Um dia, já lá vão
uns anitos valentes, bateram-me à porta. Do que recordo, seria pelo fim da
tarde e esta estaria soalheira.
Tratava-se de um
casal, vizinho da rua e bem jovem. Se a memória me não falha, ele era estudante
de engenharias. E vinham com o propósito de me questionarem sobre um tema que
supunham eu saber: O número de ouro.
De alguma forma
ele tinha embatido neste número/conceito/razão nos seus estudos e procuravam
saber, sabendo-me fotógrafo, da sua origem, história e aplicações estéticas.
Recordo que a
conversa foi prazenteira, falando eu de cor do pouco que sabia e consultando
alguns livros sobre o restante. Ficámos ambos, ele e eu, a saber um pouco mais
da matéria.
Quanto à
companheira, pouco lhe ouvi a voz para além das saudações iniciais e finais. E,
de memória, não retenho o seu nome, ou o dele.
E, à medida que o
tempo foi passando, fui-os vendo pela rua, sem mais contactos que as saudações
habituais ou uma ocasional troca de palavras sobre o tempo ou equivalente.
Apercebi-me da chegada do primeiro carro, tal como da chegada do primeiro filho
e a vida foi-nos correndo, diligente e rapidinha, como é seu hábito. E, no meu
acompanhá-la com rumo incerto e destino desconhecido, mudei de casa no bairro e
deixei de os ver.
Há uns dias,
enquanto descia e subia as escadas para o comboio diário, eis que fico de boca
aberta, espero bem que apenas em sentido figurado: Cruza-me o caminho uma
mulher, linda quase de morrer e que, em trajes quase de praia, se dirigia para
as bilheteiras. Ia empurrando um rapazito, dos seus 10 ou 11 anos, com
roupagens equivalentes.
E, enquanto eu ia
observando aquela beleza, os nossos olhos cruzaram-se e ela sorriu-me e
cumprimentou-me. Naturalmente que correspondi da mesma forma, mas não a
reconhecia de todo, melhor, não a localizava no passado, próximo ou distante.
Levei bem uns dez minutos a identifica-la, o que aconteceu já com um pé no
degrau da carruagem.
Tratava-se da tal
jovem que, quase em silêncio, tinha estado lá em casa em busca do número de
ouro. Numa altura em que aquela criança não passava de um projecto sem data
marcada.
As minhas barbas
cresceram e embranqueceram, aquele tímido e jovem botão transformou-se numa
bela e madura mulher, mantendo ou melhorando o sorriso.
E o tempo
continuará até que do catraio já nem a lembrança exista. Que nós duramos menos,
muito menos, que um número. Que ele, o de ouro, continuará por cá, com os seus
algarismos, virgula e demonstrações geométricas. E a encantar quem o conheça,
com a sua eterna harmonia e a surpreendente frequência com que o constatamos no
universo que conhecemos ou viremos a conhecer.
Pensando agora
sentado no comboio naquele sorriso fugaz que recebi, pergunto-me se a sua dona
não será - pela certa que o é! – uma materialização do número de ouro.
Imagem: “Shell”, by Edward Weston, 1927
By me
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