terça-feira, 17 de julho de 2012

Estória postal




ou:
O GRANDE ROUBO DO CORREIO E O DETECTIVE DE TRAZER POR CASA


Uma ocasião, ao chegar a casa, constato que tinham assaltado a minha caixa do correio.
Nem arrombaram a fechadura nem forçaram a portinhola. Tinham dobrado para dentro aquela chapa de alumínio interior que, com os seus 45º com a fachada, impedia a entrada das mãos.
Fiquei meio chateado, meio curioso.
Chateado por ter saído na rifa a um qualquer larápio e por a caixa ter ficado danificada. Curioso por não perceber o motivo, já que nada recebia de valioso: nem cheques nem vales postais ou qualquer encomenda que valesse o trabalho.
Sendo o dano apenas na chaparia de alumínio, lá o endireitei como pude e não pensei mais no caso.
Até que, uns dias depois, a estória repetiu-se: a tal chapa dobrada para dentro. Prestei atenção às outras da vizinhança e estavam incólumes. O objectivo tinha sido mesmo e apenas a minha caixa de correio e a respectiva correspondência.
Continuando sem perceber o porquê, lá tornei a endireitar a coisa, mas fiquei com pulga atrás da orelha. Que raio!?

Na semana seguinte, a situação repetiu-se.
De curioso e chateado, passei a furioso. Com o dobrar e endireitar, a chapa partiu-se, tornando o roubo mais fácil, para não falar no “mau aspecto” do conjunto das caixas de correio.
Mas desta feita percebi o motivo: todos os roubos se tinham processado numa quarta-feira, dia em que recebia uma revista sobre a programação televisiva. Eu nem a assinava, era-me enviada gratuitamente pela empresa onde trabalho e que possuía aquele título.
Bolas! E eu que nem ligava nenhuma à porcaria da revista!

Com estes dados, pus pés a caminho: polícia judiciária, em Lisboa. Que eu saiba, o roubo ou violação postal é crime neste país!
Lá, apesar de cortesmente atendido, fiquei de orelha murcha. Eu tinha motivos para apresentar queixa, sim senhor, mas não ali. Aquele tipo de crimes era recebido e resolvido pelas forças policiais da zona e, no meu caso, seria a GNR a tratar do caso.
E se assim é, assim será! Lá voltei para trás, fui ao posto da Guarda e apresentei queixa. Sem grandes esperanças na sua eficácia, mas apresentei na mesma.

Passados uns tempos, e com os roubos, agora furtos, a manterem-se, sou chamado ao posto da Guarda.
Aí sou informado das diligencias efectuadas: Por duas quartas-feiras consecutivas tinha estado um carro civil com dois agentes à paisana de vigia ao meu prédio e nada tinham constatado. E, perante o meu pedido de ao menos irem recolher as impressões digitais (não se falava ainda de testes de ADN), fiquei a saber que no alumínio elas não perduram, pelo que seria inconsequente.
E fiquei ainda informado que, face à inconclusão das investigações, davam o caso por encerrado, que eles tinham mais que fazer que caçar um ladrão de revistas.

Não me dei por satisfeito! E resolvi apelar ao espírito Luso: o improviso.
Rebusquei em caixas velhas até encontrar um velho “besouro”, o que sobrava de um conjunto de transmissão de código Morse da minha meninice. Juntei-lhe uma valente pilha de 4,5 volts e, com alguns cabos eléctricos, uns arames e alguma fita adesiva, improvisei um interruptor e uma armadilha.
Esperei pela 4ª feira seguinte e pela chegada do correio. Lá vinha a fatídica revista. Após a partida do carteiro, e sem que ninguém visse os meus preparativos, instalei a geringonça.
O teste foi excelente: ao puxar-se a revista para fora, aquilo fazia um barulho dos diabos, usando a caixa de correio como caixa de ressonância, para já não falar no eco da escada.
Deixando tudo como se nada fosse, peguei na cadeira de praia que tinha comigo e munido de tabaco, isqueiro e uma lata de refrigerante, primeiro com e depois sem a servir de cinzeiro, desci à cave, preparado para uma longa espera. Havia de dar com o meliante!
Enquanto lá estive, muito ouvi o abrir e fechar da porta do prédio, as conversas de quem ali entrava e saía e o subir e descer dos elevadores. E a sonolência ia tomando conta de mim, que o fresco do local e a obscuridade a tal convidavam.

Até que acordei de súbito! Aquilo “besourava” por todos os lados, clamando por mim como um alarme de bombardeamento!
Não creio que um campeão de corrida de fundo tivesse subido aqueles dois lances de escada, de nove degraus cada, mais rápido que eu. Quando lá cheguei, nem a porta do prédio se tinha ainda fechado!
E o meliante apanhado, com um ar mais que culpado. Neste caso A meliante, que se tratava de uma garota, de 12 ou 13 anos e residente no prédio. “Palmava-me” a revista para seguir as telenovelas que ali vinham descritas.
Claro que ouviu “sermão e missa cantada”, com toda a fúria que eu tinha e a ameaça bem explícita de a denunciar junto dos pais, da polícia, dos serviços secretos e do mais que me lembrei. E deixei em suspenso a ameaça para a concretizar na próxima vez.

Não sei se por medo, se por ter aprendido o erro do seu acto, a verdade é que não mais aconteceu. E passados uns tempos, passei a deixar a revista na sua caixa do correio no próprio dia em que a recebia. Afinal, ela nem me interessava.
E as autoridades policiais ficaram a dever-me uma, pela sua ineficácia!

By me

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