Nos comboios da
linha de Sintra, Lisboa, os bancos são geralmente verdes. Uma espécie de veludo
de cor base verde com um desenho repetido do logótipo da CP. Nas carruagens não
motorizadas são 48 os lugares sentados.
Na coxia e na
janela, frente a frente, em grupos de três nos topos, há de tudo. E cada um tem
o seu lugar preferido, função da comodidade, do acesso à porta, isolamento, de
frente ou de costas para o trajecto…
Mas há oito
lugares que são vermelhos. Do mesmo tecido e padrão dos demais mas de cor
vermelha. São desta cor para assinalar que se trata de lugares prioritários ou
reservados a portadores de deficiência, grávidas e acompanhantes de crianças de
colo.
Para já, lamento
que haja necessidade de haver lugares reservados. Cada viajante deveria ter a
consciência de quem com ele viaja e ceder o lugar a quem dele necessite
efectivamente, sem que tenha que haver regras para o definir!
Talvez num futuro
não muito distante isto possa vir a ser verdade.
Mas o que é
patusco, verdadeiramente curioso, é a cor escolhida.
Nos códigos
ocidentais, mas não só, a cor vermelha foi eleita como a cor do perigo, da
proibição, do mal e do pecado.
A sinalização para
viaturas ou pedestres assim o indica, quer se trate de sinais passivos ou
activos.
Ou, indo mais
longe, a lanterna vermelha que, pendurada sobre uma porta, indicava um bordel,
uma casa de pecado.
Mas o código de um
assento vermelho entre outros de cores diversas indica genericamente que é
proibido lá sentar, excepto alguns em particular.
Há uns tempos, já
depois do anoitecer, viajavam nesses mesmos dois bancos, um homem e uma mulher.
Bem na minha frente. Suponho que fossem Cabo-Verdianos, já que falavam entre si
Crioulo.
É uma língua
estranha para um português, já que usa termos lusos e outros de origem bem
distinta.
Da conversa deles
apercebi-me apenas de alguns pedaços soltos, cujo resultado seria qualquer
coisa como isto:
Argumentava o
homem que a reserva ou proibição de sentar naqueles bancos vermelhos só se aplicava
nas horas normais de expediente.
Segundo ele, só
nesse período é que os portadores de deficiência, grávidas ou acompanhantes de
crianças de colo tinham forçosamente que viajar. Fora desse horário seriam
iguais a todos os outros, não havendo lugar a qualquer reserva.
Junto com as
gargalhadas surdas que me estremeciam, um outro sentimento me invadiu:
Quebrar um dos
vidros assinalados como saída de emergência e fazê-lo sair por lá com o comboio
em andamento!
É uma urgência,
uma necessidade imperiosa que este cavalheiro, e outros como ele, entendam que
a sociedade se compõe de indivíduos, todos diferentes na língua, na cor, na
mobilidade, e noutras características individuais. Tal como ele. E que compete
ao conjunto atender às necessidades específicas de cada um.
Talvez depois de
uma saída intempestiva ele mesmo se transformasse num portador de deficiência e
entendesse que ela não escolhe horas nem locais: está sempre!
Mas contive-me.
Nem gargalhei nem o vidro ou os seus dentes se partiram.
Com grande pena do
pedaço de rebelde que há em mim.
By me
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