O mais provável é nenhum de vós conhecer
isto.
A menos que frequentem o Campus Académico
do Lumiar. Ou que residam na zona. Ou que lhe passem à porta naquela que já
foi, em tempos recuados, uma das saídas da cidade de Lisboa. Essa via, hoje,
pouco mais é que para trânsito local e corredor de transportes colectivos.
Ou ainda, e talvez provável, conheçam o que
lhe fica em frente: o Parque das Conchas, local aprazível para pic-nics e
espectáculos ao ar livre.
Mas, e fica para a história, este local já
foi um quartel militar.
Conhecido como o Quartel do Lumiar, era
aqui que estava localizada a EPAM, cujas letras significavam Escola Prática de
Administração Militar. Foi aqui que muitos, depois da recruta, fizeram a
especialidade no decurso do Serviço Militar Obrigatório, antes de seguirem
carreira ou seguirem para as Africas, na guerra colonial.
Fica também para a história que foi daqui
que saiu o grupo de militares que em ’74, aquando da revolução, ocupou as
instalações da RTP, que então lhe ficavam por perto. Não particularmente
treinados do ponto de vista militar, tinham as armas e fardamentos para dar um
ar de eficazes na missão que lhes foi confiada. E que cumpriram como se
esperava.
Fica também para a história que as
traseiras deste então quartel tinha frondosas amoreiras. Como o sei? Porque
vivi na infância num prédio que confinava com os muros do quartel e várias foram
as vezes que os militares me atiraram ramos com folhas verdes para alimentar os
bichos da seda que tive. Tal como, e em estando acordado na noite, o que era
particularmente raro em catraio, ouvia os gritos de “Sentinela alerta – Alerta
está!”, gritados de posto de vigia em posto de vigia, para garantir a segurança
das instalações.
Mas talvez o que seja importante para a
história era o que acontecia a esta porta ao cair da noite, dia sim, dia sim.
Formava-se uma fila de gente, encostada ao
muro curvo da porta d’armas, à espera das sobras do rancho que eram aqui
distribuídas a quem disso precisava. E, soube-o bem mais tarde da boca de quem
ali trabalhou, que o rancho tinha sempre doses em excesso para suprir estas
fomes.
Depois de ali ter vivido em criança
pequena, morei enquanto estudante na zona. Ficando este local no trajecto de
casa para o liceu ou para outros locais na cidade. E muitas foram as vezes,
antes e depois da revolução de Abril, que ali vi essa fila de gente. Idosos, em
regra, algumas mulheres com crianças pela mão ou ao colo se o tempo o
permitisse.
Fica para a história que, à época, não
havia ONGs a distribuir comida. Meio à revelia da ordem instituída, os
militares faziam parte dessa função, com a cumplicidade dos oficiais superiores
e sem o alardear que hoje se conhece de algumas dessas organizações.
Fica para a história que a solidariedade
não era então aquilo que hoje parece ser:
Uma palavra vazia de significado, quase que
só usada em proveito próprio.
By me
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