Sobre esta
fotografia muita coisa pode ser dita.
Começando pelos
malefícios do tabaco, coisa que todos os fumadores sabem, eu mesmo incluído,
mas que fazem por esquecer.
Passando pela
questão do acordo ortográfico, que me leva, ao lê-lo, a ficar na dúvida que falta
ali um B de bato, um C de cato, um F de fato, um G de gato, um J de jato, um M
de mato, um N de nato, um P de pato, um R de rato, um T de tato, ou um C de
acto. Admito que levo uns segundos a ler isto e a fazer uma leitura de
interpretação e não uma leitura factual e inequívoca, como deveria ser. Tenho
para mim que este Acordo resulta mais na contracção de palavras usadas nos SMS
que na uniformização das grafias de diferentes países. E fico curiosos em saber
se a moda pega ou se, em breve, o comum dos utilizadores da língua mandará às
urtigas as decisões de lentes desfocadas e escreverá de forma a que todos
entendam.
Mas o mais
importante nesta fotografia e no aviso que ela contém é a existência do aviso.
Foi ela feita
ainda não há uma semana porque me surpreendeu que ali estivesse colocado. Que o
está no cafezinho da minha rua, que conheço há anos, e onde nunca por ele tinha
dado.
De conversa com a
dona do local, enquanto me preparava a bica cheia, explicou-me ela que há
alguns clientes que vêem buscar o tabaco ao balcão para ir para as mesas e,
quando se vão embora e pagam a despesa, o tabaquito cai no olvido.
Falamos de alguns
clientes habituais, daqueles que vão ali passar uma hora ou mais de volta do
jornal do dia, generalista ou desportivo, que o estabelecimento compra para que
os clientes consultem. Falamos daqueles clientes que, em entrando e para além
da saudação aos presentes, vão a esta ou aquela mesa perguntar pela saúde de
algum parente ou pela resolução de algum problema anteriormente ali exposto.
Falamos de vizinhos da mesma rua, que este café só tem destes como clientes,
que por aqui é raro parar quem o não seja.
Mas também
falamos, acrescentou-me ela, dos mesmos clientes que a obrigaram, há muito, a
ter fora do alcance fácil no balcão, o adoçante para os cafés, que pouco
duraria uma caixa dele. Ou dos mesmos clientes que a levaram a também retirar
de cima do balcão os cestos de açúcar para evitar que seja “colhido” às mãos
cheias.
A desonestidade ou
o aproveitar da ocasião é algo que está intrinsecamente em cada um de nós.
Disso não há dúvida. O que nos impede de o fazer será, talvez, o respeito que
temos pelo próximo, o sabermos que aproveitarmo-nos do que não é nosso não é
correcto, que roubar é um acto feito. Mas essa fronteira também é flutuante, ajustando-se
às circunstâncias e às necessidades. O aumento do desemprego e das dificuldades
económicas leva muitos, que conhecemos desde há muito, a passar para o outro
lado e a cometer estes “pequenos” delitos. Que, por pequenos que sejam, não
deixam de o ser.
Não creio que
aqueles que acerrimamente defendem a competitividade e a sobrevivência dos mais
aptos entendam que ao alimentar essas teorias estão, na prática, a desviar as
fronteiras do civismo, a colocar os valores éticos bem mais abaixo que a questão
da satisfação de necessidades básicas ou parecidas. E a incentivar a que estes
pequenos furtos, cometidos sobre conhecidos e vizinhos, sejam o início de uma carreira
na mesma linha mas de maiores dimensões, em que o café ali da esquina é substituído
pela gasolineira ou supermercado e em que a descrição do acto se substituirá
pela violência de uma qualquer arma, usada ou não.
A existência do
crime e do medo que ele aconteça é algo que satisfaz em pleno os detentores do
poder. Que enquanto estivermos preocupados sobre a segurança de pessoas e bens
aqui na porta de casa, nem pensamos nos outros roubos de muito maiores dimensões,
permitindo que o medo da insegurança seja a desculpa para o cercear da
liberdade de ser e pensar.
Faz parte de
qualquer cartilha de aspirantes a títeres que o medo é a base de uma sociedade
super controlada e o alimento das ditaduras.
Naquele dia saí do
café com um troféu na câmara fotográfica. Mas com a alma um pouquinho mais
triste.
By me
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