sábado, 21 de julho de 2012

Epitáfio II




E pronto!
Alguém, num gabinete, fez exactamente isto a propósito da velhinha carreira 21 da Carris, em Lisboa.
Ter-se-á baseado, certamente, em estudos de tráfego, custos operacionais, quantidade de passageiros por quilómetro percorrido, sobreposição com o novel troço do metropolitano… e a velhinha carreira 21 parou.
Aquilo que não terá considerado, acredito eu, são os velhinhos passageiros que a frequentavam, que esta carreira atravessava dois bairros de população envelhecida, que a usavam para ir às compras, para ir ao centro de saúde, para aceder ao já de si longe metropolitano… estes passageiros velhinhos, que os bons dos motoristas esperavam que chegassem vagarosamente às paragens, que esperavam parados nas paragens que eles conseguissem sentar-se, que esperavam pacatamente que eles conseguissem vencer o degrau para descer, hesitantes entre ainda se segurarem no corrimão ou transferirem o seu equilíbrio precário para a bengala ou canadiana, estes passageiros velhinhos que os motoristas conhecem, alguns pelo nome, certamente que não foram contabilizados nas estatísticas ou, se o foram, foram considerados pesos mortos ou a morrer em breve.
Esquecem-se os gestores, bem como os autarcas que deram aprovação a este plano economicista, que estes mesmos velhinhos, utentes da velhinha carreira 21, são aqueles que só não vão às urnas de voto se lhes for impossível deslocarem-se, que o voto é das poucas coisas que lhes resta para mostrarem que estão vivos.
Têm estes mesmos velhinhos passageiros da velhinha carreira 21 magras reformas que não lhes permitem usar de táxis. Mas o peso dos anos e a leveza das carteiras em nada os ajuda a subir ou descer de dois ou três autocarros, no lugar de um, nem a percorrer quinhentos ou mais metros em tempo invernoso ou estival rigoroso, só porque uns gestores economicistas entenderam que o troço final de uma linha de metro pode fazer desaparecer uma ou mais carreiras de autocarros. Será verdade nesse troço novo, não onde os velhinhos hesitantes subiam a custo a velhinha carreira 21.
Talvez que no futuro alguém faça “stop” às mordomias dos então velhinhos gestores e autarcas, como motorista às ordens ou crédito junto de táxis, e saibam o que custa andar mais, subir e descer mais, viajar em carros apinhados, de pé, em que nem a boa-vontade de um motorista lhes pode valer.
E talvez então eles entendam o que realmente aconteceu quando fizeram “stop definitivo” à velhinha carreira 21.

By me 

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