Tudo o que parece
organizado no universo encontra eco no homem. Criar uma imagem é um acto de
pose das coisas pelo artista; é parar a fuga do tempo, talvez mesmo, atrasar a
morte. Talvez por isso, um dos temas mais representados da história
pictográfica, depois do ser humano, seja o relógio. Aquele não podemos possuir,
este não podemos dominar.
Sensível às
harmonias naturais, vivendo entre elas, o homem sempre teve o desejo de
entender o que está na base da emoção artística; mesmo que um espírito
científico possa tentar explicar a natureza, a vida, através de leis
matemáticas (o “acaso” é agora uma ciência exacta: a probabilidade), basta
simplesmente ser sensível às concordâncias que parecem orquestrar o universo.
A harmonia das
proporções é, sem dúvida, visível, evidente, comensurável; mas também é
imaterial e, portanto, subjectiva.
Os monumentos do
Egipto antigo, por exemplo, foram construídos de acordo com princípios
geométricos muito rigorosos; entre as diversas partes dos monumentos existem
proporções simples de 1:2, 3:4, 3:5, 4:5, fáceis de desenhar sobre papiro e de
construir com pedra. Para as conceber, o construtor utilizava um regulador de
proporções – um módulo – ou seja, um triângulo rectângulo cujos lados tinham as
proporções de 3,4,5. Este triângulo rectângulo – mais tarde chamado de
“Pitágoras” – é ainda hoje a base de muitas combinações, graças às suas
propriedades notáveis.
Desde sempre não
foram os números considerados misteriosos? A procura da quadratura do circulo
não é parente da procura da pedra filosofal? Assim, a arte se aproximava do
mundo misterioso dos números, ou seja, dos deuses.
Muito
naturalmente, foram nas proporções humanas que foram procuradas relações
harmoniosas e onde os artistas as encontraram. Já no séc. I AC que o general
romano Vitruvio enunciava as proporções do corpo humano ao inseri-las em
figuras geométricas rigorosas. Leonardo DaVinci viria a fazer o mesmo, séculos
mais tarde, inspirando-se em pesquisas da mesma ordem. Para citar um exemplo,
encontramos nos apontamentos do arquitecto Villard de Honnecourt (séc. XIII),
por entre os projectos das catedrais que ergueu, expressões humanas inseridas
no interior de figuras geométricas proporcionadas.
No sec XIV o
bolonhês Fibonacci ao estudar séries cruzadas de números, encontrou, muito
antes que elas pudessem ser cientificamente conhecidas, as leis da multiplicação
das células dos seres vivos; as mesmas que explicam matematicamente a evolução
harmoniosa da concha do caracol... chegando sempre a um número misterioso: o
número de ouro.
Entenda-se, no
entanto, que se as regras, as fórmulas e os números fossem a chave mestra para
a produção de objectos de arte (da cerâmica à arquitectura, da pintura à música)
o ser humano deixaria de ser necessário a tais obras, bastando um qualquer
computador bem programado para fazer obras-primas.
Texto: in
"Olhar, ver, captar" de JC Duarte,
adaptado de "L'objet et son image" publications Paul Montel
Imagem: by Leonardo
DaVinci, algures na web
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