quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Números




Tudo o que parece organizado no universo encontra eco no homem. Criar uma imagem é um acto de pose das coisas pelo artista; é parar a fuga do tempo, talvez mesmo, atrasar a morte. Talvez por isso, um dos temas mais representados da história pictográfica, depois do ser humano, seja o relógio. Aquele não podemos possuir, este não podemos dominar.
Sensível às harmonias naturais, vivendo entre elas, o homem sempre teve o desejo de entender o que está na base da emoção artística; mesmo que um espírito científico possa tentar explicar a natureza, a vida, através de leis matemáticas (o “acaso” é agora uma ciência exacta: a probabilidade), basta simplesmente ser sensível às concordâncias que parecem orquestrar o universo.
A harmonia das proporções é, sem dúvida, visível, evidente, comensurável; mas também é imaterial e, portanto, subjectiva.
Os monumentos do Egipto antigo, por exemplo, foram construídos de acordo com princípios geométricos muito rigorosos; entre as diversas partes dos monumentos existem proporções simples de 1:2, 3:4, 3:5, 4:5, fáceis de desenhar sobre papiro e de construir com pedra. Para as conceber, o construtor utilizava um regulador de proporções – um módulo – ou seja, um triângulo rectângulo cujos lados tinham as proporções de 3,4,5. Este triângulo rectângulo – mais tarde chamado de “Pitágoras” – é ainda hoje a base de muitas combinações, graças às suas propriedades notáveis.
Desde sempre não foram os números considerados misteriosos? A procura da quadratura do circulo não é parente da procura da pedra filosofal? Assim, a arte se aproximava do mundo misterioso dos números, ou seja, dos deuses.
Muito naturalmente, foram nas proporções humanas que foram procuradas relações harmoniosas e onde os artistas as encontraram. Já no séc. I AC que o general romano Vitruvio enunciava as proporções do corpo humano ao inseri-las em figuras geométricas rigorosas. Leonardo DaVinci viria a fazer o mesmo, séculos mais tarde, inspirando-se em pesquisas da mesma ordem. Para citar um exemplo, encontramos nos apontamentos do arquitecto Villard de Honnecourt (séc. XIII), por entre os projectos das catedrais que ergueu, expressões humanas inseridas no interior de figuras geométricas proporcionadas.
No sec XIV o bolonhês Fibonacci ao estudar séries cruzadas de números, encontrou, muito antes que elas pudessem ser cientificamente conhecidas, as leis da multiplicação das células dos seres vivos; as mesmas que explicam matematicamente a evolução harmoniosa da concha do caracol... chegando sempre a um número misterioso: o número de ouro.

Entenda-se, no entanto, que se as regras, as fórmulas e os números fossem a chave mestra para a produção de objectos de arte (da cerâmica à arquitectura, da pintura à música) o ser humano deixaria de ser necessário a tais obras, bastando um qualquer computador bem programado para fazer obras-primas.



Texto: in "Olhar, ver, captar" de JC Duarte,
adaptado de "L'objet et son image" publications Paul Montel

Imagem: by Leonardo DaVinci, algures na web

Sem comentários: