segunda-feira, 6 de julho de 2015

Naturalmente monocromático



Uma troca de opiniões num grupo ou fórum de fotografia remeteu-me para um livro que tenho entre mãos.
Trata-se de um daqueles livros que compramos porque o título nos atrai desta ou daquela maneira e que acaba por ir parar às pilhas “dos para ler”, adiado o seu uso para data incerta. Tenho muitos assim.
Recuperei-o há dias, porque o que estava a ler de casa para o trabalho e volta se acabara e, olhando para as tais pilhas, este tornou a prender-me a atenção.
Confesso que o raio do livro não é para ser lido assim. É denso, com imensas referências históricas e citações em grego cuja tradução não sei fazer e que nem sempre o autor a fornece.
Mas também não estranhemos: pelo menos a metade dele que já consegui ler remete-nos para o fim da idade clássica e inícios da idade média, épocas em que a teologia e a filosofia andavam de mãos dadas, em que a escrita estava confinada a poucos, em que a arte era mais sacra que outra coisa e em que a imagem no que a coisas da igreja diz respeito era questão de monta, chegando mesmo a dividir lentes e pensadores. Para já não falar em eclesiásticos.
Tem o livro o título “Amigos de objectos interpretáveis”, foi escrito por Miguel Tamen e publicado pela “Assírio e Alvim”.
Mas o que acaba por ser importante ainda nos tempos de hoje (ou talvez mais nos tempos de hoje que então) é o relevo que damos a uma imagem. No caso específico, à imagem fotográfica.
É mais importante quando vemos uma fotografia ela mesma ou aquilo que nela está descrito (com mais ou menos habilidade por parte do fotógrafo)?
Gostamos da fotografia do modelo ou do modelo fotografado? Gostamos das cores da paisagem impressa no papel ou gostamos das cores que talvez estivessem lá aquando da fotografia?
É mais importante as emoções que temos perante a fotografia ou perante aquilo que foi fotografado?

Uma das primeiras perguntas que são feitas ao olhar uma fotografia é: “onde é?” Ou, em alternativa e se o assunto não for de imediato perceptível, “O que é?”
Os afectos, positivos ou negativos, perante uma fotografia são, as mais das vezes, não sobre ela mas sobre o que ela representa. Não sobre a fotografia do modelo mas sobre o modelo fotografado. Não sobre a imagem mas sobre o protótipo.

Faz assim sentido perguntar se quem gosta de fotografia gosta do que vê, se gosta do que imagina que vê (a relação entre a percepção do real e a nossa própria experiência e vida) ou se gosta daquilo que a fotografia registou, com melhor ou pior qualidade ou fidelidade.
Então que dizer, por exemplo, quando “gostamos” de uma fotografia do corpo de uma criança retalhada pela explosão de uma bomba?
Temos uma reacção particularmente negativa perante o registado mas gostamos da fotografia por si mesma, nas suas diversas vertentes técnicas e estéticas.

Estou em crer que a maioria de quem gosta de fotografia não tem por ela mesma afecto.
O que essa maioria gosta é da possibilidade de, através dela, conhecer aquilo onde não foi ou esteve e que gostaria de ter ido ou estado.
No fundo, aquilo que já os pioneiros da fotografia dela diziam: uma janela para o mundo, hoje particularmente acessível face aos milhares de câmaras existentes e à facilidade de um click no computador.
A fotografia hoje, mais artística ou mais documental, supre a nossa preguiça em ir ou estar, sublima a nossa frustração das nossas vidas uniformes e alimenta o sonho do distante e do belo (mesmo que horrendo).
Na prática, atribuímos à fotografia hoje o mesmo cariz representativo que já os antigos davam às imagens sacras: ícones daquilo de que gostamos ou exorcismos daquilo que tememos.

A fotografia junta?
Teria por título “naturalmente monocromático”, se isso fosse importante.

E foi feita hoje, na rua Domingues Saraiva, Mem Martins, se isso tivesse alguma relevância.

By me

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