sábado, 21 de julho de 2012

Epitáfio III




Cruzavam-se, um bem estático, o outro em movimento tão livre quanto o tráfego e os passageiros permitiam: o Centro Comercial de Alvalade e a carreira 21.
De idades aproximadas, o primeiro a sofrer bem fundo os efeitos da modernização e das migrações dentro da urbe foi o centro comercial. Já teve cinemas (duas salas), já teve excelentes lojas de livros, música, fotografia, bricolage…
Foi nesta última, por exemplo, que comprei o primeiro mini-berbequim, que outro ainda se não vendia em Portugal, e que muito uso lhe dei no miniaturismo.
Também era aqui que existia aquilo a que chamávamos “a loja do D’Artagnan” e cujo nome advinha da forma como o seu dono tinha a barba crescida e aparada, comércio de fotografia onde se encontravam artigos novos e usados e de onde veio a primeira câmara fotográfica que comprei.
A livraria aqui existente rivalizava com as melhores da cidade na sua secção de artes, em particular de fotografia, entre técnicos e monografias. Foi daqui que trouxe o primeiro livro de Ansel Adams, se isto diz alguma coisa a alguém.
Mas foi também este centro comercial a primeiro a fazer uma ligação inteligente e profícua entre comércio e serviços, já que tinha uma passagem directa para a estação de metro. E com esta paragem à porta, nesta avenida, e uma outra paragem, de outras carreiras, na outra porta e avenida, em dobrando a esquina.
Os tempos foram passando e os centros comerciais foram surgindo, quais cogumelos por entre as pedras. As modas e as rotas comerciais dos clientes foram-se alterando e as salas de cinemas fecharam. Tal como fechou a livraria. E a discoteca. E a loja de bricolage. E a loja de fotografia. E outras.
Agora, tentando sobreviver perante uma concorrência feroz, o centro está em obras, espero (esperamos) que para melhor. E que nos ofereça de comércio e serviços aquilo que não consta nos outros espaços comerciais uniformizados.
O que não sobreviveu às rotas e mudanças, e que foi mesmo assassinada pelo metros e novos troços, foi esta carreira. A 21.
O prolongamento de uma linha de metro, que nem sequer aqui passa, fez acabar com a distribuição de passageiros por bairros envelhecidos e deixou de haver paragens convenientemente dispostas para residentes, serviços e comércio, tradicional ou não.
As gestões de rotas e frotas fez com que o serviço público de transporte de passageiros se transformasse num negócio quase privado, em que os rendimentos económicos são bem mais importantes que os residentes e utentes.
É difícil extinguir um centro comercial, que não se desloca nem transfere. Já uma carreira de autocarros…

By me

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