Somos ambos
catadores de lixo, ele e eu.
Enquanto ele vai
virando sacos e latas em busca de um petisco, eu vou olhando o que me vai
cercando, catando com a minha câmara pedaços abandonados do género Humano.
Não passa ele
fome, já que vive com uma família aqui, na minha rua.
Vem para a rua de
manhã, quando eles saem para trabalhar, e recolhe à noite, quando voltam. O que
ele vai recolhendo e trincando é mais para a gulodice que para matar a fome,
que, acredito, alguns dos cheiros em sacos e caixotes serão apetitosos.
Quanto a mim, que
também não me falta de comer ou com que alimentar a minha fome de fotografar, é
igualmente uma questão de oportunidade, que curioso mesmo é o que se vai
deitando fora nesta sociedade consumista e de desperdício. Em particular
sapatos, mas isso já é uma mania minha: imaginar o que já foram vividos e por
onde já andaram os protectores dos membros inferiores.
Lamentavelmente,
nem o revirar dele nem o meu fotografar se comparam aos catadores de lixo
profissionais que deambulam com regularidade no meu bairro (e em tantos outros!).
Dependem eles do lixo dos outros, não para satisfazerem um apetite ocasional ou
um olhar mais sarcástico ou imaginativo mas, antes sim, para responderem aos
apelos do estômago, à fraqueza do corpo, à fome mesmo!
E vou-os vendo, em
trajectos regulares, uns mais lentos, que a idade já não permite mais, outros
mais rápidos, tentando que o dia “renda”, abrindo contentores e sacos,
arrastando consigo sacolas com rodas ou a tiracolo, que vão tentando encher com
as sobras dos demais e que, sabe-se lá como, transformarão nas suas riquezas do
dia.
Dos catadores de
lixo do meu bairro, este é o único que, despudoradamente e sem escrúpulos,
consigo fotografar.
By me
Sem comentários:
Enviar um comentário