domingo, 26 de julho de 2015

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Confesso que não resisti! O meu nariz comprido levou-me inexoravelmente ao interior da loja para fazer a pergunta.
A loja é antiga. Bem antiga. Conheço-a quase há tanto tempo quanto me conheço (ou quase) e recordo ter lá sido cliente em pequenote.
Trata-se de um fotógrafo e foi lá que fiz, se a minha memória me não falha, a fotografia que foi ilustrar, para meu orgulho, o primeiro bilhete de identidade que tive. Nos tempos em que se ia ao fotógrafo com a melhor roupinha, em que as luzes feriam o tempo todo os olhos e em que o resultado só se conhecia uns bons dias depois, uma semana se me não engano.
Os tempos foram passando e a tecnologia evoluindo.
A última mudança de que foi alvo foi passar a ostentar a indicação de “fotografia digital” e os trabalhos fotográficos passarem a ser os “books” e as fotografias de família, que o BI agora também é digital na fotografia para além da impressão.
E um dia destes, num passeio lento e atento pelo bairro de Alvalade, tentando fazer um registo específico, dou com este aviso, mesmo no cantinho da montra. Já lá está, ao que me pareceu e vim a saber, há uns tempos, mas só nesse dia o vi.
A minha curiosidade foi maior que a minha vergonha.
Carregado com mochila, câmara, monopé e demais tralha, franqueei a porta, dirigi-me ao balcão e comecei a conversa com a mocinha que me deu os bons dias com “Não venho comprar nada”.
Continuei, antes ainda de ela se recompor, com um “Venho apenas fazer uma pergunta, por estranha que pareça”.
Sorriu, aguardou e continuei com “Que idade tem o dono da loja?”
Ficou a olhar para mim, de sobrolho franzido e disse-me que já havia falecido há tempos.
“Pois”, continuei, “mas o actual dono, que idade tem!”
“É a filha e tem cerca de quarenta anos.”
“Bem, então deve esperar viver e trabalhar até aos setenta e tal anos.” terminei após fazer contas de cabeça rapidamente. “Com o aviso que têm na montra…”
Sorriu e ficou a olhar para mim, enquanto me afastava para fazer o registo que aqui se vê. E ainda deu para que eu ouvisse, p’la porta aberta, o que explicou a um colega, que entretanto tinha vindo saber o que se passava.
Suponho que a actual dona esteja em plena sintonia com as modernas políticas de segurança social e reforma, e que conte trabalhar por ali até para além das idades legais em vigor por agora.

Em qualquer dos casos, quem sabe se um dia me não dá na bolha e vou até lá com muita paciência e desplante, e não pergunto pelos arquivos de há quarenta e tal anos? E quem sabe se não serei surpreendido?

By me

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