quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Registos fotográficos




A primeira vez que me aconteceu era eu estudante. Ainda circulavam autocarros de dois andares e eu ia sentado em cima, junto à janela.
Ao passar naquela rua estreita, por onde passava todos os dias, passou ele rente aos prédios de dois pisos, alguns três, em que um deles tinha um terraço mesmo à altura da janela em que eu estava. E vi-a!
Deslumbrante. De ficar gravado na memória, mais que as feições, a certeza de nunca ter visto alguém tão bonito e perfeito quanto aquela rapariga, debruçada sobre a balaustrada do terraço.
Foram já uns milhares de vezes que, de então para cá, passei nessa rua. Nunca de propósito, admito. Mas não creio que tenha conseguido não olhar para aquele terraço, tentando ver de novo aquilo que imagino ser a aproximação da perfeição.
Claro que nunca o consegui, pelo que me resta o que a memória me conta, passados que são mais de quarenta anos.
A segunda vez foi há uma meia dúzia de anos.
Descia eu uma avenida do meu bairro, entretido com os meus pensamentos e a caminho do trabalho quando, do outro lado da rua, a vejo.
Mulher de vinte e tal anos, seria impossível àquela distância notar uma imperfeição que fosse. As feições, o cabelo, a pose, o andar, todo o conjunto…
Não consegui admirar muito mais. Se caminhávamos em sentidos opostos e cada um do seu lado da rua, no meu caminho estava um maldito sinal de trânsito onde embati como nos filmes: todo inteiro. Ficou o poste a abanar, fiquei eu a abanar, e ficaram algumas pessoas a abanar de riso, que a tudo assistiram. Tal como eu, por entre o queixar-me da forte pancada.
Também esta não tornei a ver, que disto se não deve ter apercebido e que nunca a soube como moradora no bairro.
A terceira vez de que me recordo foi hoje.
P’la janela do comboio, parado que estava numa estação, vejo no cais oposto outra figura, certamente que moldada por mãos inspiradas do Olimpo.
E, do que me foi possível entrever no fugidio tempo do seu caminho e do retomar de marcha do meu comboio, não a reconheci como residente na zona.
Daquilo que sei da sorte que tenho e de quão fugazes são estes episódios, não acredito que a torne a ver. Que nem sequer se tratava de uma estação que frequente amiúde.
Ficar-me-á a recordação de num dia de bátega a anunciar a mudança de tempo ter encontrado uma daquelas situações que escaparam à minha câmara fotográfica, mas que ficam registadas ad eternum. Tão eterno quanto eu mesmo e os meus neurónios.
Não sei, no entanto, se estes três “registos fotográficos” não serão dos melhores que alguma vez terei feito.

By me

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