então para cá, passei nessa rua. Nunca de propósito,
admito. Mas não creio que tenha conseguido não olhar para aquele terraço,
tentando ver de novo aquilo que imagino ser a aproximação da perfeição.
Claro que nunca o
consegui, pelo que me resta o que a memória me conta, passados que são mais de
quarenta anos.
A segunda vez foi
há uma meia dúzia de anos.
Descia eu uma
avenida do meu bairro, entretido com os meus pensamentos e a caminho do
trabalho quando, do outro lado da rua, a vejo.
Mulher de vinte e
tal anos, seria impossível àquela distância notar uma imperfeição que fosse. As
feições, o cabelo, a pose, o andar, todo o conjunto…
Não consegui
admirar muito mais. Se caminhávamos em sentidos opostos e cada um do seu lado
da rua, no meu caminho estava um maldito sinal de trânsito onde embati como nos
filmes: todo inteiro. Ficou o poste a abanar, fiquei eu a abanar, e ficaram
algumas pessoas a abanar de riso, que a tudo assistiram. Tal como eu, por entre
o queixar-me da forte pancada.
Também esta não
tornei a ver, que disto se não deve ter apercebido e que nunca a soube como
moradora no bairro.
A terceira vez de
que me recordo foi hoje.
P’la janela do
comboio, parado que estava numa estação, vejo no cais oposto outra figura,
certamente que moldada por mãos inspiradas do Olimpo.
E, do que me foi
possível entrever no fugidio tempo do seu caminho e do retomar de marcha do meu
comboio, não a reconheci como residente na zona.
Daquilo que sei da
sorte que tenho e de quão fugazes são estes episódios, não acredito que a torne
a ver. Que nem sequer se tratava de uma estação que frequente amiúde.
Ficar-me-á a
recordação de num dia de bátega a anunciar a mudança de tempo ter encontrado
uma daquelas situações que escaparam à minha câmara fotográfica, mas que ficam
registadas ad eternum. Tão eterno quanto eu mesmo e os meus neurónios.
Não sei, no
entanto, se estes três “registos fotográficos” não serão dos melhores que
alguma vez terei feito.
By me
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