sábado, 21 de julho de 2012

Epitáfio V




Acabava aqui a carreira 21.
A bandeira, por cima do motorista, dizia “Av. De Berlim”, mas a verdade é que terminava, ou começava, na Av. Cidade de Luanda. Mesmo no cruzamento com a tal Av. de Berlim, onde ficava, e fica, o cantinho mais ignoto da velha piscina dos Olivais.
Os tempos mudaram, oh se mudaram. E se naqueles tempos só andavam na rua de noite guardas-nocturno, padeiros, operários e meliantes, hoje as coisas são de outra forma, que os centros comerciais fecham tarde e os demais horários são diversificados.
Assim, foi criada algures no tempo a “rede da madrugada” que, não funcionando com a frequência que muitos desejariam, acabam por poder levar ao seu destino muitos dos que acabam ou começam a labuta diária quando muitos ainda nem sonham em acordar.
Nesses reajustes e em parte do trajecto, não sei por humor se por que outra razão, a paragem a 21 passou a denominar-se 210. Suponho que quem hoje a utilize nem desconfie que aqui mesmo, naquela chapa, em tempos não houve o zero.
Mas também acredito que, dentro de algum tempo, a grande maioria nem se recorde mesmo que já houve uma carreira 21. Talvez dê pelo estranho de esse número não estar a ser usado, mas nem saberá por onde passava, de onde vinha ou onde terminava. Era aqui.
Inicialmente vinha do Rossio, passava ao Marquês, fazia as Avenidas Novas, atravessava Alvalade, subia até ao Relógio, entrava nos Olivais por cima e acabava em baixo.
Não me recordo se terá usado os velhinhos “porta atrás”, mas talvez seja falha minha. Mas por certo que foi das primeiras, a par com o 44, a usar os de dois pisos e duas portas, modernaços à época. Carros esses que já tinham os varões verticais forrados de plástico e onde já não se ouvia o bater do alicate do mui odiado cobrador.
Já não há de dois pisos, já não há cobradores, já não há alicates e já não há carreira 21.
Não moro nos Olivais nem em Alvalade, ainda que os cruze de quando em vez. Mas consigo imaginar o que sentirão os que ali vivem ao ser-lhes assim retirado uma carreira de autocarro sem que o que supostamente o substitui - o metro – satisfaça as necessidades dos pontos intermédios.
Mas se por lá morasse, seria certo que faria uma vigília que, se não servisse para convencer os decisores de gabinete, serviria como velório de uma carreira. A 21.

By me 

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