ou:
O GRANDE ROUBO DO
CORREIO E O DETECTIVE DE TRAZER POR CASA
Uma ocasião, ao
chegar a casa, constato que tinham assaltado a minha caixa do correio.
Nem arrombaram a
fechadura nem forçaram a portinhola. Tinham dobrado para dentro aquela chapa de
alumínio interior que, com os seus 45º com a fachada, impedia a entrada das
mãos.
Fiquei meio
chateado, meio curioso.
Chateado por ter
saído na rifa a um qualquer larápio e por a caixa ter ficado danificada.
Curioso por não perceber o motivo, já que nada recebia de valioso: nem cheques
nem vales postais ou qualquer encomenda que valesse o trabalho.
Sendo o dano
apenas na chaparia de alumínio, lá o endireitei como pude e não pensei mais no
caso.
Até que, uns dias
depois, a estória repetiu-se: a tal chapa dobrada para dentro. Prestei atenção
às outras da vizinhança e estavam incólumes. O objectivo tinha sido mesmo e
apenas a minha caixa de correio e a respectiva correspondência.
Continuando sem
perceber o porquê, lá tornei a endireitar a coisa, mas fiquei com pulga atrás
da orelha. Que raio!?
Na semana
seguinte, a situação repetiu-se.
De curioso e
chateado, passei a furioso. Com o dobrar e endireitar, a chapa partiu-se,
tornando o roubo mais fácil, para não falar no “mau aspecto” do conjunto das
caixas de correio.
Mas desta feita
percebi o motivo: todos os roubos se tinham processado numa quarta-feira, dia
em que recebia uma revista sobre a programação televisiva. Eu nem a assinava,
era-me enviada gratuitamente pela empresa onde trabalho e que possuía aquele
título.
Bolas! E eu que
nem ligava nenhuma à porcaria da revista!
Com estes dados,
pus pés a caminho: polícia judiciária, em Lisboa. Que eu saiba, o roubo ou violação
postal é crime neste país!
Lá, apesar de
cortesmente atendido, fiquei de orelha murcha. Eu tinha motivos para apresentar
queixa, sim senhor, mas não ali. Aquele tipo de crimes era recebido e resolvido
pelas forças policiais da zona e, no meu caso, seria a GNR a tratar do caso.
E se assim é,
assim será! Lá voltei para trás, fui ao posto da Guarda e apresentei queixa.
Sem grandes esperanças na sua eficácia, mas apresentei na mesma.
Passados uns
tempos, e com os roubos, agora furtos, a manterem-se, sou chamado ao posto da
Guarda.
Aí sou informado
das diligencias efectuadas: Por duas quartas-feiras consecutivas tinha estado
um carro civil com dois agentes à paisana de vigia ao meu prédio e nada tinham
constatado. E, perante o meu pedido de ao menos irem recolher as impressões
digitais (não se falava ainda de testes de ADN), fiquei a saber que no alumínio
elas não perduram, pelo que seria inconsequente.
E fiquei ainda
informado que, face à inconclusão das investigações, davam o caso por
encerrado, que eles tinham mais que fazer que caçar um ladrão de revistas.
Não me dei por
satisfeito! E resolvi apelar ao espírito Luso: o improviso.
Rebusquei em
caixas velhas até encontrar um velho “besouro”, o que sobrava de um conjunto de
transmissão de código Morse da minha meninice. Juntei-lhe uma valente pilha de
4,5 volts e, com alguns cabos eléctricos, uns arames e alguma fita adesiva,
improvisei um interruptor e uma armadilha.
Esperei pela 4ª
feira seguinte e pela chegada do correio. Lá vinha a fatídica revista. Após a
partida do carteiro, e sem que ninguém visse os meus preparativos, instalei a
geringonça.
O teste foi
excelente: ao puxar-se a revista para fora, aquilo fazia um barulho dos diabos,
usando a caixa de correio como caixa de ressonância, para já não falar no eco
da escada.
Deixando tudo como
se nada fosse, peguei na cadeira de praia que tinha comigo e munido de tabaco,
isqueiro e uma lata de refrigerante, primeiro com e depois sem a servir de
cinzeiro, desci à cave, preparado para uma longa espera. Havia de dar com o
meliante!
Enquanto lá
estive, muito ouvi o abrir e fechar da porta do prédio, as conversas de quem
ali entrava e saía e o subir e descer dos elevadores. E a sonolência ia tomando
conta de mim, que o fresco do local e a obscuridade a tal convidavam.
Até que acordei de
súbito! Aquilo “besourava” por todos os lados, clamando por mim como um alarme
de bombardeamento!
Não creio que um
campeão de corrida de fundo tivesse subido aqueles dois lances de escada, de
nove degraus cada, mais rápido que eu. Quando lá cheguei, nem a porta do prédio
se tinha ainda fechado!
E o meliante
apanhado, com um ar mais que culpado. Neste caso A meliante, que se tratava de
uma garota, de 12 ou 13 anos e residente no prédio. “Palmava-me” a revista para
seguir as telenovelas que ali vinham descritas.
Claro que ouviu
“sermão e missa cantada”, com toda a fúria que eu tinha e a ameaça bem
explícita de a denunciar junto dos pais, da polícia, dos serviços secretos e do
mais que me lembrei. E deixei em suspenso a ameaça para a concretizar na
próxima vez.
Não sei se por
medo, se por ter aprendido o erro do seu acto, a verdade é que não mais
aconteceu. E passados uns tempos, passei a deixar a revista na sua caixa do
correio no próprio dia em que a recebia. Afinal, ela nem me interessava.
E as autoridades
policiais ficaram a dever-me uma, pela sua ineficácia!
By me
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