Quando eu conheci
esta paragem, só havia dois números inscritos nela: 10 e 31.
Ambas oriundas de
Moscavide, seguia a primeira para a Praça do Chile, a segunda para o Hospital
de Santa Maria. Cruzavam parte do bairro da Encarnação, atravessavam os Olivais
Sul, seguiam até ao Relógio (que era realmente grande) e aí divergiam para os
seus destinos.
Por estranho que
possa parecer, a segunda circular não existia e ao fim da tarde a Av. Do Brasil
engarrafava até ao Marquês. Outros tempos.
As vias
multiplicaram-se de então para cá. E os autocarros baixaram em altura,
aumentaram em comprimento, mudaram de cor e mudaram de rotas. Alguns mudaram
tanto, mas tanto mesmo, que deixaram de existir, como a carreira 10.
Outras carreiras
foram entretanto reajustadas nos seus percursos. A 21, deixou de cruzar os
Olivais pelo antigo Pão de Açúcar e a passou a descer esta avenida, a Av.
Cidade de Lourenço Marques. E a parar nas mesmas paragens onde eu tomava o
autocarro a caminho da escola e do liceu.
O que então eu via
enquanto esperava pouco tinha de comum com isto: não havia abrigo, com o que
isso implicava de chuva ou sol, e aquelas mesmas árvores que agora vemos eram
mais pequenas que os autocarros. Em boa verdade, muitas delas eram mais pequenas
que eu mesmo, mas cresci eu e cresceram elas, com vantagem para os vegetais.
De então e daqui não
guardo fotografias. Ainda que possuísse uma câmara, oferta de Natal, fotografar
era muito caro e raramente havia dinheiro para isso.
Em compensação,
esta fotografia, digital e feita com os dedos e com a memória, foi registada no
último dia possível: ontem. Que hoje esta placa indicadora já não deverá
ostentar o número 21.
Tal como alguns
dos meus vizinhos de então, da minha idade ou da geração anterior, já
faleceram, também ontem morreu a carreira 21, vítima das modernidades e evoluções.
No caso, das novas estações de metro.
Claro que aqui,
nesta avenida ladeada de arvoredo de um lado e prédios do outro, não há bocas de
metro. Talvez que, aqui, não faça falta nem metro nem autocarro, se alinharmos
o nosso pensamento por aquele de quem decidiu o fim da carreira.
Mas, em passeando
por aqui, constato que tal como eu envelheci e as árvores cresceram, também boa
parte da população envelheceu, havendo agora muitas mais bengalas e muletas que
nos meus tempos de catraio estudante.
A carreira 21
morreu, executada por decisores de gabinete que mais importância darão aos
custos que aos benefícios sociais. Tal como morrerão parte dos habitantes deste
e de outros bairros atravessados por ela. E tal como também morrerão, de pé,
estas árvores. E eu mesmo, p’la certa.
Sobreviverá,
talvez, o asfalto que ela percorria. E, garantidamente, a memória.
By me
Sem comentários:
Enviar um comentário