sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Incidentes




A história tem trinta e dois anos.
Decorria a campanha eleitoral para a presidência da República, a segunda desde a revolução.
De entre os candidatos, destacavam-se como “favoritos” Ramalho Eanes, que se recandidatava a um segundo mandato e Soares Carneiro, que contra ele concorria.
Fora decidido fazer entrevistas a solo com cada um dos candidatos dia sim dia não, e a ordem dessas entrevistas seria a inversa à da respectiva base de apoio. Todas conduzidas pela mesma pessoa, uma jornalista da casa. De igual forma, fora decidido que a equipa técnica deveria ser a mesma, por motivos de pluralidade e igualdade de tratamento. Eu fui um deles.
Logo aquando da primeira gravação (porque eram gravadas) fiquei furioso. A jornalista vestia um fato saia/casaco em veludo azul-escuro, o que era do piorio em termos de imagem televisiva. Consoante o ângulo da câmara e a incidência da luz, assim o veludo assumia tons diversos, sendo uma trabalheira conseguir que mantivesse o mesmo azul de origem. Disse, então, “cobras e lagartos” da jornalista, que sabia, como todos os profissionais de televisão, que tal tecido não era passível de ser usado.
Foram inconsequentes os meus protestos, e a entrevista foi assim gravada. Tal como todas as outras nos dias seguintes, até que chegou a vez de Soares Carneiro, o oponente directo a Eanes.
Nesse dia, a jornalista apresentou-se em estúdio com um vestido creme, com umas estampagens de folhas verde pálidas. Recordo ter dito, em tom de brincadeira, que ela teria entornado o prato de sopa e mandado o fato para a lavandaria.
Dois dias depois foi a vez da última entrevista, desta feita com Eanes. E ela voltou a usar o maldito fato azul-escuro de veludo.
Disse eu o que gostaram e não gostaram de ouvir. Que, e para além das questões técnicas e do vigorava como normas sob o nome de “palete de cor” (estávamos a começar a fazer televisão a cor em Portugal e estas questões eram levadas particularmente a sério), esta mudança de vestuário não seria nem casual nem inocente, no que respeita a, com ela, influenciar subjectivamente, o público.

Disse-o então e continuo convicto do mesmo, passados todos estes anos e tanta gente em frente da minha consola ou objectiva.

O nome da jornalista em causa? Não o digo!
Foi ela minha colega de trabalho, foi ela minha colega de liceu e, dizem as regras de etiqueta, não fica bem falar mal dos que já morreram.
Aqueles que ainda por cá estão e que se recordem do episódio poderão atestar da veracidade da coisa.
Mas fica a história e fica o exemplo de como, com gestos subtis ou nem tanto, se podem “mandar recados”. Mesmo que pareçam ser deslizes infelizes.

By me 

2 comentários:

joaquim bispo disse...

Não se bate nos mortos, mas a jornalista em causa tinha um evidente alinhamento ideológico que colidia com um isento desempenho da profissão.
A jornalista que morreu hoje era alinhada partidariamente, mas não se bate nos mortos.
Caso encerrado.

Anónimo disse...

DIGO EU.

Esse tipo de "jornalismo" ganhou raízes e agora esá por todo o lado.